UM OLHAR VYGOTSKIANO SOBRE A SURDEZ.




Esse trabalho apresenta algumas considerações sobre o sujeito surdo, seu desenvolvimento cognitivo e a importância da linguagem nesse processo. Tendo como base teórica os estudos realizados por Vygotsky, que em sua concepção histórico-cultural analisa aspectos tipicamente humanos afirmando que tais aspectos são resultados das interações dialéticas do homem com o meio social. Analisar o surdo nesse contexto proporciona uma discussão relevante especialmente para valorizarmos sua língua e possibilitar um olhar diferenciado sobre sua educação.
Os surdos por muito tempo foram considerados pessoas impossibilitadas de serem educadas formalmente, se acreditava que o déficit auditivo causasse retardamento mental. Desse modo, é possível entender porque os surdos passaram anos sendo isolados da sociedade, assistidos em hospitais psiquiátricos, asilos e mais tarde em escolas especiais. Pouco se estudava sobre o desenvolvimento cognitivo do surdo, mas uma figura se destacou nesse sentido: Vygotsky. Nos seus estudos em Defectologia, onde trata sobre as questões da educação especial, relata que a educação e o desenvolvimento do sujeito surdo são as questões mais complexas da pedagogia especial, pois em sua grande maioria os surdos não desenvolvem a linguagem em sua forma oral.
Sabe-se que a linguagem foi uma preocupação nos estudos de Vygotsky, estudou-a e a deu um lugar de destaque em sua teoria, abordando-a em seu aspecto funcional e psicológico, entendendo a linguagem como constituinte do sujeito. A linguagem corresponde ainda a uma das habilidades especiais e significativas dos seres humanos. De acordo com Rego (1995), Vygotsky afirma que a conquista da linguagem é um marco no desenvolvimento do ser humano, onde a linguagem expressa o pensamento e organiza-o. Por isso a linguagem é duplamente importante. É por meio dela que as funções mentais superiores são socialmente formadas e culturalmente transmitidas. Linguagem não é apenas uma expressão do conhecimento adquirido pela criança. Existe uma relação fundamental entre pensamento e linguagem, um proporcionando recursos ao outro. A linguagem desempenha uma função essencial na formação do pensamento e do caráter do indivíduo.
Vale ressaltar as idéias de Goldelf (1997) a respeito dos estudos de Vygotsky e suas aplicações no desenvolvimento de crianças surdas. A pesquisadora considera que voltado à criança surda com atraso de linguagem, surgem questionamentos sobre seus pensamentos, se existe realmente o desenvolvimento das falas egocêntricas e interior, que possibilite o encontro entre pensamento e linguagem, e se a linguagem consegue cumprir suas funções na comunicação, organização e planejamento das funções mentais superiores. Salienta a autora, que as crianças surdas, mesmo aquelas que não são expostas à língua de sinais e não recebem nenhum tratamento fonoaudiológico para adquirir a língua oral, adquirem alguma forma rudimentar de linguagem, simbolizam e conceituam, pois convivem socialmente, interagem e se comunicam de alguma forma. O que acontece é que por não terem acesso a uma língua estruturada, com status lingüístico a qualidade e quantidade de informações e assuntos abordados são inferiores àqueles que os sujeitos ouvintes na maioria têm.
Nessa perspectiva, o sujeito surdo que utiliza língua de sinais pode sim desenvolver a linguagem como reguladora do pensamento. A língua de sinais tem o mesmo status lingüístico que as línguas orais. Vários pesquisadores (QUADROS, PADENN, SKLIAR) apontam que a língua de sinais é comparável em qualquer complexidade e expressividade a quaisquer línguas orais, tem sua própria estrutura gramatical, o que muda é o canal de comunicação, na língua de sinais é visual-espacial e não oral-auditiva. A linguagem possui uma estrutura subjacente, independente da modalidade de expressão, no caso independente de falarmos de uma língua oral-auditiva ou visual-espacial, devemos deixar clara a função da linguagem, deve ser definida independentemente da modalidade na qual se expressa ou é recebida.
Desse modo, justifica-se a criança surda ter contato com a língua de sinais o mais cedo possível e conviver com usuários da mesma língua, isso possibilitará seu desenvolvimento pleno. Faz-se necessário esclarecer que na concepção histórico-cultural a língua não é entendida como algo transmitido, ensinado e aprendido pela imitação. Ao contrário, existe um papel ativo da criança no fluxo da comunicação de seu meio social. Vygotsky (1989) explicitou nos seus estudos que se uma criança estiver inserida em uma comunidade e utilizar uma língua em suas interações com os membros da mesma, valer-se-á desta língua tanto para comunicar-se como para o seu desenvolvimento cognitivo, a partir da internalização desta língua. Sendo assim, a língua de sinais permite que o surdo desenvolva-se cognitivamente. A língua de sinais tem potencialidade de expressar o conjunto de significados do mundo interior e exterior de quem a utiliza. A língua de sinais é o suporte para o desenvolvimento cognitivo do surdo. Parece óbvio que, assumindo as idéias de Vygotsky sobre linguagem e pensamento, chegamos à conclusão de que somente a língua de sinais pode suprir a função de suporte para o pensamento, permitindo que o surdo tenha um desenvolvimento normal, equiparado ao de uma criança ouvinte.
Brito (1993), ressalta que as línguas naturais têm a função de suporte do pensamento e que via de regra, isso é esquecido pelos especialistas envolvidos na educação dos surdos. A língua de sinais não tem apenas a função de permitir ao surdo à comunicação, mas por ser considerada uma língua natural é de extrema importância em seu desenvolvimento. Skliar (1999) afirma que por muito tempo na educação dos surdos não se levou em consideração a importância da língua de sinais e isso lhes trouxe grandes prejuízos. Os surdos foram excluídos de aprendizagens significativas, a língua de sinais foi considerada limitada e por isso causava limitações cognitivas aos surdos que não podiam utilizá-la livremente. Ou seja, ao surdo foi negada a construção de sua identidade e ainda são acusados de terem limitações em suas funções psicológicas superiores. A questão do acesso à linguagem por parte das crianças surdas é um problema crítico da pedagogia especial e de sua adequada análise depende grande parte das propostas e o cumprimento de qualquer objetivo educativo e familiar.
Comprovadamente, como afirma Goldfeld (1997) a dificuldade ao acesso de uma língua que seja oferecida natural e constantemente leva a criança surda a um tipo de pensamento mais concreto, já que é através do diálogo e da aquisição do sistema conceitual que ela pode se desvincular cada vez mais do concreto, internalizando conceitos abstratos. Sabe-se que crianças surdas filhas de pais surdos estão expostas a língua de sinais o que propicia um ambiente favorável para o estabelecimento dos formatos de interação comunicativos e o conseqüente desenvolvimento cognitivo lingüístico pleno.
Nesse sentido, pensar em educação de surdos é salientar a necessidade de se valorizar sua língua. A educação dos surdos deve escolher como língua de instrução a língua própria dos grupos surdos, não como uma concessão, mas como uma escolha pedagógica e política. Aprofundar estudos vygotskianos nessa perspectiva nos garante dar mais credibilidade à função da língua de sinais no desenvolvimento da linguagem e do pensamento no sujeito surdo. Não há como negar o status da língua de sinais, e de como ela consegue proporcionar ao surdo o pleno desenvolvimento de suas funções mentais superiores. Lembrando que todas as atividades cognitivas básicas do individuo ocorrem de acordo com sua história social e acabam se constituindo no produto do desenvolvimento histórico-social da sua comunidade.
Vygotsky concluiu em seus estudos com surdos, que a criança surda deve adquirir a linguagem mesma forma que os ouvintes, seguindo as mesmas etapas. Ainda alertou que é necessária uma revisão em relação aos diferentes tipos de linguagem utilizada pelos surdos. Nesse sentido, o contato com a língua natural, o convívio com sues pares e pela necessidade intrínseca de interação social com seus modelos adultos é que a criança surda poderá desenvolver a linguagem e o pensamento, assim possibilitando um desenvolvimento pleno.

Referências

BRITO, L. F. Integração Social e Educação dos Surdos. Rio de Janeiro: Babel, 1993.

GOLDFELD, M. A criança surda: linguagem e cognição numa abordagem sócio-interacionista. São Paulo: Plexus, 1997.

REGO, T. C. Vygotsky: uma perspectiva historio-cultural da educação. Petrópolis/RJ: Vozes, 1995.

SKLIAR, C. Uma perspectiva sócio-histórica sobre a psicologia e a educação dos surdos. In:_________(Org.). Educação e exclusão: abordagens sócio-antropológicas em educação especial. Porto Alegre: Mediação, 1997.

____________(Org.) Atualidade da Educação Bilíngüe para Surdos. Porto Alegre: Mediação, 1999.

VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988.

______________Obras completas: fundamentos de defectologia. Havana, Editorial Pueblo y Educacion, 1989.

_______________ A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991.







Autor: Deni Kendrick


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