Conhecimento Da Função Administrativa Do Estado Brasileiro Por Estudantes Do Ensino Médio



2.1CONCEITO DE ESTADO DEMOCRÁTICO

Já no art. 1º da CF brasileira é apresentada sua constituição como Estado Democrático de Direito, e tem como fundamentos: "I - a soberania; II – a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político".(BRASIL, 1988).

O Estado é um todo sócio-jurídico-político, o qual é compreendido em duas instâncias o Estado Federal que compreende todo o país, composto pelos Estados-membros, que harmonicamente se submetem ao Estado maior, e ainda em sua formação, dividi-se em Municípios, ambos constituídos sob os três poderes constitutivos, submetidos integralmente ao Estado Federal. O Estado federal é um Estado soberano formado por uma variedade de Estados, nascendo o seu poder de unidade estatal dos Estados-membros. A população própria, sujeita a sua organização, dada pelo conjunto das populações também sujeitas a organização de cada Estado-membro, de onde resultam duas ordens jurídicas diversas e originárias coligadas entre si e uma dupla atribuição estatutária: a do Estado federal e a dos estados federados conseqüentemente, são também cidadãos do Estado central ou federal e têm direitos e deveres frente a um e outro, caracterizada a nacionalidade brasileira com base no art. 12 da CF. O Estado possui soberania própria e originária no âmbito nacional e internacional, com pleno poder legislativo, jurisdicional e político administrativo. Caracterizado pelo fato de sobre um mesmo território e sobre as mesmas pessoas, se exercer, harmônica e simultaneamente, a ação política de dois governos distintos, o federal e o estadual. Sendo que o estadual se sujeita a supremacia do federal. (MENEZES, 2002, p. 181-194).

Identifica-se ainda dentro dos Estados-membros, bem como os municípios, os quais são conceituados como a circunscrição administrativa do território nacional, investida de personalidade civil, subordinada a determinadas condições de controle, constituindo, na administração geral do Estado, um órgão distinto, incumbido ao mesmo tempo da gestão dos seus interesses particulares. Caracterizado sua existência pela descentralização e autonomia, muito embora restrita aos assuntos localizados dentro de sua área territorial; e, ainda mais, do seu exclusivo e único interesse. Sendo que o Município ou Estado-membro, está subordinado, desde sua criação e organização até o desempenho dado aos serviços a seu cargo às leis do Estado Maior. (MENEZES, 2002, p. 203).

O conceito polêmico de soberania deve ser ensaiado em condições democráticas, a qualidade do poder supremo do Estado de não ser obrigado ou determinado senão pela sua própria vontade dentro da esfera de sua competência e dos limites superiores do Direito. Esta é a qualidade do Estado, de não ser obrigado ou determinado, senão por sua própria vontade, nos limites do Direito, e conforme o fim coletivo que está chamado a realizar. Centro comum de referência de toda a ciência política, como forma específica do fenômeno genérico do poder a questão de soberania é parcialmente jurídica, assim como, é parcialmente histórico-social ou política. Compreendendo afinal que a soberania é sempre sócio-jurídico-política, ou não é soberania. Na concepção da palavra soberania que designa, não já uma potestade, senão uma qualidade, certa forma de ser, certo grau de potestade. A soberania é o caráter supremo de um poder. Supremo, pois não admite nenhum outro; nem por cima de si, nem em concorrência consigo. Entendendo assim, que sua autoridade é chamada a exercer-se, não depende de nenhum outro poder e que não pode ser igualada por nenhum outro poder.

Cabe salientar que a soberania é atributo do Estado e não do governo, tendo em vista que o Estado se perpetua e compreende um todo social; enquanto o governo é limitado e transitório. O povo é fonte primeira do poder, é titular da soberania, de um ponto de vista geral, pois exerce a soberania amplamente dentro ou fora dos quadros do Direito objetivo, como descrito no consagrado e vitorioso princípio constitucional de que "...todo poder emana do povo e em seu nome será exercido". Inclusive naturalmente, no grau máximo que traduz soberania. Daí emerge a necessidade, a ligação lógica e doutrinária que em conseqüência da interferência popular se estabelece entre a soberania e a representação popular, no atual contexto do Estado contemporâneo. (MENEZES, 2002, p. 148-155).

Do ponto de vista contemporâneo é imprescindível não se falar em democracia como elemento crucial que assim define MENEZES (2002, p. 267): "A Palavra democracia, com procedência da língua grega (de demos = povo, e kratos = autoridade), significa, etimologicamente, governo do povo. É reforçada, comumente, em seu sentido, a fim de expressar governo do povo, pelo povo e para o povo". Trata-se de uma definição concisa que, desde o século XVII, foi proposta e vem sendo intensificada, em seu sentido popular, de onde se originou a expressão que democracia é o governo do povo, para o povo, porque na forma e na substância emana do povo os poderes. Habitualmente confundida a palavra exprime o meio, a condição, o ambiente em que se efetua um governo, seja ele republicano ou monárquico, pois não é forma de governo. O conceito largamente utilizado é que o princípio fundamental do governo democrático é a liberdade; a liberdade, diz-se, é o objetivo de toda democracia. Reconhece-se ainda, que o princípio democrático afirma que a soberania reside no povo e que não residiria noutra parte. O princípio democrático diz respeito assim, ao problema da origem e da legitimidade do poder legítimo.

Concebem-se ainda quatro princípios substanciais: Primeiro: o povo é a fonte de todo o poder político e os votantes elegem diretamente os principais agentes do governo; Segundo: por esses agentes, eleitos pelos votantes, são feitas todas as leis; Terceiro: em determinadas épocas, todos os principais agentes do governo, pelo menos os que compõem os poderes legislativo e executivo, são obrigados ou a se afastarem, ou se pretendem continuar exercendo suas funções, a se submeterem, bem como os seus atos, à manifestação da vontade popular nas urnas; Quarto: nesses processos, todos os votantes são iguais e, nas eleições, o candidato que obtém maior número de votos é elevado ao cargo em disputa. Seguida da premissa que a democracia não deve ser apenas política, e sim política e social. A política democrática se desenvolveu em resposta a necessidade de abolir os privilégios de castas. Algo largamente discutido é a questão de igualdade, pela sua amplidão em sua compreensão e concepção, no entanto, aplica-se na igualdade de oportunidade para todos, garantindo igualdade perante a lei, permitindo a quantos queiram e possam atingi-los o acesso ao poder e o progresso. (MENEZES, 2002, p. 269-284).

No entanto, a democracia se difunde em todas as esferas da sociedade no Estado democrático. Historicamente seu desenvolvimento foi resultante da prática de sucessivas e diferentes formas de governos, os quais eram considerados; outros se conclamavam democráticos. E assim, sucessivamente aos conceitos e doutrinas, vem sendo largamente discutida e proliferada sua filosofia, dando cerne fundamental aos ideais teóricos de uma democracia perfeita. Muito embora se observe ainda hoje a ambigüidade de sua real compreensão, que é ampla, daí a divisão desta, em diversas facetas. Vários sãos os tipos de democracia que a doutrina distingue. Em suma vários são os sistemas que buscam fazer coincidir, no máximo possível, os governantes e os governados. Isto para que todo ser humano continue livre no Estado, sujeitando-se a um poder de que também participe. Dentre estes se destaca a democracia direta e a denominada democracia indireta. Outro é misto como a designação segura: democracia semidireta, a qual é considerada modalidade da indireta. (FERREIRA FILHO, 2003, p. 79-81).

A democracia direta, é aquela que as decisões fundamentais são tomadas pelos cidadãos em assembléia, é uma reminiscência histórica ou uma curiosidade quase que folclórica. Hoje, nenhum Estado pode adotá-la, já que não é possível reunir milhões de cidadãos, freqüentes e quase diuturnamente, para que resolvam os problemas comuns. Sem se falar na incapacidade de que sofre esse povo de compreender os problemas técnicos e complexos do Estado-providência. Haja vista o amplo histórico de Atenas. Um clássico modelo de democracia direta.

Enquanto a democracia indireta é aquela onde o povo se governa por meio de "representante" que, escolhidos por ele, tomam em seu nome e presumidamente no seu interesse as decisões de governo. O modelo clássico de democracia indireta é a chamada democracia representativa, que apresenta dois subsistemas: o puro, ou tradicional, e a democracia pelos partidos. Percebe-se ainda quem veja na democracia semidireta uma subespécie de democracia indireta. Abarca ainda a este grupo a democracia plebiscitária, ou cesarista, hoje inteiramente em desuso.

Já a democracia representativateve por precursor Montesquieu, ao lançar seu princípio em sua obra, "O espírito das leis", efetivado na Constituição francesa, onde explanou sobre a representatividade e participação popular, que se efetivou originalmente através de cunho puramente aristocrático. Meio pelo qual as elites, minoria, escolhiam os representantes, excluindo os demais. A partir do século XIX passamos a identificar o sufrágio universal, tomando o lugar do voto censitário, abrindo espaços a todos participarem do processo político-eleitoral. Efetivamente no século XX vemos a sociedade abrir-se amplamente para a participação, através da participação das mulheres de forma efetiva, no voto e na candidatura. No entanto, muito longe, porém, está a democracia representativa do que se propunham seus precursores, pois a maioria não exerce efetivamente o poder, já que não decide sobre os problemas concretos do governo. Pela intermitência do mandato e pela complexa magnitude dos processos político-governamental. Na representação política é nítido que se estabelece o vínculo entre os governados e os governantes pelo quais estes agem em nome daqueles e devem trabalhar pelo bem dos representantes e não pelo próprio, constitui um dos mais difíceis problemas do Direito público e da ciência política. A representação moderna, calçada nos fundamentos de Montesquieu, tinha outro alcance, como ainda é, um modo de compor o governo, dando aos escolhidos a decisão sobre os meios e modos de realizar o bem geral. (FERREIRA FILHO, 2003, p. 81-84).

Objetivando enfrentar o caráter aristocrático no processo de representação política, apresenta-se um novo modelo de representação. Segundo este, o supremo poder cabe não ao povo, conjunto dos homens vivos num determinado instante em determinado território, mas à nação, entidade as trata, personalização dos interesses permanentes e profundos das gerações em sucessão. A nação é que está representada, não o povo. Este deve ser chamado a votar, mas, ao fazê-lo, agem como órgão da nação para a escolha dos representantes da nação. O eleitorado exerce, pois, uma função para o soberano: escolhe aqueles indivíduos cuja deliberação, singular ou coletiva, formula a vontade de nação soberana.

A natureza jurídica da representação permeia um campo complexo, devido a dificuldade jurídica em se responderqual é a natureza dessa ligação entre povo e representante, entre eleitor e eleito, entre o que escolhe, mas obedece e o que é escolhidoporém, manda.

É nítida a incongruência dos fatos. A teoria do mandato tenta elucidar, o eleito não está como o procurador, adstrito a seguir as instruções do mandante, nem age em nome apenas dos que nele votaram, mas em nome de todos e do todo, o povo ou nação.

Menciona-se (FERREIRA FILHO, 2003, p. 85) a relação do representante junto à sociedade: "Tão frouxa é, pois, a relação que, de modo mais realista, outra teoria - a da investidura - procura interpretá-la". O representante não recebe da escolha popular, da eleição, um mandato propriamente dito. Prova disso é a proibição do mandato imperativo, a proibição de o representante aceitar dos que o designam instruções vinculantes.

Nota-se que nada o vincula juridicamente à vontade dos eleitores. No máximo, reconhece-se que a moral e o seu próprio interesse o impelem a atender os desejos do eleitorado. A moral porque a eleição não se obtém sem promessas, inerente ainda ao interesse da reeleição.

Ressalve que o conceito clássico da escolha do representante advém da sua maior capacidade do que seus eleitores nos negócios políticos.

No século XX, veio a ser formulada nova colocação das relações entre representantes e representados. É a doutrina do mandato partidário. Designado pelo fenômeno político dos partidos, especialmente ao modelo da democracia dos partidos.

Os partidos políticos também passam a fazer parte integrante na democracia contemporânea, no entanto a doutrina democrática a princípio não via com bons olhos, o partido político, isto é, o aparecimento de grupos organizados, instituídos para a disputa das eleições, com o objetivo de obter o poder.

Surgiram eles naturalmente, chamados pelas necessidades de colher fundos para as campanhas eleitorais, de realizar a propaganda e o proselitismo, de apoiar a atuação de eleitos,no sentido da ampliação de sua esfera de influência.

Os primeiros em data foram de orientação liberal. Não se dispunham a congregar o maior número possível de simpatizantes, mas,simplesmente pessoas influentes ou ricas, estas últimas, para alimentar, com polpudas doações aos seus cofres. No entanto, observa-se que sua estrutura era frouxa, de frágil disciplina.

Cita (FERREIRA FILHO, 2003, p. 86) do surgimento dos partidos de massa: "Mas o sufrágio universal e a conseqüente participação da grande massa despreparada no processo político trouxeram o aparecimento de um outro tipo de partido: o partido de massa".

Esta é uma invenção dos socialistas. Organizar-se para abranger o maior número possível de simpatizantes. Para tanto, espalha-se por toda parte, criando, onde puder, núcleos de base que se subordinam a núcleos mais altos de comando e orientação, até uma cúpula de comando em que culmina a hierarquia. Dessa estruturação advêm diversas conseqüências politicamente importantes. A possibilidade de facilitar a realização da doutrinação dos militantes, elevando-lhes o nível de cultura política e preparando-os melhor para uma ação externa, de proselitismo ou de mero ativismo;Outra forma de estruturação é a de colher fundos vultosos, somando muitas pequenas contribuições periódicas;Terceira, facilitar a mobilização, seja para manifestações públicas, seja para a revolução almejada pelos radicais. Este partido de massa revelou-se máquina política eficiente. Motivo porque veio a ser imitado por grupos de ideologia não socialistas. Assim, pelos democratas cristãos e até pelos liberais, vindo a constituir o padrão moderno do partido político.

Nota-se hoje, que são esses partidos que disputam as eleições, destacam-se na Europa, e na América do Norte e também no Brasil. Comenta FERREIRA FILHO (2003, p. 87) quanto aos partidos políticos: "A experiência, porém, revela que os partidos oferecem riscos para a democracia. Por isso, boa parte da doutrina política os encara como um mal, embora necessário, para a democracia". Um de seus inconvenientes é o seu caráter oligárquico. Poucos dominam o poder e esses por terem em mãos a formulação das opções eleitorais têm uma influência desproporcionada. Por outro lado, são eles, facilmente corrompidos pelo suborno ou comprados por propina; Outro,o de poderem servir de ponta de lança para o poder econômico de fato, precisando de vultosos recursos para a propaganda. Mormente hoje, com as técnicas sofisticadas, que ao mesmo tempo reclamam e propiciam os meios de comunicação de massa, podem ser "comprados" pelos seus financiadores, assim usados para a defesa de interesses particulares.

Enfim, a organização do partido de massa, comparável a de um exército, permite seja ele usado como máquina de guerra, para a conquista do poder pela força. Esse mau uso foi dado à organização partidária, tanto por grupos de direita, haja vista, os fascistas na Itália, os nazistas na Alemanha; bem como de esquerda, os comunistas. Os partidos políticos são atualmente o canal oficial por que se exprime a opinião pública, melhor dizendo, as diversas correntes de opinião. Para bem apreender a significação disto, cumpre lembrar que os Estados contemporâneos são os que os sociólogos chamam de grupos secundários. Isto é, são grupos onde os contatos se estabelecem indireta e impessoalmente, ao contrário do que sucede nos grupos primários, como a família, onde esses contatos são face a face, diretos imediatos e pessoais.

Diante da complexidade dos assuntos de interesse e relevância pública, decorre a opinião "pública", que não se forma espontaneamente nem é unânime, ou quase. Ela é majoritária, tendo sempre pela frente opinião ou opiniões minoritárias. Todavia, a opinião pública nos Estados contemporâneos é assim conformada ou guiada pelas técnicas de comunicação de massa que informam, canalizam e, por fim, exprimem a "vontade" do povo. Evidente que essa opinião pública converge de opiniões individuais, pois, pode ser manipulada por quem controlar os instrumentos de comunicação de massa. Por isso, não é difícil a um governo totalitário, tornar-se, aos olhos do povo, o mais democrático dos regimes, por fazer aquilo e só aquilo que o povo "quer", isto é, aquilo que foi instilado, nesse mesmo povo, pela sua propaganda.

Segundo FERREIRA FILHO (2003, p. 88): "O monopólio dos meios de comunicação de massa - impressa, rádio, televisão, cinema – é mortal para a verdadeira democracia". De fato, somente a informação contraditoriamente fornecida ao povo é que resguarda a possibilidade de sua decisão consciente, constatando aptidão de opinião, através da divergência de idéias. Nisso está um pressuposto fundamental da sinceridade da representação, que depende também de um controle da propaganda.

Têm-se ainda, os grupos de pressão que FERREIRA FILHO (2003, p. 89) classifica: "O grupo de pressão é todo e qualquer grupo que procure influenciar no governo em defesa de um interesse". Observa-se que este não quer para si o governo, contenta-se com que este, sirva a seus interesses. Não luta por idéias, salvo na medida em que essa se torne interesse.

Conseguinte a multiplicação dos grupos de pressão, os que são criados para a pressão apenas, caracteriza o sintoma de falência do papel crucial de representação dos partidos. Onde estes são fortes, como na Inglaterra. Na realidade são eles frágeis. Todavia, a pressão provém também de grupos organizados para outros fins, que não a ação sobre o governo, mas, que são levados a ela para a defesa do que lhes toca de perto. Instrumento de representação de interesses particulares são os grupos de pressão extremamente perigosos para a democracia e para o bem comum. São, todavia, fruto inevitável da deficiente representação constitucionalmente organizada. Para a democracia são daninhos porque substituem a vontade geral, por individuais. Isto, pois, porque além de servirem-se de todos os meios, bons ou maus, para alcançar seus fins, afastam a consideração do interesse geral para impor os interesses mais fortes, mais ricos e poderosos.

Convencido historicamente de não poder proscrevê-los, procurou neutralizar seus efeitos pela publicidade. O governo brasileiro recentemente os reconhece e passou a discipliná-los. FERREIRA FILHO (2003, p. 90) descreve: "É o que decorre do Regimento Interno da Câmara dos Deputados onde se prevê o registro dos que se empenham no chamado lobbying. Norma que permanece letra morta".

Surge neste meio a representação de interesses, alargado de clássicos exemplos, historicamente a representação de classes no parlamento denota importante participação. No entanto, demonstrou-se ineficaz, no sentido lato da questão da representação do todo, da sociedade como um todo. Haja vista tal tentativa na Constituição brasileira de 1934, que conferiu representação à quatro organizações profissionais, a saber: lavoura e pecuária; indústria; comércio e transportes; profissionais liberais e funcionários públicos. Sucumbindo assim, tal ato constitucional.

A representação na democracia ocidental caracteriza-se imperativa. Uma representação de interesses particulares, numa representação do interesse geral no bem comum, é imprescindível. Sua simples justaposição, entretanto, é inútil.

Descreve-se (FERREIRA FILHO, 2003, p. 91) o surgimento da democracia pelos partidos: "... em fins do século XIX e no começo do século XX difundiu-se forte crítica contra a democracia representativa, [...] a acusava de não ser suficientemente democrática, de simplesmente estabelecer o governo dos eleitos sobre o povo que não teria real influência na orientação do poder".

Com o efeito, o representante, por força das concepções consagradas em todas as constituições, não estava atrelada qualquer instrução que, porventura, lhe tivessem sido dadas por seus eleitores. Nem, igualmente, estava juridicamente obrigado a lhes prestar contas de seus atos. Aplica-se assim desta forma, a todas as democracias representativas, a retórica de uma falsa representatividade efetiva do interesse popular. Denunciando o caráter oligárquico da democracia representativa, cumpria formular outro modelo mais perfeito. Oriunda da influência de diversos juristas, na corrente que mais tarde se apelidou de racionalização do poder.

No partido político, foi que esse pensamento depositou a esperança de estabelecer uma democracia mais autêntica. Isto não deixava de, à primeira vista, surpreender. De fato, datavam de pouco as denúncias de que eram os partidos, presas de oligarquias e fonte de influência oligárquica nas democracias representativas.

Constituiu-se então, o modelo da democracia partidária. Neste modelo o partido político é peça essencial. O partido político é certo, depurado de seus vícios, com estrutura democrática, os seus dirigentes escolhidos pelas bases. Limpo de corrupção, com fontes puras de financiamento. De atuação permanente, contribuindo para a formação político do povo. De ideais democráticos. Respeitoso dos demais partidos, devotado aos direitos fundamentais do homem. Buscando o poder pelo convencimento e pelo voto, jamais pela força. (FERREIRA FILHO, 2003, p. 91-92).

Nesta conjectura FERREIRA FILHO (2003, p. 92) aponta as duas missões precípuas do partido:

"[...] A primeira, estabelecer um programa exeqüível de governo. Não um conglomerado de idéias gerais apetitosas e grandiloquentes, mas um plano capaz de ser executado como política de governo. A segunda, selecionar pessoas que se disponham a fazer executar esse programa, caso eleitas, com a necessária eficiência."

Desempenhando os partidos adequadamente essas duas funções, as eleições perderiam o caráter de mera escolha de homens para governar, ganhando a dimensão de seleção entre programas de governo. A definição eleitoral importaria, conseqüentemente, na determinação de um programa a ser cumprido. Assim, o povo se governaria, ainda indiretamente, por fixar também a orientação do governo, e não apenas designar os representantes que, livres de qualquer predeterminação, tomariam em seu nome e em seu lugar, as decisões políticas. Nesse quadro, dois pontos se destacam: um, o fato de que os verdadeiros candidatos passam a ser os partidos com seus programas e não os indivíduos que postulam os cargos eletivos;outro, o imperativo de fidelidade partidária. Com efeito, desmoronaria o sistema se o eleito não estivesse preso ao partido que o elegeu. A deliberação popular seria defraudada se o representante pudesse romper o compromisso com o programa que prometera fazer cumprir. Assim conclui (FERREIRA FILHO, 2003, p. 92): "Disso decorre que, em última análise, o titular do mandato é o partido, que o exerce por meio de homens que não passam de seus órgãos de expressão".

Este modelo tem um pressuposto político implícito, que é o bipartidarismo. Somente onde dois partidos disciplinados pesam, a decisão popular é clara e inequívoca em favor de um programa. Tal exemplo ocorre na Grã Bretanha, outra vez inspiradora de modelo democrático, onde dois partidos principais disputam o poder, em nome de programas definidos, que podem fazer cumprir, dada a disciplina de seus eleitos, quando triunfam nas eleições parlamentares.

A adoção desse novo modelo, que é uma versão desenvolvida do modelo representativo, foi gradativa e, salvo no Brasil, entre as Emendas n.º 1/69 à n.º 25/85, incompleta. Remonta, especialmente na transformação do partido político de associação de caráter privado, pois, em verdadeiro ente paraestatal. É o que advém da inserção, nas constituições de normas, que definindo as funções do partido político, lhes concedem direitos, especialmente em matéria eleitoral e parlamentar, ao mesmo tempo, que lhes conferem garantias. (BRASIL, 1988).

Resulta desse modelo o chamado mandato partidário. Como os partidos disputam o poder para a realização de uma orientação geral, de uma "política", os eleitos, os "seus" eleitos, normalmente o foram por causa "política", para servi-la. Desse modo, os "mandatos" pertencem ao partido e seus titulares devem obedecer a disciplina deste, sob pena de serem destituídos e substituídos. É a fidelidade partidária.

Essa solução buscou punir, com a perda de mandato dos parlamentares indisciplinados, que deveria ser substituído por outro do partido. Tal solução é, contudo, perigosa, devido ao caráter normalmente oligárquico dos partidos, fortalecendo exclusivamente o círculo estreito dos dirigentes.

Muito embora se perceba o êxito da democracia partidária, observa-se a crítica a seus moldes, contudo, cabe salientar que o modelo da democracia, pelos partidos, está longe de ser inatacável. Ressalta (FERREIRA FILHO, 2003, p. 93): "Pondo-se de lado objeções concernentes à sua inadequação em face do caráter de certos povos, os estudiosos da Ciência Política moderna levantam sérias dúvidas quanto à sua viabilidade". Esse modelo somente representaria um aperfeiçoamento se, realmente, os partidos pudessem estabelecer programas suficientemente preciso para que sirvam de guia à ação governamental. Então, se poderá dizer que a maioria eleitoral tem, por conseqüência, a definição de uma política. Do contrário, a preferência por este ou aquele agrupamento não significará mais do que uma mera e vaga inclinação. Ora, tal não tem ocorrido em parte alguma. Nem é provável que suceda. E por força da natureza das coisas, muito mais do que em decorrência da má vontade ou da malícia dos homens.

Disto resulta o fato já apontado, de que os Estados se estruturam sobre sociedades que são grupos secundários. Procurando ampliar tal concepção, FERREIRA FILHO (2003, p. 93) exemplifica o contexto social que fomenta a crítica à democracia partidária:

"Decorre disso que os indivíduos que a compõem não recebem a mesma formação nem vivem nas mesmas condições. Daí não sofrerem nem encararem do mesmo modo os problemas que surgem no dia-a-dia. As diferenças individuais, somadas às trazidas pela educação, pela divisão do trabalho, pela vinculação a classes sociais, separam os homens em grupos diversos, cujos interesses imediatos se contrapõem quando não estão de tal forma afastados que deixam de ser percebidos por vastas camadas da população. Disto resulta que os problemas concretos que afligem diretamente certos grupos são ignorados pela maioria, que com eles não se sensibiliza, enquanto sua solução importa em ferir outros interesses de grupos que a eles se antagonizam."

Assim, sendo imprescindível para os partidos,obter o máximo de votos, têm eles de procurar o que soma e não o que divide. Portanto, o partido político, consciente de seu próprio interesse eleitoral, tem de estabelecer o seu programa em torno de generalidades e questões de princípio, que agradam e atraem, e nunca, em função de opções que desagradam e geram oposição. Assim, deram eles, em seus programas, preferências às questões abstratas e ideológicas, as quais, o mais das vezes, nada significam para a solução de problemas concretos.

A conseqüência disso se torna inexorável. Diz-se que a opinião pública só pode ser agrupada sobre problemas irreais; sendo assim, as decisões políticas devem ser tomadas fora da opinião pública. Desmoronando-se com isso a expectativa de fazer das eleições não apenas a escolha de governantes, mas também, a da política de governo. Este,por necessariamente vagos os programas, vai tomar suas decisões, segundo parâmetros não submetidos à aprovação popular. Como no modelo da democracia representativa tradicional.

Assinale-se, por outro lado, que os meios de comunicação de massa desencadearam um fenômeno de personalização do poder. Tornando a imagem dos governantes conhecida a todos, permitindo que estes se dirijam, como que imediatamente, a todos. Têm eles ensejado que prevaleçam as personalidades e seu carisma, sobre as idéias e os programas. Isto, igualmente, milita contra o modelo da democracia partidária.

Outra forma pretendida de democracia indireta é a plebiscitária, ou cesarista. Consiste esta em o povo conferir o poder a um homem, que, em geral, o consulta diretamente sobre medidas de importância capital. O caráter indireto do regime é assim temperado.

Aponta seu surgimento (FERREIRA FILHO, 2003, p. 95): "A "democracia" plebiscitária foi posta em prática por Napoleão I, imitada posteriormente por Napoleão III e Hitler, entre outros". Teoricamente o seu caráter democrático é sustentável: o poder vem do povo; como vem do povo, o dos parlamentares ou do presidente. Na realidade, porém, sempre foi ela uma ditadura disfarçada pelo chamamento das massas a referendar, entusiasticamente, as decisões do homem "forte". Esse resultado é obtido, de um lado pelo controle da propaganda que opera num único sentido; de outro, pelo que os psicólogos chamam de "horror ao vazio". Todo povo, posto diante da escolha entre alguma ordem e o caos, a incerteza, opta por essa ordem qualquer. Destarte, sempre diz sim ao "césar". Observa-se ainda que em tal regime não há freios nem limites ao poder do chefe, já que o mesmo, pela invocação do voto das massas, pode a qualquer instante superar os existentes.

E assim, classifica FERREIRA FILHO (2003, p. 95), sobre a peculiaridade eleitoral latino-americana: "As eleições presidenciais, nas repúblicas latino-americanas, não raro adquirem esse caráter plebiscitário. Tal é fruto principalmente do caudilhismo demagógico que encontra fácil acolhida neste continente". (grifo pessoal).

A democracia semi-direta, procurando temperar a hegemonia parlamentar na democracia representativa. A soberania do parlamento, que pode tornar-se oligárquico o regime, certas constituições, como a Suíça, procuram assegurar ao povo a possibilidade de intervenção direta na tomada das decisões políticas. Estabelecem, assim, a democracia semi-direta, que, embora seja basicamente representativa, é direta, na medida em que o povo participa de modo imediato de certas decisões. Em geral, essa participação se dá pela iniciativa legislativa popular e pelo referendo, ou seja, dando ao povo o poder de, diretamente, propor ou aprovar medidas legislativas e até normas constitucionais. Como em toda parte em que esta participação popular direta se admite, ainda assim, os rumos do poder são ditados pelos representantes, parece acertado vê-la como modalidade de democracia representativa. (FERREIRA FILHO, 2003, p. 95).

Adotou a atual Lei Fundamental brasileira, institutos de democracia semidireta, plebiscito, referendo e iniciativa popular, a serem regulamentados em lei, conforme art. 14 da CF/88, que prescreve: "A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular" (BRASIL, 1988). Fazendo com que ocorra freqüentemente o emprego indiscriminado dos termos plebiscito e referendo para designar qualquer tipo de consulta direta ao povo ou toda modalidade de decisão popular. O debate doutrinário, visando a uma conceituação precisa e concisa, buscou evitar confusões entre os dois termos do vocabulário jurídico e acabou fixando o entendimento de que o plebiscito seria uma consulta extraordinária e excepcional exprimindo a opinião popular sobre medidas de base ou de princípio, tais como: forma de Estado ou de governo; modificação das formas políticas; decisão acerca de mudanças de natureza territorial etc.

O referendo consubstanciaria o poder de aprovar as leis. Seria a decisão popular sobre lei discutida e votada pelos representantes do povo. O cidadão, ao votar sim ou não a respeito do projeto oriundo do Parlamento, daria aceitação ou rejeição à medida legislativa proposta. Várias são as espécies de referendo. Pode ele, ser constituinte ou legislativo, conforme a matéria submetida à apreciação popular, seja Emenda à Constituição ou lei ordinária. E também pode produzir efeito constitutivo, se a norma é aprovada e passa a existir, ou efeito ab-rogativo, se resulta na extinção de sua vigência. Quanto à natureza jurídica, pode-se também chamá-lo referendo obrigatório e facultativo, conforme se determine na CF, que a norma provinda do órgão legislativo seja submetida à apreciação popular ou se defira à parcela da comunidade ou a algum órgão, o poder de requerer a consulta dos eleitores.

Finalmente, no que concerne ao momento de sua realização, classifica-se o referendo em duas partes. O primeiro, se realizaria antes da edição da lei, enquanto o segundo, se seguiria à aprovação do Parlamento para confirmar ou tolher a aprovação da lei.

A iniciativa popular consiste no poder conferido à parcela do eleitorado, para propor direito novo, isto é, apresentar projeto de lei. Distinguem-se duas formas de iniciativa: a não-formulada e a formulada. Esta segunda consiste na apresentação de projeto popular ao órgão legislativo, num texto em forma de lei, redigido de maneira articulado, pronto para ser submetido à discussão e deliberação. Pela iniciativa não-formulada, apresenta-se um documento contendo a matéria e as diretrizes gerais, cabendo ao Legislativo dar forma legal ao seu conteúdo.

Do ponto de vista de alguns doutrinadores descreve FERREIRA FILHO (2003 p. 96):

[...] a iniciativa popular é o instituto de democracia semidireta que melhor atende aos interesses de participação na legislação. Porque, por vezes, pelo referendo se pode impedir uma legislação não querida, mas pela iniciativa se pode conseguir impor uma verdadeira orientação governamental, configurando uma participação popular mais efetiva.

Já o plebiscito está previsto, por exemplo, para a criação de novos Estados e de novos Municípios. Qualquer que seja o processo escolhido dependerá sempre de consulta prévia à população interessada conforme CF art. 18, §§ 3º e 4º.

Por plebiscito também se manifestou a população brasileira, em 7 de setembro de 1993, quanto à adoção da monarquia e do parlamentarismo, forma e sistema de governo (art. 2º do Ato das Disposições Transitórias).

Não estão previstas no texto constitucional, as hipóteses e a disciplina do referendo, dependendo, portanto, de regulamentação legal. Contudo, prevê a disposição do art. 49, XV, a competência do Congresso Nacional para autorizá-lo, assim como convocar plebiscito. (FERREIRA FILHO, 2003, p. 86-97).

A unanimidade democrática, o mundo é hoje unanimemente democrático. Todos os governos e todos os povos pretendem ser democráticos. Todos se declaram pela democracia e, não raro, se entredevoram pela democracia. Essa unanimidade revela, sem dúvida, que só se aceita como legítimo o governo que provém do povo e que visa ao interesse geral. Entretanto, muito contribui para essa unanimidade a obscuridade inerente ao termo democracia. Muito diversas são as maneiras de se entender a democracia. Por isso, raramente se emprega o termo desacompanhado de um qualificativo. Contudo, a quantificação freqüentemente acentua a obscuridade.

Se por toda parte a democracia é hoje aclamada, em que medida não decorre isso da incerteza e da obscuridade, que envolvem seu conceito. De fato, são tantas, e tão opostas, as concepções de democracia que sempre se pode escolher alguma adequada à maneira de cada um pensar.

A democracia, no plano da filosofia política, surge como um complexo de valores dos quais, segundo os gostos e conforme as ocasiões, ora se acentua um, ora outro.

Destacando os valores básicos da democracia, fundamentalmente são dois valores que inspiram a democracia: liberdade e igualdade, cada um destes valores, é certo, com sua constelação de valores secundários. Não há concepção da democracia que não lhes renda vassalagem, isto é, subordinação, ainda que em grau variabilíssimo. E pode-se até, conforme predomine este ou aquele valor, distinguir as concepções liberais das concepções igualitárias da democracia.

FERREIRA FILHO (2003, p. 99), descreve uma série de questões que elucidam os pressupostos dos valores básicos da democracia estas são:

A liberdade de cada um e de todos é, assim, inerente à democracia. Que é, porém a liberdade? É ela a ausência de constrangimento ou a adesão à inexorável marcha da história? Ela se conquista contra o poder, e contra os poderosos, alargando a esfera da autonomia individual, ou se conquista pelo Poder, por meio deste contra o mundo? E a igualdade, outro dos sustentáculos da democracia? Resume-se ela na supressão dos privilégios juridicamente consagrados ou envolve a unificação do modo e da condição de vida de todos os homens?

Entre as teses extremadas sobre liberdade e sobre igualdade, muitas outras se inserem, do que decorre uma perplexidade natural. E entre todas essas teses a opção decorre da filosofia de vida, da cosmovisão que cada um mais recebe do meio cultural, do que forma por sua própria razão e convicção. (FERREIRA FILHO, 2003 p. 98-99).

Há dois modelos base, a primeira opção histórica, na época contemporânea, é a liberal, que triunfa com as primeiras declarações de direitos e com as primeiras constituições, ao tempo das revoluções francesa e americana.

Nessa concepção, a liberdade predomina sobre a igualdade, embora esta não seja esquecida. Lutando pela democracia entendiam os revolucionários, trabalharem pela liberdade individual, tanto em relação a Poder quanto, em relação aos demais homens. Embora a liberdade dos homens na sociedade exija que o governo proceda, de algum modo, de sua vontade, mais importante é alargar e defender a esfera autônoma de cada um, para que todos sejam verdadeiramente livres, do que assegurar a todos na participação do governo.

Concebe-se esta no homem, como um ser livre que encontra em si próprio a virtualidade da perfeição de que é capaz. Vive ele num mundo regido por leis naturais que, se não embaraçadas, estabelecerão a melhor das situações possíveis. Busca esse homem, por sua razão que é a medida de todas as coisas, a felicidade e o progresso que são potencialmente infinitos.

Em segundo, a democracia marxista, oposição à democracia liberal. A corrente igualitária da democracia ganhou impulso com a difusão dos ideais socialistas e se exprime particularmente na chamada democracia marxista.

A igualdade é o valor preponderante. Não a mera igualdade perante a lei, mas, a igualdade no modo e nas condições de vida. A luta pela democracia é a luta pela igual satisfação de todas as necessidades de todos os homens.

Quanto à liberdade, esta é encarada de uma perspectiva determinista e, assim pretende o marxismo, conforme transcreve FERREIRA FILHO (2003, p. 100): "...o marxismo pretende haver identificado leis que regem necessariamente a vida e o mundo: o materialismo dialético". Decorre assim, desta filosofia, que o homem tem o seu ser predeterminado pelas condições materiais da existência. A infra-estrutura econômica insere os indivíduos em classes sociais que lhes condicionam o proceder. Ora, nesse quadro de idéias, o homem não é livre para conduzir-se contra tais leis; é livre se a elas adere a sua conduta. Em conseqüência, somente é livre, para o marxismo, aquele que se põe a serviço dessas leis, tais quais essa doutrina as registra, batalhando para que o proletariado assuma o poder. Sendo assim, a liberdade se reduz à participação, não se reconhecendo ao indivíduo uma esfera de autonomia posta fora do alcance do poder estatal.

Num ponto entre essas duas opções, ponto esse que, nem procura ser eqüidistante, nem pretende ser uma superação dialética, situa-se a democracia providencialista, ou democracia econômica e social. Nela predomina o valor liberdade, pois insiste em salvaguardar uma larga esfera para a autonomia individual. Todavia, reconhece essa democracia, que a liberdade de todos só pode ser obtida pela ação do Estado. Mais ainda, que a liberdade é mera aparência, se não precedida por uma igualização das oportunidades, decorrente de se garantirem a todos, as condições mínimas de vida e de expansão da personalidade. Isto porque a liberdade humana é condicionada pelo meio econômico-social. Daí a intervenção do Estado nos domínios econômico e social.

A cosmovisão, inerente a essa opção reconhece a fundamental liberdade humana e não ignora o condicionamento social que ela sofre. Se não admite que haja na história um sentido determinado, vê bem, que as situações presentes, condicionam as de amanhã. Isto pois, o homem faz a história, mas, não a amolda exclusivamente segundo seus caprichos. Seus ideais conformam o universo, respeitadas sempre as limitações estruturais da massa que modela.

Comenta FERREIRA FILHO (2003, p. 101): "Essa concepção providencialista é que vivifica hoje a democracia representativa em geral e a brasileira em particular". Daí decorre coexistirem nela a liberdade-autonomia (os direitos individuais) com a liberdade-participação (sufrágio e elegibilidade "universais"), a isonomia com a igualdade de oportunidades (propaganda na ordem econômica e social). Conforme preceitua a Lei Maior rege a nação. (BRASIL, 1988).

Assim sendo, pretende-se efetivar a concretização da democracia, unanimidade democrática tornou tabu a discussão dos méritos e dos deméritos da democracia. Tal decorre de se haver dogmatizado que, se parte-se do reconhecimento de que os homens são fundamentalmente livres e iguais entre si, o governo legítimo é aquele onde todos se governam. De fato, só neste, se respeitaria a liberdade e a igualdade de cada um, de modo integral.

Salvo raras exceções, em cantões suíços, que acima de tudo são curiosidades históricas, a forma mais próxima do governo de todos por todos é o governo de alguns, eleito por todos. Sendo assim, todo governo é, por natureza oligárquica, considerado democrático, apenas e tão somente, na medida em que a eleição dos governantes é deferida ao povo e se acompanha da escolha, em linhas gerais, da política que vai ser seguida. Na verdade, se apenas os homens que haverão de governar são escolhidos, poderá haver governo para o povo, não haverá governo pelo povo, ainda que indiretamente.

Essa "democracia" será, porém, praticável por qualquer povo, a qualquer momento, independentemente da circunstância histórica, da base econômico-social? O otimismo ingênuo dos homens de 1789 e a demagogia corruptora de hoje afirmam que sim. A realidade e a ciência, que não. A democracia tem seus pressupostos e suas condições. (FERREIRA FILHO, 2003, p. 101-102).

Para que o indivíduo se possa governar por si no mundo, exige o direito universal, que atinja uma certa idade que faz presumir o seu amadurecimento. Da mesma forma, para que um povo se possa governar, é preciso que atinja certo grau de maturidade que não se resume na maioridade de seus membros, os eleitores. E, para que isto ocorra, comenta FERREIRA FILHO (2003, p. 102): "O governo do povo pelo povo pressupõe em primeiro lugar um certo nível cultural (e não apenas um certo nível de alfabetização) desse povo. Qual seja esse nível é difícil determinar, embora possível".

Tal nível implica, em primeiro lugar, que esse povo saiba ser possível mudar da rotina o seu destino, ou seja, é necessário que se liberte de comportamentos impostos por tradições e tabus que o induzam ao conformismo com sua situação. É preciso que, em segundo lugar, esteja livre de dominações tradicionais que o prendam a chefes como cliente, ou vassalo. É indispensável, em terceiro lugar, que tenha um mínimo de instrução que o habilite a compreender e apreciar a informação. Urge ainda, que esse povo esteja de acordo sobre qual seja o governo legítimo. Cumpre também, que tenha senso de responsabilidade, tolerância e respeito pelos dissidentes. Implica, enfim, que tenha um mínimo de experiência no trato da coisa pública.

Esse pressuposto social vem antecedido por um pressuposto econômico. O amadurecimento social não pode existir onde a economia somente forneça o indispensável para a sobrevivência com o máximo de esforço individual. Só pode ele, ter lugar, onde a economia se desenvolveu a ponto de dar ao povo o lazer de se instruir, a ponto de deixarem os homens, de se preocupar apenas com o pão de cada dia. Inclusive porque o desenvolvimento econômico dispensa as desigualdades, cujo peso assim se atenua.

FERREIRA FILHO (2003, p.103) menciona o pressuposto histórico da relação econômico-social:

A prova de que não pode existir verdadeira democracia, onde não se verificam esses pressupostos, não oferece dificuldade a quem observar as "democracias" deste mundo. Onde o povo realmente se governa, todos os pressupostos acima se identificam. Onde esses pressupostos não se encontram, ou o povo só se governa na aparência ou se governa com resultados desastrosos para os quais o remédio é ditadura. E quem estudar a história dos países hoje profundamente democráticos verá que antes de esses pressupostos todos se verificarem, a democracia neles, ou não ia além da aparência ou era sacudida por graves crises periódicas.

Afora esses pressupostos, para que um povo se governe é indispensável que certas condições estejam preenchidas. A primeira delas é gozar de informação abundante e, para que não seja doutrinado por noticiário deturpado, de informação neutra, ou contraditória e partidária. Haja vista o exemplo, um juiz não pode sentenciar sem ouvir as partes, como poderá o povo escolher sem ouvir todos os lados; Outra é usufruir amplas liberdades públicas, direito de reunião, de associação, de manifestações, sem que o seu pronunciamento não possa ser livre.

A terceira, é uma condição técnica: a existência de um mecanismo apto a receber e a transmitir sua vontade. Isto implica, antes de mais nada, num processo eleitoral impermeável à fraude e à corrupção.

Quanto ao sistema eleitoral, deve-se notar que, fundamentalmente, só existem duas formas de se escolher, pelo voto, o "governante". Uma é a forma majoritária, pela qual se considera eleito, quem mais votos receber. Outra é a proporcional, evidentemente imprópria para escolher os titulares de órgãos unipessoais, ou mesmo coletivos, mas de poucos membros, pela qual são eleitos membros de um partido para um órgão em proporção ao número de sufrágios que recebeu o partido em relação ao total apurado.

O sistema majoritário apresenta duas modalidades conforme a escolha se faça necessariamente num só turno ou possa passar por vários turnos. No primeiro caso, elege-se quem mais votos obteve, representem estes a maioria absoluta do eleitorado ou não. No segundo caso, somente se elege quem, no primeiro ou nos primeiros turnos, obteve maioria absoluta, mas, para que não se multipliquem ociosamente os turnos, no derradeiro, elege-se quem mais votos obtiver. Tal sistema, várias vezes empregado nas eleições para a Câmara dos Deputados francesa, tende a interligar os partidos, embora não impeça a sua multiplicação. Politicamente é usado para impedir, ou dificultar o triunfo dos extremistas, já que contra eles e, em geral, em torno de moderados, se unem todos os demais. (FERREIRA FILHO, 2003, p. 103-104).

O surgimento do sistema proporcional é criação relativamente recente, embora, desde a Convenção, em 1793, haja sido defendido. Busca este sistema, retraçar no órgão coletivo a diversidade de correntes populares, em proporção às forças de cada uma destas. Esse sistema pressupõe a existência de partidos, pois sem estes, não há meio de se mensurarem essas correntes. A proporcionalidade gera sempre a multiplicação de partidos que têm interesse a sublinhar os pontos de divergência, e não os pontos comuns, em relação aos outros.

Várias são as modalidades de representação proporcional, quanto ao modo de se distribuírem as "sobras". De fato, seria extremamente improvável que, numa eleição, a votação recebida pelos partidos permitisse sua reprodução perfeita na distribuição das cadeiras. Daí resulta a complexidade do sistema, que implica repetidas operações, que nem sempre compreendidas pelo homem comum, principalmente pelo fato, de nem sempre o mais, ou os mais votados, serem eleitos.

A importância do sistema de partidos para a caracterização do regime político é reconhecida de modo pacífico, pois os partidos são necessários à democracia na medida em que, por meio deles, se processa a formação política do povo, na medida em que se formulam as opções, escolhendo homens capazes de executá-las, que serão submetidas à escolha de eleitorado. Sua formação deve estar suficientemente aberta para que novas idéias, novos programas quepossam chegar à escolha popular. Sua ação deve ser livre para que possa preencher sua função.

Todavia, a multiplicidade extrema de partidos é inconveniente. Pior, é contraproducente! Em primeiro lugar, porque esmiúça a vontade popular, impedindo a identificação de decisão do povo;e também, pelo alargamento das discussões e posicionamentos, através dos inúmeros devaneios ideológicos e demagogos, que impedem a eficiência e eficácia do órgão representado. E, devido a isto, enfraquece sobremaneira o governo, baseado forçosamente numa coligação contraditória, isto é, desfigurada de sua missão primária, do plano de governo. Assim, presume-se a condição da democracia à existência de um mecanismo coerente de partidos, sendo poucos e disciplinados, para que a escolha seja clara e inequívoca, a fimque o governo escolhido, tenha um programa insofismável a cumprir e tenha condições de, forçosamente, realizá-lo. Para que o cumprimento de seu programa possa ser acompanhado e medido pelo povo.

É da própria essência da democracia e da elegibilidade que, no eleitorado, só estejam excluídos os que não podem realmente participar conscientemente do governo, embora indireto. Premissa esta detalhada na Constituição brasileira no art. 14. Ensejando ainda nível de instrução mínima e idade relativa ao cargo pretendido. (FERREIRA FILHO, 2003, p. 104-105).

Fica então estabelecido uma preparação para a experiência da democracia. Do que se disse decorre, que o povo tem de ser preparado para a democracia; mas, se disse também, que para governar-se, tem o povo de fruir de certa experiência no trato da coisa pública. Assim ratifica FERREIRA FILHO (2003, p. 105): "De fato, só a experiência do autogoverno habilita o povo, em última análise, a autogovernar-se. Isso não significa, porém, que o autogoverno lhe deva vir todo a um só tempo. A extensão do autogoverno deve ser progressiva".

De modo geral, o governo local, a apreciação dos problemas e dos homens nas pequenas circunscrições é capacidade mais fácil de adquirir e menos perigosa de usar. Todo povo que se inicia no caminho da democracia deve passar por fase, em que somente os assuntos locais estão em suas mãos. Para depois, ter em mãos os regionais e, afinal, os nacionais.

Por outro lado, não é absurdo afirmar que somente àquele em se pode presumir o amadurecimento é que se pode dar o governo. A progressiva extensão do sufrágio e consequentemente sua restrição inicial se justificam plenamente.

Daí sem dúvida, existe o perigo da perpetuação das oligarquias, o perigo de o interesse geral não ser atendido, como existe o risco de caos e do desgoverno, da demagogia, quando a um povo imaturo se dá o próprio governo. Todavia, a transição do mínimo ao máximo de autogoverno pode ser estruturada e programada de tal jeito que a passagem de fase a fase, de plano a plano, se faça sem choques ou conflitos. A restrição da capacidade eleitoral, em termos de nível de instrução, fornece para isso um instrumento útil. De fato, tendendo esse nível a difundir-se e a elevar-se, a habilitação se generalizaria como que automaticamente. Claro que essa restrição em termos de instrução é apenas um meio prático já que não se pode confundir a capacidade política com a de ler, escrever e contar.

Por outro lado, se a democracia presume um ambiente de liberdades públicas, o exercício destas, quando dado de uma só vez a quem com isso não está acostumado, leva, não raro, a abusos. Muitos, com efeito, confundem liberdade com fazer tudo o que lhes apetece, sem levar em conta que a ordem pública é condição necessária do bem comum. Haja vista que as democracias estáveis do mundo contemporâneo são aquelas em que o povo primeiro se habituou às liberdades públicas e depois veio a ter participação política. (FERREIRA FILHO, 2003, p. 105-106).


Autor: Reginaldo Andrade


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