O Inconseqüente Igualitarismo Soviético



ORWELL, George. "A Revolução dos Bichos". 3ªEd. São Paulo-SP. Companhia das Letras, 2007. 147 pp.

O inconseqüente igualitarismo soviético, basea-se na leitura do livro "A Revolução dos Bichos", um clássico do gênero sátira política,cujo autor, George Orwell, pseudônimo de Eric Arthur Blair, é um dos escritores mais influentes do século XX. Filho de um alto funcionário da marinha inglesa, nasceu em25/06/1903 – em Motihari – Índia. Jornalista critico e romancista, formou-se na escola de Eton, onde já da demonstração de seu desencanto com a sociedade de que faz parte. Aos 19 anos, entra na Polícia Imperial Britânica, e os cinco anos que combateu entre a Índia e a Birmânia lhe foram suficientes para que desertasse revoltado com a política colonial e imperialista dos ingleses. Na Europa, renúncia à sua origem burguesa, à fortuna, ao passado e ao próprio nome. Em Paris, como operário, "linhão" de fábrica, e depois em Londres, como professor primário, vive na pele, o gosto amargo da opressão e da desigualdade. Morreu de tuberculose no ano de 1950, aos 47 anos, na cidade de Londres – Inglaterra.

Escritor de uma sinceridade incontestável, Orwell testemunhou e viveu pessoalmente tudo que retratou em sua obra, inicia sua produção literária inspirado no seguinte contexto: "O caminho para Wigan Pier" (1937), descreve as condições de extrema miséria dos trabalhadores do norte da Inglaterra. Antes, porém, já havia produzido "Vencido em Paris e Londres", onde ataca ferozmente o posicionamento dos escritores de sua época, revolucionários, em tese, burgueses na prática. Já reconhecido seu talento, assume posturas cada vez mais radicais em favor das classes sociais baixas.

Ao deflagrar-se a Guerra Civil Espanhola em 1936, sentiu que era ali o palco onde a história aconteceria. Justificou sua participação em breves palavras: "naquela época, e naquela atmosfera, isso pareceu a única coisa que podia fazer". Em 1937 já estava na Catalunha, lutando junto com o P.O.U.M. (Partido Obrero de Unificación Marxista), ao lado dos anarquistas socialistas, e não nas Brigadas Internacionais dos comunistas ortodoxos. Ferido em combate, regressa a Inglaterra e escreve "Homenagem à Catalunha (também traduzido como "Lutando na Espanha"), em 1938, onde escancara sua amargura e desgosto ante seu ocular testemunho". Ao mesmo tempo, decepcionado com a rígida estrutura dos Partidos Comunistas fiéis aos ditames de Moscou, que na época liderada por Stálin, volta-se para uma espécie de socialismo independente.

Assim sendo se a Guerra consolidou George Orwell como socialista revolucionário, também fez dele um anti-stalinista convicto. E é na obra "Revolução dos Bichos" (1945) que retrata com grande habilidade o totalitarismo e o aburguesamento do regime soviético, que, segundo ele, traiu a revolução de 1917. Na realidade, não é o socialismo em si, mas o totalitarismo (e todos os totalitarismos) que seus ataques pretendem atingir, ficando isso mais evidente ainda em sua obra entitulada "1984" (1949), que ela retrata uma constituição global de um universo maniqueísta, feito de mentiras, traições e terror. Crítico violento do totalitarismo de todos os tipos, da exploração das massas trabalhadoras, do imperialismo e do colonialismo, pretendeu manter, sobretudo um espírito independente e profundamente ligado à realidade vivida, sendo coerente nisso até a sua morte.

A obra "A Revolução dos Bichos" apresenta alguns personagens de grande relevância no desenrolar do drama. Por exemplo:

O velho Major, porco sábio e professoral, é uma mistura de Karl Marx, famoso por ter transmitido suas crenças socialistas por meio de textos, repletos de conteúdo revolucionário baseados na economia e na filosofia, e Lênin idealista do principio da revolução Russa. No drama, o velho Major reúne os animais e conta-lhes um sonho que teve sobre a revolução dos bichos. Entusiasmados com a idéia e revoltados com a atual situação, logo os animais perceberam a necessidade de levar uma vida própria e juntam-se ao porco Major em prol da libertação. Os animais cantam a canção "Bichos da Inglaterra", uma espécie de hino da revolução. Após ter transmitido seu sonho aos bichos, falece três dias depois. A exemplo de Marx foi só após a morte de Major que seus ideais igualitários foram aplicados.

O porco Napoleão, partidário do totalitarismo, sendo um dos líderes da revolta dos animais na fazenda que expulsa o inimigo, ou seja, os homens foi criado para representar Stálin, o mais sanguinário dos lideres soviéticos. Napoleão aos poucos vai se modificando traindo a confiança e a natureza dos seus companheiros forjando e manipulando dados, cerca-se de cães ferozes, verdadeiros defensores da revolução que atuam como a KGB, não permitindo dissensão, nem oposição ao poder central e lentamente torna-se num ditador e se aproxima cada vez mais dos hábitos humanos, traindo tudo e instalando um governo pior do que o anterior.

Bola-de-Neve, outro porco da granja, era encarregado da defesa, e como chefe do exercito liderou a resistência contra o Sr. Jones que tentava recuperar a granja. Hábil orador, idealista de grandes projetos, Bola-de-Neve detinha-se sobre os livros com o objetivo de desenvolver novas técnicas que pudesse melhorar a vida de todos da granja. Ele trabalhou no projeto da construção do moinho, empreendimento este essencial para o desenvolvimento e sustento da granja, mas sempre sendo fortemente criticado por parte de Napoleão. A maior divergência entre Bola-de-Neve e Napoleão, estava na discussão sobre a expansão ou não da revolução, enquanto Bola-de-Neve queria levar a revolução a outras granjas, eliminando assim a necessidade de defender-se contra possíveis inimigos, Napoleão defendia a permanência da rebelião dentro da granja. Tamanha divergência entre os porcos culminou na expulsão do porco Bola-de-Neve, passando a ser pregado por Napoleão como culpado por todos os males que acontecia na granja.

O Cavalo Sansão, representa a real força da revolução, animal mais forte e mais trabalhador, o seu problemaé dificuldade em aprender a ler, e em interpretar as idéias dos porcos. Sempre confiante em Napoleão, mesmo após a expulsão de Bola de Neve, nunca para de trabalhar, até que um dia, adoece esgotado pela exploração de sua força de trabalho. Não podendo mais trabalhar, é mandado para um matadouro, para evitar as despesas com sua inatividade. Sansão é uma referência direta à classe camponesa, real força da revolução, mas que é mantida alienada, e após a revolução é manipulada pelo governo. Com o passar do tempo, recria-se os mecanismos de domínio e de exploração, utilizados anteriormente pelo homem, sempre em prol da nação, com a sobrevivência coletiva, importando mais que a sobrevivência individual.

A obra, A revolução dos Bichos, é um convite a um momento de reflexão. Reflexão esta que, é preciso atentar-mos para cada detalhe das decisões que foram tomadas pelos bichos, que na tentativa de solucionarem um problema, desencadearam um problema ainda mais sério. Não é tão difícil perceber que, em certos momentos os interesses do grupo vinham sendo sufocados por um interesse pessoal. Com isso que, o soberbo Napoleão, fez uso dos interesses do grupo como base para impulsionar um interesse contrário. Todos queriam romper com um sistema, quando isso aconteceu veio a tona um propósito que até então estava em oculto, mas sempre nutrido por um indivíduo que aguardava a oportunidade para expor seu real interesse.

Ao longo da revolução, percebe-se que alguns perderam de vista o verdadeiro ideal, e quando isso aconteceu tudo ficou comprometido com um futuro incerto.

A experiência vivida pelos bichos da fazenda, retrata de forma clara e objetiva o sofrimento de um povo, tudo isso em nome da soberba de um indivíduo. O sistema impetrado por Napoleão, tirou dos demais a certeza de uma liberdade tão almejada, ou seja, no sistema comunista no qual estavam vivendo não mais conseguiam sonhar o mesmo sonho do velho Major.

A implantação do Animalismo sucedeu-se após um sonho de uma revolução, onde o velho Major descrevera sobre uma sociedade onde todos os bichos eram iguais e livres, na qual tudo o que os animais produziam era usado para proveito próprio e não para proveito dos humanos. Ele morreu em seguida, mas suas idéias ficaram no ar e foram discutidas pelos porcos,Bola-de-Neve e Napoleão. Depois de um tempo, a revolução ocorreu em um dia em que o Sr. Jones, dono da granja, estava bêbado demais para alimentar os animais, que se rebelaram e expulsaram todos os humanos da granja. Após a expulsão do Sr. Jones, os animais mudaram o nome de granja solar, para granja dos bichos, e em seguida escreveram na parede do celeiro os sete mandamentos do chamado Animalismo, que resumiram apenas na máxima que diz: "Quatro pernas bom, duas pernas ruim". Após lançado esses mandamentos criou-se uma bandeira verde, e em destaque os símbolos de um chifre e um casco, e a partir dali estava decretada a liberdade e deram a esse movimento idealizado pelo velho Major o nome de "Animalismo".

O Animalismo é na verdade uma ideologia fictícia de cunho político econômico, a obra descreveclaramente a dificuldade de se implantar algum tipo de governo igualitário, não que isso seja impossível, mas o problema é que enquanto existir pessoas que pensam ser superiores e pessoas que deixam ser comandadas por estas, com certeza será difícil um governo igualitário. No começo, quem deu a idéia da revolução foi um porco, um velho porco da fazenda. Logo após sua morte, apenas os porcos começam a pensar mais, e implantaram a idéia do Animalismo (uma representação do Socialismo) alienando os outros bichos, dizendo que era a melhor forma. Passado o tempo eles fazem a tal revolução, lógico que sobre o domínio dos porcos, já que afinal foi um porco quem deu a idéia e eles eram considerados os animais mais inteligentes da fazenda.

Napoleão, um porco esperto que criara em segredo alguns cachorros amedrontadores, e passa a utilizá-los como meio de opressão aos demais animais na hora de assumir o poder absoluto. Bola-de-Neve, opositor das idéias de Napoleão, vira vitima dos cães adestrados, é expulso da fazenda, e após sua expulsão acabam-se as votações, e Napoleão, reescreve sua historia que é assimilada de forma passiva pelos outros bichos, transformando-o em um espião, que desde o começo da revolução trabalhava para o inimigo, utilizando também estes elementos de opressão para todos os bichos que representavam qualquer ameaça ao seu governo, tudo em prol do bem geral. Era isso ou o retorno do homem malvado, "Argumento" que era infalível.

Nesse inicio passa a existir um verdadeiro culto à personalidade, os animais constroem até uma estatua em homenagem ao líder Napoleão, que quase não é mais visto por eles. Passa a existir uma distorção dos princípios do animalismo, sempre justificado pelos porcos. O regime passa a perseguir os desistentes e a matar quem for contra a sua ideologia. Já com o seu governo fortalecido, Napoleão troca a música dos bichos da Inglaterra por outra que fala "como é bom nosso líder e próspera é a fazenda animal", os sete mandamentos davam lugar agora a apenas um:"Todos os bichos são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros". No fim instalaram um regime tão opressor ou até mais que o anterior, tudo em nome da granjas dos bichos.

O resto da história se assemelha a muito ao que vemos hoje, os porcos tomam o poder e começam a agir como homens, que eram seus maiores inimigos. E eles tinham regras e uma delas era que "Todos os animais são iguais.", um dia eles acordam com a frase alterada "Todos os animais são iguais; mas uns são mais iguais que os outros". É assim que a sociedade vive, em torno dos poderosos, não só de riqueza, mas também dos persuasivos de língua, esse aspecto fica bem nítido no pensamento de Roberto Campos, que diz:

"No meu dicionário, 'socialista' é o cara que alardeia intenções e dispensa resultados, adora ser generoso com o dinheiro alheio, e prega igualdade social, mas se considera mais igual que os outros..."

A obra de Orwell, mostra o socialismo fracassado, onde Napoleão passa a se relacionar com os homens para com eles negociar, comprar, vender, enfim, acumular riquezas e tudo graças ao trabalho dos animais, verdadeiros empregados mal remunerados, ajudando o patrão a ter regalias, bens material e capital. A situação fica mais crítica do que quando o Sr. Jones era o dono da granja, porque, mais do que nunca, os direitos dos animais (que aqui podemos entender como nossos direitos humanos) foram violados de forma cruel e tendo conseqüências gravíssimas como a morte de alguns, o desaparecimento de outros e muitas torturas.

É certo, portanto, que o autor tinha o desejo de denunciar o mito soviético numa história que fosse fácil de compreender por qualquer pessoa e fácil de traduzir para outras línguas, além disso, a ambição declarada de Orwell era "analisar a teoria de Marx do ponto de vista dos animais". Dessa forma, a obra se transformou numa sátira sobre a experiência soviética como um todo. É notório que qualquer pessoa que conheça um pouco a história da Revolução Russa, já terá percebido as semelhanças. O autor fez o possível para enfatizar alguns paralelos como: A excomunhão dos dissidentes, a reescritura da história, os julgamentos espetaculares e as execuções em massa.

A obra, "A Revolução dos Bichos", é um texto que, a princípio, parece visionário, mas, em poucos capítulos, identifica-se os acontecimentos históricos denunciados através da sátira elaborada pelo grande escritor. Orwell, certamente, foi um homem que conseguiu uma lúcida interpretação da sociedade e quis ladear suas percepções sobre os movimentos sociais, o poder e os indivíduos. Apesar de muita censura sofrida pela obra no início, acabou se transformando num clássico da guerra fria. A própria CIA, patrocinou sua ampla distribuição em inúmeros países, como propaganda anticomunista.

Muitos leitores ao termino do livro, ficam com a impressão de uma reconciliação total entre os porcos e os seres humanos. No entanto, o próprio Orwell afirma que o final era uma referência sarcástica ao então famoso encontro de Teerã, reunindo Churchill, Rossevelt e Stalin, saudando com uma promessa de Cooperação no pós-guerra entre os diversos blocos. Porém, isso levou mais tarde ao estado permanente da Guerra Fria.

As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de porco para um homem outra vez, mas já era impossível distinguir quem era homem, quem era porco.

Esta metáfora é fundamental para a abertura da percepção da realidade. Os ditadores podem estar revestidos em qualquer corpo se mantiverem as máscaras capazes de adulterar a memória histórica dos governantes, tornando-os marionetes manipuladas com o medo e a omissão.

É indubitável, como esta pequena obra prima de ficção Inglesa, fala aos nossos dias, quando a concentração de poder e riqueza, a manipulação da informação e as desigualdades sociais parecem atingir um ápice histórico.

Portanto com base nas palavras de autoria do escritor Christopher Hichtens, conclui-se que: "O que o romance nos quer dizer na verdade, com amenos emprestimos de Swift e Voltaire, é que aqueles que renunciam a liberdade em troca de promessas de segurança, acabarão por fim sem nenhuma e nem outra."


Autor: José Cardoso


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