Desenvolvimento Etno Sustentado Para Quilombos 1



DESENVOLVIMENTO ETNO SUSTENTADO PARA OS QUILOMBOS - 1

Valdo França

Na busca de soberania e auto preservação, negros libertários ocuparam, já a partir do final do século XVI, terras "sem dono", marginais à economia da época, distantes e ou de difícil acesso. Os isolamentos geográficos, econômicos e sociais das comunidades formadas, os quilombos, fizeram com que desenvolvessem estilo de vida peculiar, adaptada aos recursos ambientais existentes. Este estilo foi forjado da interação do negro com a natureza, sustentado pelo conhecimento e valores ancestrais da cultura africana, européia, aborígine e dos mestiços que habitavam o Brasil da época.

A Fundação Palmares já identificou 743 comunidades remanescentes de quilombos existentes no Brasil, mas entidades e estudiosos do tema acreditam que este número pode estar entre 2000 e 5000. Até o presente, apenas uma minoria próxima de 30 destas comunidades receberam o titulo de suas terras, um direito assegurado na Constituição Federal. Enquanto o processo de titulação das terras segue o caminho demorado da burocracia, o governo e a sociedade devem atentar para o estado de pobreza, esquecimento e distanciamento do atendimento público em que se encontram estas comunidades.

As comunidades quilombolas são detentoras de conhecimentos e elementos culturais representativos de um Brasil do passado, percebidos nas tradições religiosas, no respeito à família e nas formas tradicionais e coletivas de fazer, festejar e viver. A vida bucólica e o isolamento dessas comunidades possibilitaram a preservação de extensas áreas naturais, amostras de biomas importantes para a conservação da biodiversidade, hidrografia e da paisagem de muitas regiões do Brasil.

O status de patrimônio histórico-cultural, a importância econômica do saber, do fazer e do viver autóctone e da natureza preservada, as limitações naturais dos ecossistemas e das legislações ambientais, juntamente com o querer e o sonho dessas comunidades, devem embasar e nortear a formulação do modelo de desenvolvimento étnico sustentado para os quilombolas.

O modelo de desenvolvimento

As comunidades quilombolas estão pressionadas por fazendeiros, grileiros, empreendedores do eco-turismo, e pelo rigor das leis ambientais, que limitam o uso de suas terras. Na formulação do modelo de desenvolvimento sustentado para os quilombos, é mister compreender que a redenção sócio econômica dessas comunidades não passa necessariamente pela forma da agricultura convencional, altamente tecnificada, despersonalizada e de produção em massa.

É comum as terras quilombolas estarem mais distantes dos mercados consumidores e se localizarem dentro ou no entorno de áreas de preservação. O relevo, a hidrografia, o clima e a qualidade de solo, muitas vezes, limitam a mecanização e o uso de insumos químicos, exigindo mais trabalho manual, o que pode resultar em menor produtividade e em custos mais elevados, comparativamente às áreas da agricultura convencional. Além disso, a experiência quilombola é marcante na pequena agricultura, pecuária e indústria artesanal familiar, no extrativismo, caça, pesca e manufatura de bens, onde produzem praticamente tudo o que consomem e utilizam na subsistência do dia-a-dia. São auto-suficientes nas construções de suas moradias, na produção de farinha, óleos vegetais, derivados de milho e cana de açúcar.

A produção sustentada para os quilombolas deve seguir, preferencialmente,o modelo agro silvo pastoril, contemplando a produção de alimentos de origem vegetal e animal, de madeira e outros produtos florestais, necessários para o suprimento alimentar, moradia, instalação animal e artesanato. A produção para o comercio deve ser verticalizada através do artesanato e das pequenas indústrias, no intuito de agregar valor à produção primária, possibilitando competitividade mercadológica e o máximo de inclusão do trabalhador local no processo produtivo. Nas situações em que o modelo de agricultura convencional for desejado e tiver potencialidade econômica de competir e subsistir no mercado, é importante que se mantenha a perspectiva da diversidade do sistema produtivo, para diminuir possíveis vulnerabilidades da comunidade.

Num mundo globalizado, a cultura autóctone quilombola se constitui em atração de significativo valor econômico. É importante destacar o grande potencial dessas áreas para atividades turísticas de interesse étnico-cultural e ambiental. A beleza cênica da natureza se soma à riqueza cultural da vida quilombola, permeada pela variedade musical, culinária, artesanatos, festas religiosas e causos, que constituem matérias primas de valor inestimável para o turismo.

Se pelo velho olhar da economia simplista de mercado, as áreas quilombolas apresentam muitas limitações competitivas, o mesmo não acontece pelo novo olhar sistêmico das formas de desenvolvimento étnico sustentado. O olhar sistêmico compreende e considera a riqueza de elementos culturais, históricos e ambientais que permeiam a existência quilombola no mundo atual.

O vislumbrar de mercado para a redenção quilombola deve considerar as buscas simbólicas do consumidor do mundo moderno. Esse consumidor segue o caminho do "politicamente correto", "solidário" e "socialmente justo".Considera as relações do homem com a natureza, a procedência do produto, a ética e a origem de quem produz, a qualidade e a sustentabilidade da produção. A valorização e os bons resultados econômicos no mercado internacional para produtos rotulados como "limpo", "orgânico", "produzido no Xingu", "Produção sustentada na Mata Atlântica, Amazônia", têm sido fundamental para adesão de populações nativas na preservação do meio ambiente, respeitando a cultura autóctone, com apoio e subsidio de ongs e agencias ambientais de paises ricos.

A saga centenária quilombola de resistência contra a discriminação e a injustiça e sua habilidade de habitar em harmonia o meio ambiente, faz com que o nome quilombola se constitua numa marca promissora no mercado de consumo responsável e solidário, voltado para valores éticos, étnico-culturais e ambientais.

A marca "quilombola" deve despertar o interesse e o apoio de entidades negras, ambientalistas, sindicatos, cooperativas de consumo e outras entidades populares da zona urbana, agregando valor e competitividade aos produtos, e por fim, viabilizando economicamente a produção dessas comunidades.

Para que o sonho da justiça, dignidade e autonomia sócio econômica se concretize democraticamente na totalidade do espaço quilombola brasileiro, é necessário compreender que o processo produtivo e a tecnologia mais adequada para se levar a eles, é aquela que é desejada, entendida, apropriada e reproduzida por eles no dia-a-dia, e ao mesmo tempo seja ambientalmente sustentável.

Idéias e propostas alienígenas, caras e insustentáveis ou imitativas do sistema dominante, podem significar o fracasso de políticas bem intencionadas, o desperdício de recursos públicos escassos e o total descrédito da sociedade com relação às possibilidades empreendedoras dessas comunidades. Assim sendo, todo o processo de intervenção pública na vida dos quilombos, deve ser discutido extensivamente com os protagonistas maiores de seu presente e futuro.

Valdo França - Engenheiro agrônomo Foi consultor do ANCEABRA – Associação Nacional de Coletivos de Empresários e Empreendedores Afros Brasileiros, para assuntos de desenvolvimento sustentado, planejamento, projetos e gestão das áreas quilombolas, representando-os no GTI QUILOMBOS do Governo federal para definição do programa de desenvolvimento sustentado para essas comunidades.

Tel. (61)81448483[email protected]

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Autor: Valdo França


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