A objetividade e a Subjetividade nas Ciências Sociais
Weber já inicia seu texto refutando a ideia de que a ciências possa (ou deva) produzir juízos de valor. Segundo Conh, a ciência,
"(...) de acordo com a posição que Weber defende, no mundo do conhecimento científico- e isso inclui o mundo humano- só (...)pode falar do que é, não do que deveria ser. O conhecimento só pode buscar apoio em fatos (os dados da realidade), nunca em valores (as qualidades em nomes das quais se avalia a realidade)." (CONH, GABRIEL apud Weber, 2006, p.8)
Por mais que nas ciências sociais sejam necessárias explicações de princípios de cunho prático, "certamente não poderá ser sua tarefa- e, de maneira geral, de nenhuma ciência empírica- determinar um denominador comum prático para nossos problemas na forma de ideias últimas e universalmente válidas." (Weber, Max, 1992, p. 112) A ciência é racional, pois indica as possibilidades objetivas. Cabe ao homem decidir o que fazer.
"A ação do cientista é racional com referência a um objetivo. O cientista se propõe a anunciar proposições factuais, relações de causalidade e interpretações compreensivas que sejam universalmente válidas." (Aron, 2002, p.466) Todavia, o juízo de valor não deve ser excluído da análise científica, contanto que não afete a validade do trabalho: uma verdade científica deve valer para qualquer pessoa- o que não significa que não se possa contestá-la, apenas que ela deve seguir uma lógica e um método. A divisão de Weber (2002) entre o homem de ação (político) e o cientista deve ficar clara: um pesquisador deve explicitar em que momento cessa a fala do pesquisador e inicia a fala do homem de vontade. "A validade universal da ciência exige que o cientista não a contamine (a investigação) com suas preferências estéticas ou políticas." (Aron, 2002, p. 467)
O que caracteriza um problema sócio-político é que não pode ser resolvido por considerações técnicas, pois faz parte de questões gerais da cultura, envolvendo diversas visões de mundo (o que dificulta que se chegue a um consenso). Os juízos de valor que determinam nossa ação são percebidos por nós como objetivamente válidos e por isso, cada indivíduo deseja fazer valer o seu modo de ver o mundo.
O caráter de fenômeno não é intrínseco ao objeto, ele depende do nosso interesse e define-se em conformidade com o significado cultural que atribuímos. Um problema científico é um problema porque nos interessa e nos é relevante conhecer. "O mero reconhecimento da existência de um problema científico está em estreita união "pessoal" com a respectiva e bem determinada vontade humana." (Weber, Max, 1992, p. 116) "A ação científica é, portanto uma combinação da ação racional em relação a um objetivo e da ação racional em relação a um valor." (Aron, 2002, p. 466)
As ciências sociais tem como objetivo organizar no pensamento o caos da sociedade. Mas não pode abrangê-la como um todo: aquilo que é geral acaba por ser também indeterminado. Há infinitas possibilidades de objetos e causas e, por isso, o cientista deve limitar a realidade que pretende estudar. Nas ciências sociais, quanto mais geral é a lei, menos valiosa e mais vazia de conteúdo ela é. Existe para cada um de nós uma escala diferente infinita de significações e é isso que determina o que será objeto de estudo. O cientista deve saber distinguir o que importa ser estudado, aquilo que se reveste de significado. Para Schutz, o sistema de relevância do cientista é irrelevante para seu empreendimento científico. "Seu estoque de conhecimento à mão é o corpo de sua ciência e ele tem de tomá-lo como pressuposto." (Schutz, 1985)
Para Schutz,"o problema particular das ciências sociais é desenvolver dispositivos metodológicos para alcançar o conhecimento objetivo e verificável de uma estrutura de significado subjetivo." (Schutz, 1985, p. 272)
Segundo ele, é o interesse à mão que motiva nosso pensar e estabelece problemas a serem solucionados. Schutz (1985) distingue o campo dos pressupostos em zonas de relevância em ordem decrescente, zonas estas que não são constantes (variam com o tempo) e nem homogêneas (em um dado momento, posso ter diferentes interesses). O problema científico já estabelecido determina o que é e o que não é relevante para sua solução e qualquer deslocamento do problema envolve modificação nas estruturas de relevância e nos construtos.
O domínio do trabalho científico tem por base conexões conceituais entre os problemas, a construção da "verdade" científica. "A objetividade só faz sentindo para os que compartilham a avaliação positiva da busca racional e sistemática que só a ciência permite." (Conh, Gabriel apud Weber, 2006, p. 12) O que garante a validade é que a análise da realidade não é arbitrária. "(...)Todos os modelos apropriadamente construídos das ciências- não apenas das ciências sociais- são racionais;" (Schutz, 1985, p. 275) Utiliza-se um método lógico, estabelecendo relações, imputando-se possibilidades objetivas de causa, tipificando-se. "A racionalidade resulta do respeito pelas regras da lógica e da pesquisa, respeito necessário para que os resultados alcançados sejam válidos." (Aron, 2002, p. 466)
Não é mau, segundo Aron (2002), que o cientista se interesse pelo objeto. Na verdade, para ele, o interesse das respostas depende amplamente do interesse das questões. Todavia, o cientista deve ser cuidadoso, distanciar-se do próprio interesse para encontrar uma resposta universalmente válida.
"As construções da teoria abstrata só na aparência são deduções (...) na realidade trata-se antes do caso especial de uma forma da construção de conceitos, próprios das ciências da cultura humana e, em certo grau, indispensáveis." (Weber, Max, 1992, p. 137) Trata-se, aqui, do tipo ideal.
O tipo ideal não é um fim, mas um meio para o conhecimento. É uma forma de ordenação do pensamento, construção de relações que parecem "objetivamente possíveis". Não diz o que o fenômeno é, mas se lhe atribui uma qualidade bem determinada com base na qual se pode formar uma hipótese. No tipo ideal, acentuam-se pontos de vista, valendo-se do conhecimento de certas regularidades da ação humana- associadas, principalmente, ao seu caráter racional- a fim de se formar um quadro homogêneo de pensamento. Weber (1992) adverte que é necessário tomar cuidado para não se fazer avaliações pessoais. Tipos ideais não se manifestam na sua plena pureza ou o fazem apenas esporadicamente: trata-se de utopia.
Sobre tipificar, Schutz afirma que a própria nomeação de objetos é uma forma de tipificar, pois ao nomear, relacionamos o objeto, "através da sua tipicidade, a coisa já vivenciadas, de estrutura tipicamente semelhante." (Schutz, Alfred, 1985, p. 116) Achar que algo ou um evento é suficientemente relevante para merecer um nome separado é resultado do sistema de relevância predominante. As tipificações são transmitidas pelas gerações e a partir delas interpretamos o mundo.
"O objetivo e a preocupação de Weber é compreender o sentido que cada ator dá à própria conduta." (Aron, 2002, p. 464) Encontra-se aí, a subjetividade do indivíduo, que resulta em conhecimento objetivo ao compreendermos as causas da ação de vários indivíduos. A reconstrução analítica de elementos da realidade em termos típico ideais e a simulação das possibilidades objetivas envolvidas num acontecimento ou situação seriam os elementos principais que permitiriam a compreensão causal dos fenômenos sociais. O cientista reconstrói, em termos típicos, dimensões específicas da realidade, avalia, segundo as regras da experiência, como os agentes provavelmente agiriam diante dessas dimensões e compara os cursos de ação concretos com as previsões realizadas.
A finalidade do tipo ideal consiste em tomar consciência não do que é genérico, mas que é específico nos fenômenos culturais.
"Não há dúvida de que o ponto de partida do interesse pelas ciências sociais reside na configuração real e, portanto, individual da vida sócio-cultural que nos rodeia, quando queremos apreendê-la no seu contexto universal, nem por isso menos individual(... )" (Weber, Max, 1992, P. 125, 126)
Segundo Conh (apud Weber, 2006), a ciência, assim sendo, é o conhecimento daquilo que homens de certa sociedade, em certa época, reputam importante, que valha a pena ser conhecido. E o ponto de referência para selecionar o que vale a pena ser conhecido é aquilo que busca saber o próprio pesquisador. A força motriz da pesquisa é o valor, mas o conhecimento científico é objetivo nos resultados, que dependem do método utilizado. Isso significa que, sem referência a valores, não se pratica ciência.
Em suma, a objetividade é sim possível, mas não há ciências sociais sem pressupostos: o que motiva o cientista a fazer ciência é subjetivo- aquilo que é importante para ele naquele momento, naquela cultura. "A validade objetiva de todo saber empírico baseia-se única e exclusivamente na ordenação da realidade dada segundo categorias que são subjetivas." (Weber, Max, 1992, p. 152) Deve-se lembrar também que as ciências sociais se ocupam das ações dos indivíduos, que são, por sua vez, subjetivas. E por fim, deve-se destacar que a ciência pode nos oferecer conhecimento objetivo do que ocorre no mundo, mas não tem como dizer qual significado ele tem: essa tarefa cabe somente a nós.
Bibliografia:
Weber, Max. "A "objetividade" nas ciências sociais". Metodologia das Ciências Sociais. Campinas: Cortez, 1992. Tradução: Wernet, Augustin.
Weber, Max. A "objetividade" do conhecimento nas ciências sociais. São Paulo: Ática, 2006. Tradução: Cohn, Gabriel.
Weber, Max. Ciência e Política: duas vocações. 17ª edição. São Paulo: Cultrix, 2002.
Schutz, A. Fenomenologia e Relações Sociais. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
Aron, Reymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
Autor: Amanda Noronha Fernandes
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