A Anecefalia E O Direito, Um Olhar Analítico...



CAPÍTULO I

1. ASPECTOS HISTÓRICOS

Em linhas gerais, segundo o Código Penal, o aborto é considerado crime, mas a sociedade está reclamando sua descriminalização. Dentre estes, há os que acreditam que sua penalização é reflexo, ainda que inconsciente, da não concessão à mulher, do direito ao livre exercício de sua sexualidade.

Devemos lembrar, entretanto, que nosso Código Penal data do ano de 1940, estando, portanto, anacrônico, e ainda, que nessa época a sociedade estava de tal modo condicionada a preceitos conservadores de origem religiosa, que outra não poderia ter sido a escolha do legislador.

A palavra aborto derivada de ab-ortus, que significa privação do nascimento. Na visão médico-legal, significa nascer prematuramente, ou seja, antes do tempo.

Por outro lado, na visão obstetrícia, o aborto é considerado a interrupção da gravidez, espontânea ou propositada, desde o momento da fecundação do óvulo pelo gameta masculino até a 21º semana de gestação, pois da 21º semana até a 28º semana fala-se em parto imaturo; e da 29º até a 37º semana tem-se o chamado parto prematuro.

Portanto, a obstetrícia só admite a hipótese de aborto dentro das primeiras vinte e uma semanas de desenvolvimento do ovo.

Ademais, ainda sob essa ótica, é necessário que o feto esteja pesando menos de 500 gramas para definir o episódio como aborto, ou que tenha até 16,5 cm de comprimento.

O diagnóstico pré-natal (DPN) de anomalias fetais, aquisição incorporada à medicina na década de 50, nos países desenvolvidos, somente foi iniciado no Brasil em 1979, fazendo com que todo o debate em relação ao aborto anencefálico se iniciasse muito depois do ocorrido nos países de primeiro mundo.

Ainda, o DPN permitiu a identificação de fetos portadores de aberrações cromossômicas e colocou aos olhos de todos a questão do aborto por anomalia fetal.[1]

Nos últimos anos, desenvolveu-se a denominada Medicina Fetal, uma nova área multidisciplinar de atuação que incorporou às técnicas de diagnóstico, as possibilidades da terapêutica intra-uterina. A medicina fetal é parte integrante da medicina que fornece diagnóstico e quando possível, terapêutica, encarando o feto como um paciente.

Embora seja um dos assuntos de maior polêmica na atualidade, a interrupção da gestação de fetos anencéfalos já é há muito, discutida. Desde 1989, alvarás judiciais para a interrupção da gestação em casos de anomalias fetais incompatíveis com a vida têm sido concedidos no Brasil. Em geral, levam de duas a três semanas para serem obtidos e revelam-se de grande importância, por garantirem à gestante o direito à interrupção em qualquer hospital da rede pública ou privada.

Tal questão, porém, só veio a receber espaço na imprensa e passou a ser objeto de discussão da sociedade brasileira, a partir de 1992, quando foi constituída a Comissão de Estudo para Reformulação do Código Penal brasileiro.

Mas, antes mesmo dos trabalhos da comissão se iniciarem, já existia um estudo elaborado por um grupo de conselheiros do Conselho Federal de Medicina que contemplava uma possível descriminalização do aborto anencefálico até 24 semanas de gestação. A referida redação foi a seguinte:

Não constitui crime o aborto praticado por médico: Se, se comprova, através de diagnóstico pré-natal, que o nascituro venha a nascer com graves e irreversíveis malformações físicas ou psíquicas, desde que a interrupção da gravidez ocorra até a vigésima semana e seja precedida de parecer de dois médicos diversos daquele que, ou sob suja direção, o aborto é realizado.

Contudo, como é de praxe, os fatos sociais precedem a reformulação das leis. Assim, já em 19 de dezembro de 1992 o DD. Juiz Dr. Miguel Kfouri Neto autorizava em Londrina – PR, pela primeira vez no Brasil, um aborto em feto portador de anencefalia, numa gestação que já durava 20 semanas.

Em 4 de novembro de 1993, uma equipe do Instituto de Medicina Fetal e Genética Humana de São Paulo impetrou uma ação judicial pleiteando a interrupção de uma gravidez de 24 semanas, com feto portador de acrania e onfalocele e em apenas 24 horas o pedido foi deferido pelo juiz Dr. Geraldo Pinheiro Franco.

Tendo por base estas duas sentenças, em 3 de dezembro de 1993 o DD. Juiz Dr. José Fernando Seifarth de Freitas autorizou a interrupção de uma gestação de 20 semanas comprometida por anencefalia.

A interrupção da gestação em fetos anencéfalos é hoje assunto constante na pauta da imprensa nacional, devido à corajosa liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio de Mello, em julho de 2004, ad referendum do Tribunal Pleno, com duplo efeito: sobrestar os processos e decisões não transitadas em julgado relativos à prática do delito de aborto, em razão da anencefalia, e conceder à gestante o direito de optar pela submissão à operação terapêutica de parto de feto anencéfalo, a partir de laudo médico confirmatório dessa anomalia.

Por meio desta liminar, o Supremo Tribunal Federal autorizou a interrupção da gravidez em casos de anencefalia fetal, em resposta à ação proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, com o apoio técnico e institucional do ANIS (Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero), com fundamento no art. 102, §1º, bem como na lei nº 9882/99.

A apreciação dos fundamentos da medida cautelar foi em 2 de agosto de 2004, protraída pelo pleno do Supremo Tribunal Federal, para a decisão definitiva da causa. Antes, no entanto, dessa decisão, o Procurador Geral da República suscitou questão de ordem sobre a inadequabilidade da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental.

No julgamento da questão de ordem, o Min. Marco Aurélio manifestou-se pela admissibilidade da referida ação, porém, o julgamento restou interrompido em virtude de pedido de vista do Min. Carlos Brito.

Na oportunidade, a liminar concedida foi objeto de discussão e o pleno do Supremo Tribunal Federal decidiu confirmá-la, por seu primeiro fundamento (sobrestamento de processos e decisões não transitadas em julgado) e revogá-la, com efeito ex nunc em relação ao seu segundo fundamento, ou seja, ao direito da mulher de optar pela interrupção da gestação de feto anencéfalo.

A medida liminar em apreço foi cassada em 20 de outubro de 2004, por sete votos contra quatro, sob o principal argumento de que tal medida liminar era satisfativa, ou seja, uma vez realizado o aborto, caso o mérito da ação fosse julgado improcedente, a situação seria irreversível.

Em 27 de abril de 2005, o STF considerou que o mérito da questão da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) era cabível de discussão em plenário.

Agora, aguarda-se pelo que será a primeira audiência pública da história do Supremo Tribunal Federal e que terá por objetivo a discussão da possibilidade ou não de interromper-se a gravidez de fetos portadores de anencefalia, sem a necessidade de obtenção de alvará judicial.

A FEBRASGO (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) se posiciona a favor da possibilidade de livre escolha dos pais no caso de anencefalia, entretanto, condiciona a realização do ato médico à autorização judicial.

Neste sentido, também se posiciona o CFM (Conselho Federal de Medicina) e os conselhos regionais, que desde a década de 80, já emitiram vários pareceres sobre o tema, onde apontam a necessidade da certeza diagnóstica obtida por meio de duas ultra-sonografias, avaliação psicológica da mãe, consentimento de ambos os pais e autorização judicial.

A organização mundial da saúde (OMS), órgão da ONU, apresenta estimativas de que em 1984 foram feitos no Brasil cerca de 10 milhões de abortos clandestinos, devidos principalmente às precárias condições de atendimento médico, esses abortos acabaram por provocar a morte de mais de 300 mil mulheres.

2. CONSIDERAÇÕES MÉDICAS

2.1 Conceito

No desenvolvimento embrionário, por volta do décimo oitavo dia, inicia-se a constituição do sistema nervoso, com a formação da placa neural. Nesse processo de desenvolvimento do embrião, podem ocorrer, entretanto, malformações que podem ser de maior ou de menor gravidade. Uma delas – por sinal a mais severa de todas – é a anencefalia.[2]

Segundo Jorge de Rezende[3], a anencefalia é anomalia do sistema nervoso central que se caracteriza pela ausência da abóbada craniana, massa encefálica reduzida a vestígios da substância cerebral.

Ainda nas palavras do autor, em grande porcentual de casos, a deformidade encontra-se associada a alterações da coluna vertebral (defeitos do tubo neural – DTN), cuja porção cervical pode estar consideravelmente atrofiada, ou de toda a medula, pormenor que identifica a chamada craniorraquísquise.

Para Rosana dos Santos Alcântara[4], a anencefalia é definida na literatura médica como a má-formação fetal congênita por defeito do fechamento neural durante a gestação, formação embrionária entre os dias 23 e 28 da gestação, de modo que o feto não apresenta os hemisférios cerebrais e o córtex, havendo apenas resíduo do tronco anencefálico.

Informa ainda a especialista, que a anencefalia ocorre com maior freqüência entre fetos femininos, pois se acredita estar ligado ao cromossomo x.

Ainda, têm-se notado que há aumento de sua incidência de forma proporcional à diminuição do ácido fólico materno, daí sua maior freqüência nos níveis socioeconômicos menos favorecidos.

No Brasil há cerca de 18 casos para cada 10 mil nascidos vivos, a maioria deles do sexo feminino. O reconhecimento de concepto com anencefalia é imediato. Sua face é delimitada pela borda superior das órbitas que contém globos oculares salientes. Não há ossos frontal, parietal e occipital. O cérebro remanescente encontra-se exposto e o tronco cerebral é deformado.

A maioria do anencéfalos sobrevive no máximo 48 horas após o nascimento. No caso da etiologia ser brida amniótica podem sobreviver um pouco mais, mas sempre é questão de dias.

Tais gestações causam, com maior freqüência, patologias maternas como hipertensão e hidrâmnio (excesso de líquido amniótico), levando as mães a percorrerem uma gravidez com risco elevado.

Conforme lição de Cochard[5]:

No desenvolvimento embrionário, por volta do décimo oitavo dia, inicia-se a constituição do sistema nervoso, com a formação da placa neural. A superfície do ectoderma se espessa e começa a enterrar-se e dobrar-se sobre si mesma, perto da junção do futuro cérebro e da medula espinhal no meio do embrião. As cristas neurais ectodérmicas de cada lado aproximam-se entre si e fundem-se de modo que o tubo enterra-se debaixo da superfície (...) O tubo neural formará o cérebro e a medula espinhal, os dois componentes do sistema nervoso central e a crista neural originará todos os neurônios cujos corpos celulares estão localizados no sistema nervoso periférico dos nervos, gânglios e plexos.

2.2 Do diagnóstico

Antes, o anencéfalo era reconhecido na interrupção espontânea da gravidez, ou mesmo, no ato do nascimento. Agora, meios tecnológicos permitem, em nível de absoluta certeza, denunciar a anencefalia em tempo precoce.

E é justamente esta possibilidade de antecipação diagnóstica que gera toda essa discussão em torno da anencefalia, ou seja, a questão da pertinência ou não, nessa hipótese, de interrupção da gravidez.

Através da ultra-sonografia é possível detectar, até os fins do primeiro trimestre da gravidez, a ausência simétrica dos ossos da calota craniana, ou seja, acrania, o que autoriza um diagnóstico específico e seguro de anencefalia.

Segundo Jorge de Rezende[6], a anencefalia pode ser suspeitada pela ultra-sonografia, desde 15 semanas de gravidez, mas a época preferente está entre 16 e 18 semanas. Informa ainda que prova complementar pode ser obtida pela dosagem da alfafetoproteína no líquido âmnico.

Ademais, segundo o autor, há dificuldade na identificação do pólo cefálico, em contraste com a extremidade pélvica. Os movimentos do feto parecem aumentados e são violentamente desencadeados quando, ao palpar abdominal ou pelo toque, se comprime a zona cerebral.

Esclarece também que nas radiografias, nota-se a cabeça sem o contorno do crânio. Há conveniência, às vezes em solicitar chapa de perfil, mormente na polidramnia. Em geral a gravidez não alcança o termo. A extremidade cefálica se apresenta habitualmente deflectida, podendo, por esse motivo, tornar-se laboriosa a extração.

É possível identificar-se a incidência da anencefalia também através da ecografia (método auxiliar de diagnóstico baseado no registro gráfico de ecos de ultra-sons que são emitidos e captados por um aparelho especial que emite as ondas e capta os seus reflexos fazendo também o registro gráfico).

Durante o período pré-natal a mulher deve submeter-se a alguns exames, dentre estes, pelo menos a um exame ecográfico, onde conforme dito anteriormente é possível identificar os primeiros sinais de alteração no desenvolvimento do feto.[7]

Dados merecedores da maior confiança evidenciam que fetos anencéfalos morrem no período intra-uterino em mais de 50% dos casos. Quando se chega ao final da gestação, a sobrevida é diminuta, não ultrapassando o período que possa ser tido como razoável, sendo nenhuma a chance de afastarem-se, na sobrevida, os efeitos da deficiência.[8]

2.3 Critério definidores de vida e de morte

Desde o informe de 1968, do Comitê de Medicina de Harvard, o coração deixou de ser o órgão central da vida e a falta de batimentos cardíacos, a representação da morte.

Elegeu-se, em substituição, o cérebro, de forma que a morte passou a ser definida como a abolição total da função cerebral. A partir da nova definição de morte, estabeleceu-se um limite na assistência dada a pacientes propiciando um inquestionável progresso na área da transplantação[9].

3. PONTO DE VISTA JURÍDICO

A anencefalia constitui, indubitavelmente, o ponto de confluência de questões das mais variadas vertentes. A questão gira em torno da possibilidade do médico realizar a extirpação do feto anencéfalo, sem, no entanto, tornar-se co-autor do crime de aborto, bem como da exclusão da culpabilidade da mãe que tenha optado por tal decisão.

A primeira questão a ser explanada para se saber se a antecipação terapêutica do parto de feto portador de anencefalia, propriamente diagnosticada, é ou não um aborto, seria o seguinte questionamento: existe ou não vida em potencial em um feto portador de anencefalia?

Nestes termos, temos nas palavras de Antônio Prado, em "Sobre a interrupção da gestação de fetos anencefálicos" [10]: "se há vida potencial no resultado da concepção e no estágio específico em que a gestação é interrompida, há aborto. Se não, não há aborto, pois nenhuma vida potencial ou efetiva está sendo interrompida."

Segundo o professor, "a existência ou não de cérebro não é uma condição que pode ser colocada de forma absoluta". Esclarece ainda, que "se tal fosse feito, seria um absurdo, vez que não há cérebro ou mesmo sistema nervoso central, e todas as fases da gestação".

A definição de morte cerebral é usada para casos de declaração de morte para fins de extração de tecidos e órgãos para transplante, portanto, nos parece óbvio que um feto sem cérebro, ou mesmo sem qualquer atividade cerebral, poderia por analogia, ser declarado como em estado de morte cerebral ou de cessação de vida em potencial.

Nestes casos, pose-se afirmar que a gestação de anencéfalos representaria sobrevida para outros seres humanos, ou seja, na sua singularidade, essa vida não teria nenhum sentido.

Para que possamos fazer uma análise da anencefalia sob o ponto de vista jurídico, é imprescindível levarmos em consideração a idéia básica de que o discurso jurídico está diretamente relacionado com o modelo de Estado adotado.

Deste modo, em um Estado Social e Democrático de Direito, de caráter laico, com compromissos assumidos com a dignidade humana, com a cidadania e com o pluralismo político, como o Brasil, não há razão justificadora para confundir questões jurídicas com questões se ordem moral.

Temos, portanto que o Estado brasileiro não pode estar sujeito a nenhuma religião e, por isso, é inadmissível que os princípios religiosos venham disciplinar a sua atuação.

Exaurida a questão moral e religiosa que envolve o tema, necessária se faz uma discussão sobre o direito assegurado à gestante de anencéfalo, de decidir pela mantença ou não do processo de gravidez.

Tal direito encontra amparo em regras constitucionais como o direito à liberdade, em seu sentido mais amplo, o direito à autonomia da vontade, o direito à saúde e, sobretudo à dignidade da pessoa humana.

O tema em comento envolve ainda, divergências significativas sobre o início da vida humana (o momento da concepção, o momento da nidação, o momento da formação da crista neural ou ainda o momento em que a mãe, por ato de vontade, encara o feto como pessoa, e então, lhe confere essa qualidade).

Entretanto, a posição defendida por Ferrajoli[11], no sentido de que feto é pessoa a partir do momento em que é destinado pela mãe a nascer encontra, atualmente, grande repercussão e merece acolhida.

Embora em ambos os casos – aborto e anencefalia – se possa cogitar de interrupção da gestação, é inquestionável que faltam à anencefalia os elementos que denunciam o tipo de aborto, sobretudo o reconhecimento prévio da existência de vida intra-uterina. Trata-se, portanto, de caso de pura atipia.[12]

Ainda, Álvaro Mayrink[13] diz que no caso de fetos com falta de crânio, "a arquitetura genética impede de considerá-los como pessoa humana" e, por isso "não devem ser admitidos como sujeito passivo de crime de aborto".

Também na defesa de tal tese, se posiciona Luiz Flávio Gomes que traz à tona, como solução para a questão, a teoria da imputação objetiva, que reza: quem cria o risco permitido não responde pelo fato praticado, pois o risco assumido exclui a imputação objetiva e conseqüentemente a tipicidade.

Segundo o autor, o aborto anencefálico elimina a dimensão material-normativa do tipo, porque a morte, nesse caso, não se dá num contexto de risco proibido e sim, permitido. No capítulo III faremos uma explanação sobre a Teoria da imputação objetiva, risco permitido e risco proibido.

O fundamento usado para se saber se o risco é ou não proibido, ou seja, juridicamente reprovado é a ponderação, no caso concreto, entre o interesse de proteção de um bem jurídico e o interesse geral de liberdade. No aborto anencefálico é fato notório que a morte do feto (ou antecipação dela) não é desarrazoada.

Ainda, o legislador não tem o dom de prever todas as situações possíveis e imagináveis de acontecerem fatidicamente. Por esta razão a Lei de Introdução ao Código Civil, em seu art. 4º estabelece que: "quando a lei for omissa, o juiz decidirá de acordo com a analogia e os princípios gerais do direito" e no art. subseqüente, prevê que: "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum".

Neste teor, estabelece o art. 126 do Código de Processo Penal: "O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade na lei. No julgamento de lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerias do direito".

Os princípios são formas de complementação de lacunas do ordenamento jurídico, no caso de ausência da lei aplicável ao caso concreto.

Assim, nas palavras de Luiz Augusto Coutinho[14]:

Caso o juiz não encontre disposições legais capazes de suprir a plena eficácia da norma definidora de direito, deve buscar outros meios de fazer com que a norma atinja sua máxima efetividade, através da analogia, dos costumes e, por fim, dos princípios gerias do direito.

Nestes termos, Maria Berenice Dias, desembargadora do TJRS fez interessante observação: "como a plenitude do sistema estatal não convive com vazios, para com vazios, para a concreção do direito, o juiz precisa ter olhos voltados para a realidade social[15]".

3.1 DOS DIREITOS IMBRICADOS

O princípio da Dignidade da Pessoa Humana é fundamento do Estado Democrático de Direito, insculpido em nossa Carta da República no art. 1º, III, que reza:

Tal princípio significa que a integridade moral deverá ser assegurada a todas as pessoas por sua existência.

O princípio supra mencionado se incorporou à maioria dos textos constitucionais, em todo o mundo, de forma expressa. Leiam-se os textos constitucionais da Alemanha de 1949, de Portugal de 1976, da Croácia de 1990, da Bulgária de 1991, da Estônia de 1992 e tantos outros.

No contexto do tema ora discutido, extrai-se que o fato de obrigar-se uma mulher a levar uma gravidez a termo, sendo a ela imposta a manutenção de um feto durante o tempo naturalmente exigido para um parto normal, mesmo com a certeza da inviabilidade desse feto é assemelhado a uma condição de tortura.

Ademais, a ordem jurídica brasileira não impõe a qualquer gestante o dever de manter em seu ventre um feto anencefálico, vez que esse feto não tem sequer potencialidade de vida.

Efetivamente, o princípio da dignidade da pessoa humana é básico na interpretação da ordem normativa. O professor Pietro Alarcón teve a oportunidade de afirmar: "De outro lado, a Carta Magna de 1988 abriga a dignidade, e nesse sentido, a dignidade é bem jurídico a ser guarnecido pelo sistema".

E conforme relato da própria inicial da ADPF: a impossibilidade de antecipação terapêutica do parto fere a Dignidade da Pessoa Humana, ma medida em que "a convivência diuturna com a triste realidade e a lembrança ininterrupta do feto dentro do seu corpo, que nunca poderá se tornar vivo, podem ser comparados à tortura psicológica".

Assim, à gestante de um feto anencefálico basta que se lhe conceda a eficácia do princípio da dignidade da pessoa humana, reconhecendo-lhe o direito de interrupção terapêutica de uma gravidez, marcada pela patologia, que constrange e perturba a ciência e os homens.

Ainda, no que tange ao princípio da legalidade, em nosso Ordenamento Jurídico não há vedação legal para a antecipação terapêutica do parto. Assim, o que de fato ocorre é uma restrição à autonomia de vontade da gestante, frente à cláusula constitucional da liberdade no Direito brasileiro.

Segundo o art. 196 da Carta da República: "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".

Registram hospitais e clínicas médicas, o profundo transtorno psicológico de que padece a mulher, quando aguarda o parto de um ser sub-humano, sem cérebro, com forma de gente, mas, sem a essência do humano. É evidente que a gestante, nessas circunstâncias, tem o direito de velar por sua saúde.

Consta da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, o seguinte questionamento: a compreensão jurídica do direito à vida, legitima a morte, dado o curto espaço de tempo da existência humana?

Segundo consta da Convenção Americana de Direitos Humanos: "ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente. O que deve conter é o arbítrio, o abuso, o irrazoável. Quando há interesse relevante em jogo, que torna razoável a lesão ao bem jurídico vida, não há que se falar em criação de risco proibido".

Embora o art. 5º da Carta da República assegure a inviolabilidade do direito à vida, é sabido, que não existe direito absoluto.

CAPÍTULO II

1. TEORIA GERAL DO CRIME

O Código Penal vigente não traz em seu bojo uma definição de crime, tal conceito é deixado à elaboração da doutrina. Nesta, o conceito de ilícito penal aparece sob o aspecto formal e material.

2. CONCEITO: MATERIAL E FORMAL

Quanto ao Crime, os doutrinadores o definem em sentido Formal, ou Nominal e Material, ou Substancial.

Registro oportuno de se fazer é o de não se confundir crime material com a concepção material de crime, vez que o primeiro representa uma categoria doutrinária atribuída aos delitos, e o outro, representa a noção teórica de fatores jurídicos e extrajurídicos que estimulam ao aparecimento do crime.

Crime material é aquele cuja descrição legal se refere ao resultado e exige que o mesmo se produza para a consumação do delito.

Assim, no crime material é indispensável para a consumação a ocorrência do resultado previsto em lei como ofensivo a um bem penalmente protegido.

Também, não se deve confundir crime formal com o crime em sentido formal, este último diz respeito à estrutura do delito como configuração diante dos elementos tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade.

No entanto, crime formal é aquele cuja descrição legal faz referência ao resultado, mas não exige para a sua consumação que o mesmo se realize. De modo que há uma antecipação valorativa por parte da lei quanto a ofensividade ou lesividade.

Sendo assim, o comportamento em si, tendente à produção de um resultado, ainda que este não se realize, é suficiente para a configuração do delito.

Do ponto de vista formal, crime é qualquer fato humano proibido pela lei penal. Como exemplo, podemos citar os seguintes conceitos: "crime é qualquer ação legalmente punível"[16], ou mesmo, "crime é toda ação ou omissão proibida pela lei sob ameaça de pena"[17].

Crime sob o aspecto material, conforme dito anteriormente nada mais é do que a violação de um bem juridicamente protegido. Assim, temos como conceitos de crime: "crime é conduta humana que lesa ou expõe a perigo um bem jurídico protegido pela lei penal"[18] ou "crime é a ação ou omissão que, a juízo do legislador, contrasta violentamente com valores ou interesses do corpo social, de modo a exigir seja proibida sob ameaça de pena, ou que se considere afastável somente através da sanção penal"[19].

Ainda, temos o conceito de crime material, conforme preleciona Júlio Fabbrini Mirabete[20]:

Tem o estado que velar pela paz interna, pela segurança e estabilidade coletivas diante dos conflitos inevitáveis entre os interesses dos indivíduos e entre os destes e os do poder constituído. Para isso, é necessário valorar os bens ou interesses individuais ou coletivos, protegendo-se, através da lei penal, aqueles que são mais atingidos quando da transgressão do ordenamento jurídico. Essa proteção é efetuada através do estabelecimento e da aplicação da pena, passando esses bens a ser juridicante tutelados pela lei penal.

3. ANÁLISE DO CRIME SOB O ASPECTO FORMAL

3.1 Fato típico

Para alguns doutrinadores, o crime é composto por um fato típico, antijurídico, ou ilícito e culpável. Para outros, como por exemplo, Damásio de Jesus, apenas o Fato típico e a antijuridicidade são requisitos para compor o crime, sendo a culpabilidade mera dosimetria para o regime de cumprimento de pena.

Fato típico é a adequação perfeita entre o fato, sua antijuridicidade, os elementos subjetivos e a descrição contida na lei[21].

Assim, só existe fato típico, quando o fato natural também contiver o tipo subjetivo.

No caso de tentativa, ou seja, quando o crime, por circunstâncias alheias à vontade do agente, não é consumado, há subtração do resultado e do nexo causal, restando à conduta e a tipicidade.

Também, nos crimes formais, observa-se a conduta e a tipicidade, faltando, entretanto, o resultado.

Ainda, Damásio de Jesus lembra que, faltando um dos elementos do fato típico a conduta passa a constituir um Fato atípico[22]. Destarte, a Lei não descreve fato atípico como crime.

Para que se afirme que o fato concreto tem tipicidade é necessário que ele se contenha perfeitamente na descrição legal, ou seja, que o caso concreto se adeqüe ao tipo penal. Caso isto não ocorra, o fato será atípico.

O fato típico é composto por alguns elementos que caso inexistam, tornarão o fato atípico e, portanto, não haverá crime. São eles:

I.conduta (ação ou omissão)

II.resultado

III.relação de causalidade

IV.tipicidade

I. CONDUTA

Conforme o brocardo nullum crimen sine conducta, não há crime sem ação.

De acordo com o sentido que se dê à palavra ação, o conceito de crime é modificado, por isso mesmo, o conceito de ação constitui a divergência mais expressiva no Direito Penal, podendo significar ação em sentido estrito, que é o fazer, ou significar omissão, que é o não fazer devido.

Passaremos em seguida, a examinar as principais teorias da ação, quais sejam, Teoria causalista da ação, Teoria finalista da ação e Teoria social da ação.

I.1 Teoria causalista da ação

Segundo Mirabete, para a Teoria causalista da ação, a conduta é um comportamento humano voluntário, que consiste em fazer ou não fazer, sem que se faça qualquer indagação a respeito de sua ilicitude ou de sua culpabilidade, ou seja, é a manifestação da vontade, sem conteúdo finalístico.

I.2 Teoria finalista da ação

Para a Teoria da ação finalista, a conduta é a ação ou omissão humana consciente e dirigida à determinada finalidade.

Para Júlio Fabbrini Mirabete, a conduta realiza-se mediante a manifestação de vontade dirigida a um fim.

Segundo o referido autor, o conteúdo da vontade está na ação. È a vontade dirigida a um fim e integra a própria conduta, ou seja, para tal Teoria, a vontade é elemento indispensável à ação típica.

Assim, podemos concluir que, segundo a Teoria finalista, o agente só terá praticado um fato típico, se tinha como fim esse resultado, ou, se assumiu conscientemente o risco de produzí-lo.

I.3 Teoria social da ação

A teoria da ação socialmente adequada surgiu como ponte entre as teorias causalista e finalista da ação.

Segundo a teoria em apreço, sem relevância social não há relevância jurídico-penal, sendo assim, só haverá fato típico, segundo a relevância social da conduta praticada.

Entretanto, essa Teoria recebe muitas críticas pela dificuldade de conceituar-se o que seja relevância social da conduta, vez que tal conceito exigiria um juízo de valor.

Convém lembramos ainda, que a conduta pressupõe um comportamento humano, não estando, portanto, os fatos naturais, os do mundo animal e os atos praticados pelas pessoas jurídicas, incluídos neste conceito.

Ainda, a conduta exige a necessidade de repercussão externa da vontade, por isso mesmo, o pensar e o querer humanos, não preenchem os requisitos da ação, enquanto não se tenha iniciado a manifestação de vontade.

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II. RESULTADO

Não basta que se pratique a conduta para que o crime exista, é necessário ainda, que ocorra um resultado.

Conforme de depura do conceito naturalístico, o resultado é a modificação do mundo exterior provocada pelo comportamento humano voluntário.

Apesar da lei penal admitir a existência de crimes que independem de resultado, como na injúria oral ou no ato obsceno, por exemplo, o art. 13 de nossa lei substantiva estabelece que a existência do crime depende do resultado.

Portanto, para harmonizar os dispositivos legais, temos que, o resultado deve ser entendido como lesão ou perigo de lesão a um interesse juridicamente protegido.

Ademais, quanto à exigência de resultado naturalístico podemos classificar os crimes em: formais, materiais ou de mera conduta.

III. RELAÇÃO DE CAUSALIDADE

Para que o fato seja típico, imprescindível ainda se mostra a existência de relação de causalidade entre a conduta e o resultado, portanto, não havendo nexo causal, não há que se cogitar de responsabilidade penal, e mais, a simples dúvida a respeito da existência deste, impede a responsabilização do agente pelo resultado.

Segundo Mirabete, causa é a conexão, a ligação que existe numa sucessão de acontecimentos que pode ser entendida pelo homem.

Veremos a seguir as Teorias elaboradas para se estabelecer o que se deve entender por causa em sentido jurídico penal: Teoria da Causalidade Adequada e Teoria da equivalência dos antecedentes.

III.1 Teoria da Causalidade adequada

A formulação desta teoria é atribuída ao filósofo Von Kries e segundo ele só é considerada causa a condição idônea à produção do resultado.

Isso significa que ainda que contribua de qualquer modo para a produção do resultado, um fato pode não ser considerado sua causa, quando não tiver, isoladamente, idoneidade para tanto.

Nas palavras de capez: "Não basta, portanto, ter contribuído de qualquer modo, sendo necessário que haja uma contribuição minimamente eficaz".

III.2 Teoria da equivalência dos antecedentes

O dispositivo do art. 13 do Código Penal prevê: "o resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa".

Considera-se causa, a ação ou omissão, sem a qual o resultado não teria ocorrido, regendo-se, portanto, na legislação penal, a Teoria da equivalência dos antecedentes.

È também conhecida como teoria da conditio sine qua non e oriunda do pensamento filosófico de Stuart Mill.

Para esta teoria e segundo o professor Fernando Capez[23]: "toda e qualquer conduta que, de algum modo, ainda que minimamente, tiver contribuído para a produção do resultado deve ser considerada causa".

Deste modo temos que, segundo a teoria em apreço, a lei atribui relevância causal a todos os antecedentes do resultado, "considerando que nenhum elemento de que dependa a sua produção pode ser excluído da linha de desdobramento causal"[24].

Ademais, de acordo com a teoria da equivalência dos antecedentes o omitente também poderá vir a ser responsabilizado pelo resultado, não porque o causou, mas porque não agiu para impedí-lo, realizando a conduta a que se obrigara.

3.2 Antijuridicidade

Antijuridicidade é uma violação da ordem jurídica que regulamenta determinado fato, podendo ser formal ou material.

A antijuridicidade material é caracterizada pela lesão, ou perigo de lesão ao bem jurídico, decorrente da conduta do agente.

Na antijuridicidade dita formal, há uma contradição entre o comportamento do agente socialmente aceito pela sociedade e a norma incriminadora.

Para que um fato típico possa ser considerado criminoso, é preciso que, além de típico, contrarie também o direito, ou seja, é preciso que seja antijurídico.

Entretanto, existem em nosso Ordenamento Jurídico, há causas que excluem a antijuridicidade do fato típico, por isso, são também denominadas de tipos permissivos, por não reprovarem a prática de um fato, embora, típico.

Tal exclusão não implica no desaparecimento da tipicidade, sendo assim, deve-se falar em "conduta típica justificada".

Com relação ao aborto, o Código penal descreve duas situações especiais que afastam a antijuridicidade da conduta típica. São elas: o aborto necessário, que é aquele praticado como única forma de salvar a vida da gestante, e o aborto sentimental, que ocorre quando a gravidez é resultado de estupro, nestes casos, não há crime.

Tais hipóteses, previstas no art. 128 do Código penal, são denominadas aborto legal. Deste modo, temos que o médico que pratica o abortamento, como única forma de salvar a vida da gestante, embora pratique uma conduta típica, não comete crime.

Para a caracterização do aborto necessário, é imprescindível que o aborto seja praticado por médico. Porém, se uma pessoa não-médica pratica o abortamento como única forma de salvar a gestante, na está praticando u crime, por agir, neste caso, em estado de necessidade, que é uma forma genérica de exclusão da antijuridicidade.

Sobre o aborto sentimental é necessário que se diga que somente o médico pode praticá-lo, e nesse caso, não se admite exceções. Ainda, o consentimento da gestante é imprescindível, não havendo também exceções.

3.3 Culpabilidade

Quanto à culpabilidade, há várias Teorias para definir seu conceito. Uma delas, e releve-se, já ultrapassada, é denominada Teoria psicológica, segundo tal Teoria, o dolo estaria configurado, desde que houvesse previsibilidade e voluntariedade por parte do agente.

A segunda Teoria, denominada Psicológico-normativa, reza que a culpabilidade exige o dolo ou a culpa, que são os elementos psicológicos presentes no autor e a reprovabilidade, um juízo de valor sobre o fato, ou seja, o sujeito só era considerado culpado quando o seu comportamento fosse considerado socialmente reprovável.[25]

A Teoria Normativa Pura ou Finalista reza que a Culpabilidade é um mero juízo de reprovabilidade pela prática de um Fato Típico e Antijurídico.

Segundo Ney Moura Teles, a imputabilidade é pressuposto da culpabilidade e seus elementos são a Potencial Consciência da Ilicitude e a Exigibilidade da Conduta Diversa.

Imputabilidade significa a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Neste teor, existe três sistemas: O Biológico, que prega que o agente acometido de doença mental grave deve ser tido como inimputável; O Psicológicoque diz bastar a análise das condições psicológicas do agente, na época em que cometeu a ação ou omissão, para que se possa aferir se ele era ou não inimputável e o Biopsicológico, que é o adotado por nosso sistema, no art. 26 do CPB, o qual funde o primeiro e o segundo sistemas.

Na antiguidade, a responsabilidade penal decorria do fato lesivo, sem que se discutisse a "culpa" do autor da conduta. Hoje, no entanto, considera-se a culpa, verificando-se se no fato estavam presentes a vontade ou a previsibilidade.

Da vontade e da previsibilidade foram construídos dois conceitos jurídico-penais: o dolo e a culpa.

Entende-se por Potencial Consciência da Ilicitude, a exigência de o agente ter, no momento da ação, ou omissão, a possibilidade de conhecer que a conduta por ele praticada foi contrária ao Direito.

Para tanto, resta suficiente a simples vivência da sua cultura para que saiba que determinado fato, por ele praticado, foi contrário ao Direito.

Ainda, para que o aborto seja considerado criminoso, não basta afirmar a tipicidade e a antijuridicidade da conduta.

É imprescindível, também, que a conduta do médico seja censurável ou reprovável, e ainda, é indispensável que nas circunstâncias de sua prática, seja possível exigir-se do agente uma conduta diferente.

Segundo José Henrique Rodrigues Torres[26], tal ocorre no aborto anencefálico, conforme se depura do exposto adiante:

Uma mulher está grávida e é diagnosticada a anencefalia fetal; não há viabilidade de vida extra-uterina para o feto; essa gravidez é de alto risco e a mulher não pode ser obrigada a suportar todos os riscos, todos os sofrimentos físicos e mentais e inconvenientes de uma gravidez nessas circunstâncias; portanto, nessa hipótese, a prática do abortamento é admissível, porque não se pode censurar ou reprovar o abortamento nessas circunstâncias.

O Autor do delito é toda a pessoa que pratica o núcleo do Tipo Penal. O núcleo do Tipo revela-se por um ou mais verbos, em suma, quem pratica o verbo do Tipo, pratica o seu núcleo.

Co-autor pode ser entendido como aquele agente que mais se aproxima do núcleo do tipo penal, juntamente com o autor principal, podendo, sua participação ser parcial ou direta.

A participação direta ocorre quando o co-autor realiza "atos de execução distintos, que, porém, conjugados, produzem a consumação" enquanto a co-autoria direta "ocorre quando todos os agentes realizam a mesma conduta típica".[27]

Ainda entende-se como partícipe aquele indivíduo que não participa dos atos de execução, mas auxilia o Autor, ou co-autor, na realização do Fato Típico.

Tal participação pode ser moral ou material. A participação moral ocorre quando o partícipe induz o autor a realizar um Fato Ilícito.

Vale dizer que, diferentemente do autor, o partícipe não realiza o núcleo do tipo.

3.3.1 Causas de exclusão da antijuridicidade

É a justificação de fatos que aparentemente não estão regulados no Ordenamento Jurídico, ou seja, além das causas justificativas expressamente consignadas, existem outras, supra legais, não explícitas.

Nestes termos, aplicando-se o art. 4º da LICC, que prevê a possibilidade de decidir de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito, poder-se-á reconhecer a referida excludente, não pelo texto legal propriamente dito, mas pela norma superior que o inspira.

Neste teor, temos que:

O intérprete pode e deve, em certos casos, ir além da só e mecanicista aplicação do texto legal, buscando solução razoável, conforme ao Direito, na sua acepção mais ampla e que seja também a mais justa para o caso concreto[28].

Do estado de necessidade

Como afirma Mirabete, o estado de necessidade pressupõe um conflito entre titulares de interesses lícitos, em que um pode perecer licitamente para que outro sobreviva, como exemplo, temos furto famélico e a antropofagia, no caso de pessoas perdidas.

O estado de necessidade pressupõe alguns requisitos, sem os quais a excludente não poderá ser alegada.

O primeiro deles é a existência de ameaça a direito próprio ou alheio. Ainda, deve existir perigo atual e inevitável.

Ademais, de tal ameaça não se deve exigir sacrifício, por parte do agente, que não deve ter voluntariamente provocado a situação, nem ter o dever legal de enfrentar o perigo.

Segunda a teoria unitária, há estado de necessidade não só no sacrifício de um bem menor para salvar um de maior valor, mas também no sacrifício de um valor idêntico ao preservado.

O estado de necessidade se subdivide em três tipos: defensivo, agressivo e putativo.

No defensivo o agente atua como causador do perigo. No estado de necessidade agressiva, o agente lesa um bem jurídico de alguém, sem que tenha provocado a situação de risco.

Enquanto que o putativo ocorre quando o agente supõe, por erro, encontrar-se em situação de perigo, neste caso não responderá pelo fato por ausência de culpa em decorrência de erro de proibição.

Da legítima defesa

Está tipificada no art. 23, inc. II e regulada pelo art. 25 de nossa lei substantiva penal. Pressupõe agressão atual e iminente.

Atual é a que está acontecendo, iniciando-se ou que ainda está se desenrolando porque ainda não se concluiu. Iminente é a agressão futura, mas certa.

Portanto, não atua em legítima defesa aquele que pratica o fato típico após uma agressão finda, o que significa dizer que a demora na reação desfigura a descriminante, sendo injusta a agressão não acobertada pelo Direito.

A injusta agressão deve ser considerada de forma objetiva, isto quer dizer que não se deve considerar a imputabilidade do autor da agressão.

São exigidos os seguintes requisitos, para a configuração da legítima defesa: A reação deve ser a uma agressão atual ou iminente e injusta. O direito deve ser próprio ou alheio. Ainda, para atuar em legítima defesa, deve-se usar moderadamente dos meios necessários para repelir a agressão atual ou iminente e injusta, se tal não ocorrer o agente estará agindo em excesso.

Com a legítima defesa pode se proteger a vida, a integridade física e o patrimônio. O resguardo da honra, entretanto é controvertido, mas a maioria da doutrina e jurisprudência é no sentido de não existir legítima defesa nessa hipótese.

É necessário ainda, que haja o elemento subjetivo, ou seja, o conhecimento de que está sendo agredido.

Na legítima defesa putativa, o agente age atua supondo, por erro, que está sendo agredido. Neste caso, não está excluída a antijuridicidade, porque inexiste um de seus requisitos, qual seja, a agressão real, ocorrendo na hipótese exclusão da culpabilidade.

Do estrito cumprimento de dever legal

Está tipificado no art. 23, III, segunda parte, da lei substantiva penal.

Se o agente pratica a conduta no estrito cumprimento do dever legal, não há crime. Quando se fala em dever legal, estão excluídas da proteção as obrigações meramente morais, sociais ou religiosas.

Não se admite estrito cumprimento de dever legal nos crimes culposos, portanto a lei não obriga à imprudência, negligência ou imperícia.

Também aqui, exige-se o elemento subjetivo, ou seja, que o agente tenha conhecimento de que está praticando um dever imposto por lei.

Do exercício regular do direito

Segundo Mirabete, não há crime quando ocorre o fato no exercício regular do direito (art. 23, III do Código Penal).

Há, por exemplo, exercício regular do direito na correção dos filhos por seus pais, na prisão em flagrante por particular...

È necessário que se obedeça às condições objetivas do direito, que é limitado e caso não seja esse limite respeitado, haverá abuso de direito, excesso.

Também é exigido elemento subjetivo, qual seja, a congruência entre a consciência e a vontade do agente com a norma permissiva.

CAPÍTULO III

1. ABORTO ANENCEFÁLICO E A TEORIA DA TIPICIDADE

1.1 Tipo penal

O tipo penal é um dos postulados básicos do princípio da reserva legal, na medida em que nossa Carta Magna prevê em seu artigo 5º, XXXIX o princípio de que "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal".

Cabe, portanto, à lei a tarefa de descrever os crimes de forma detalhada, vez que uma lei genérica seria insuficiente para se definir como delito a violação a um bem jurídico.

Assim é que preleciona Fernando Capez: "A generalidade da descrição típica elimina a sua própria razão de existir, criando insegurança no meio social e violando o princípio da reserva legal".[29]

Segundo Jair Leonardo Lopes, o tipo penal "é um modelo de ação, imaginada e descrita pelo legislador como de provável ocorrência na realidade da vida e idônea a causar uma ofensa ou expor a perigo um bem ou valor, objeto de proteção jurídico-penal[30]".

Ainda, conforme o autor retro mencionado, "todo tipo tem um objeto jurídico, que é o bem ou valor protegido pela norma, através da descrição da conduta que lhe cause dano, ou exponha a perigo e para cuja prática se prevê uma pena".

Tal noção é de suma importância para se saber se a ação é ou não típica e, portanto, relevante para o Direito Penal.

Para Zaffaroni, "é um instrumento legal, logicamente necessário e de natureza predominantemente descritiva, que tem por função a individualização de condutas humanas penalmente relevantes".[31]

O tipo é, portanto, como um molde, criado pela lei, em que está descrito o crime com todos os seus elementos, de modo que as pessoas saibam que só cometerão algum delito se vierem a realizar a conduta constante do modelo legal.

Para Capez, tipo é a descrição do comportamento proibido e compreende as características objetivas e subjetivas do fato punível. Ainda seguindo o entendimento do autor, temos que a tipicidade é a adequação do fato humano ao tipo de ilícito contido na norma incriminadora.

Neste contexto, faremos um breve comentário sobre o crime impossível.

No Crime Impossível "não se pune a tentativa quando há ineficácia absoluta do meio ou impropriedade absoluta do objeto"[32].

Haverá ineficácia absoluta do meio quando ele, por si só, não puder produzir o resultado. De outro lado, existirá ineficácia absoluta do objeto quando o agente tentar matar um cadáver, por exemplo[33].

Nas palavras de Capez[34], temos que:

Não se trata de isenção de pena, como parece sugerir a redação do art. 17 do Código Penal, mas de causa geradora de atipicidade, pois não se concebe queira o tipo incriminador descrever como crime uma ação impossível de se realizar. Trata-se, portanto, de verdadeira causa de exclusão da própria tipicidade.

Ainda, temos na lição de Miguel Reale Júnior:

Enquanto no crime tentado a consumação deixa de ocorrer pela interferência de causa alheia à vontade do agente, no crime impossível a consumação jamais ocorrerá, e, assim sendo, a ação não se configura como tentativa de crime, que se pretendia cometer, por ausência de tipicidade.

Não devemos olvidar que, existindo ineficácia relativa do meio ou do objeto, haverá tentativa.[35]

Diante do exposto, temos que a interrupção da gravidez em caso de anencefalia, ao contrário do que dispõem alguns autores, não pode ser considerada crime impossível, vez que esta conduta, sequer pode ser considerada típica.

O crime impossível como o próprio nome já diz é um delito impossível de consumar-se, seja pela ineficácia absoluta do meio empregado seja pela impropriedade absoluta do objeto material.

Deste modo, temos que aqui, a conduta é típica, muito embora seja impossível ocorrer uma consumação. Por outro lado, o aborto anencefálico não é crime. Tal conduta não é típica, pela ausência de bem juridicamente tutelado.

Assim, muito embora exista na interrupção terapêutica da gravidez a impropriedade absoluta do objeto material, que como vimos é imprescindível para a tipificação de uma conduta, tal fato não pode ser adequado na modalidade crime impossível, pela atipicidade da conduta

1.2Tipicidade e antijuridicidade

Segundo entendimento de Zaffaroni, as relações entre a tipicidade e a antijuridicidade não são consideradas pacíficas pela doutrina. Existem, segundo o autor três posições fundamentais a respeito.

A primeira, que atualmente quase não possui adeptos, diz que a tipicidade não indica coisa alguma acerca da antijuridicidade. È chamada teoria do tipo neutro ou avalorado.

Uma outra posição defende que a tipicidade é um indício ou presunção juris tantum, (admite prova em contrário) da antijuridicidade. È denominada teoria da ratio cognoscendi e é sustentada por Max Ernst Mayer.

Já outras posições acreditam que a tipicidade é a ratio essendi (razão de ser) da antijuridicidade.

Dentro desta posição encontraremos duas variantes: para uns a tipicidade encerra o juízo da antijuridicidade, ou seja, uma vez afirmada aquela, restará esta afirmada. È denominada teoria dos elementos negativos do tipo e sustentada por Hellmuth Von Weber. Para outros, a tipicidade também implica a antijuridicidade, entretanto, esta pode ser excluída por uma das causas de justificação em uma análise feita a posteriori. È denominada teoria do tipo de injusto e sustentada por Paul Bockelmann.

Nossa defesa é pela segunda corrente de pensamento, onde a tipicidade pressupõe a antijuridicidade numa presunção relativa, ou seja, juris tantum, podendo ser elidida pela legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular do direito e pelo estrito cumprimento o dever legal, vez que estes se constituem nas excludentes de antijuridicidade.

1.2.1 Objeto jurídico

Inicialmente, faz-se necessário lembrarmos que o objeto se divide em duas espécies: objeto jurídico e objeto material.

O objeto jurídico "é o bem que se constitui em tudo o que é capaz de satisfazer as necessidades do homem, como a vida, a integridade física, a honra, o patrimônio, etc..."[36], enquanto o objeto material "é a coisa ou pessoa sobre as quais deve recair, materialmente a ação, para que esta seja típica"[37].

Conforme se depura da obra de René Ariel Dotti, "nosso sistema jurídico está ancorado no modelo do crime como ofensa a bens jurídicos". Por isso mesmo é que o princípio do bem jurídico se reflete nas diversas normas de nossa Constituição Federal, como por exemplo, nos art. 5º e 6º.

Nas palavras de René: "Não é admissível a incriminação de condutas que não causem perigo ou dano aos bens corpóreos e incorpóreos inerentes aos indivíduos e à coletividade".

Para Zaffaroni, "não se concebe a existência de uma conduta típica que não afete um bem jurídico, posto que os tipos não passam de particulares manifestações de tutela jurídica desses bens."[38]

Vale dizer, que a impropriedade absoluta do objeto material faz surgir a figura do crime impossível ou quase-crime. Ainda, há crimes sem objeto material, como o ato obsceno e o falso testemunho.

Nesta linha de entendimento é que se faz necessário dizer que nossa Constituição Federal garante o direito à vida a partir do nascimento, e não da concepção.

Aliás, os direitos e garantias fundamentais são previstos apenas pra os brasileiros e estrangeiros, sendo que a nacionalidade se adquire apenas com o nascimento, enquanto que, ao feto não houve previsão de qualquer bem jurídico.

           Como já foi dito, o feto anencéfalo pode ser considerado portador de morte neocortical (high brain criterion), já que não possui a parte da estrutura cerebral responsável pelas características definidoras da pessoa humana como a consciência e que implicam na cognição, na percepção, na comunicação, na afetividade.

Ademais, como já vimos, nosso Código Penal não conceituou aborto. Menciona-o, tipificando condutas, porém, sem afirmar o que, efetivamente, seja. Tal conceituação, portanto, foi deixada para a doutrina e a jurisprudência.

Partindo do pressuposto de que o feto possui uma dignidade relativa, já que, potencialmente, tornar-se-á uma pessoa com o seu nascimento é que o Estado possui interesse em proteger tal dignidade, ou seja, a sua potencialidade de adquirir direito à vida e se tornar uma pessoa humana, com o nascimento.

Portanto, o feto não pode ser chamado de pessoa humana, vez que é necessário para tal, o nascimento com vida. Patente, pois, que nossa legislação nãotem o feto como sujeito de direitos, não podendo deste modo, ser considerado sujeito passivo de ato criminoso.

Ainda, a propalada proteção aos direitos do nascituro ocorre exclusivamente no âmbito do Direito Civil e apenas no que se refere às questões patrimoniais,sendo condicionada ao nascimento com vida.

Deste modo, é inaceitável que se saiba, previamente, que o feto não possui qualquer condição de sobrevida e, ainda assim, se tenha como aborto a interrupção da gravidez, que pressupõe a existência de outro ser que tenha possibilidade de vida própria.

Muito embora em alguns poucos casos a vida extra-uterina seja possível, tal ocorre, por um curto período de tempo e dependendo do suporte tecnológico disponível.

Assim, se o crime de aborto tem por objetividade jurídica proteger a dignidade relativa do feto, ou seja, a potencialidade de vida humana, e o portador da anencefalia indiscutivelmente não a possui é de se concluir que, no caso do abortamento do feto anencéfalo, não existe lesão ao bem jurídico tutelado pelo tipo penal.

Temos, portanto, que em não havendo lesividade, não há que se falar em crime, o fato, pois, será considerado materialmente atípico.

1.2.2 Da teoria da tipicidade conglobante

Eugênio Raúl Zaffaroni, em sua Teoria da tipicidade conglobante, indica-nos que é impensável a hipótese de uma conduta ser ao mesmo tempo lícita e ilícita, sem qualquer distinção lógica do tratamento diversificado pelo legislador, devendo nestes casos o benefício da aplicação da norma mais favorável em prol dos acusados, ou seja, a licitude deve prevalecer.

As normas devem guardar entre si uma ordem mínima que impeça que uma norma proíba o que fomenta.

È neste sentido que se posiciona Zaffaroni: "O tipo não pode proibir o que o Direito ordena e nem o que ele fomenta"[39].

Temos, portanto, que interpretar a norma como parte da ordem normativa, bem como temos que deixar fora da tipicidade penal aquelas condutas que somente são alcançadas pela tipicidade legal, mas que a ordem normativa não quer proibir, porque, as ordena ou as fomenta.

Assim é que preceitua Zaffaroni[40], verbis:

O juízo de tipicidade não é um mero juízo de tipicidade legal, mas, que exige um outro passo, que é a comprovação da tipicidade conglobante, consistente na averiguação da proibição através da indagação do alcance proibitivo da norma, não considerada isoladamente, e sim, conglobada na ordem normativa.

E ainda completa o raciocínio, nas seguintes palavras: "A tipicidade conglobante é um corretivo da tipicidade legal, posto que pode excluir do âmbito de típico aquelas condutas que apenas aparentemente estão proibidas"[41]

Por todo o exposto, concluímos que não há tipicidade material quando a conduta é autorizada pelo Ordenamento Jurídico, ou seja, se existe uma norma no Ordenamento Jurídico que fomenta ou determina uma conduta, não pode existir outra que proíba ou incrimine essa conduta.

È na teoria da tipicidade conglobante que encontraremos a solução para a aparente contrariedade existente quanto ao momento da morte ou ainda, e de maior relevância pra este trabalho, quanto à existência, ou não, de objeto jurídico no aborto de anencéfalos.

Inicialmente, convém dizermos que, conforme se depura da lei de doação de órgãos, lei nº 9434/97, com a morte encefálica se torna possível a doação.

Neste caso, como indubitavelmente, para que ocorra tal procedimento é necessário que esteja o doador morto, temos que ele o feto anencéfalo é um natimorto cerebral, estando, portanto, morto para o Direito, já que tal entendimento é depurado da interpretação de uma lei.

Se considerássemos de forma isolada a lei de doação de órgãos e a letra da lei no tipo aborto, "caput", nos depararíamos com uma contradição, pois o ordenamento jurídico estaria trazendo ao mesmo tempo uma norma permissiva e outra proibitiva.

Entretanto, embasando-se na teoria da tipicidade conglobante veremos que o fato deve ser considerado como parte da ordem normativa e não, isoladamente.

Se assim o fizermos, veremos que neste caso haverá um risco permitido, ou seja, que não contraria a norma penal. Deste modo, temos que a antecipação terapêutica do parto não é de forma alguma desarrazoada, mas, sobretudo para garantir a integridade física e psicológica da mãe, além de ao contrário do aborto, não por fim à vida do feto, que na realidade, já está morto.

Diante do exposto, concluímos que se a lei de transplante de órgão autoriza a doação de fetos anencéfalos, o que os declara natimortos, não há porque o Código penal tipificar a interrupção da gravidez nestes casos, pois não há aborto, se não há vida.

1.2.3 Do sujeito passivo

O sujeito passivo é o titular do interesse cuja ofensa constitui a essência do crime[42]. Pode ser constante, ou, formal e, ainda, eventual, ou material.

Sobre o sujeito passivo formal, Damásio[43] preleciona:

Sempre há um sujeito passivo material juridicamente formal, em todo crime, pelo simples fato de ter sido praticado, independentemente de seus efeitos. Esse sujeito passivo formal é o Estado, titular do mandamento proibitivo não observado pelo sujeito ativo.

Há divergências sobre qual seja o sujeito passivo do aborto anencefálico.

Para Damásio, o homem, a pessoa jurídica, o estado e a coletividade podem ser sujeitos passivos materiais.

Para Mirabete, sujeito passivo é o titular do bem jurídico lesado ou ameaçado pela conduta criminosa, ainda, segundo o autor, nada impede que em um delito existam dois ou mais sujeitos passivos.

1.3Evolução histórica da tipicidade

1.3.1 Causalismo

Segundo Von Liszt e Beling (final do século XIX e início da século XX) o tipo penal era puramente objetivo ou formal. Isso significa que o eixo do tipo penal residia na mera causação, ou seja, para se concluir pela tipicidade da conduta, bastava o nexo de causalidade entre a conduta e o resultado.

Neste período, preponderava ainda a teoria da equivalência dos antecedentes, ou, teoria da conditio sine qua non, que nos permitia o denominado regressus ad infinitum.

Para que se evitasse, entretanto, tal absurdo argumentava-se com a ausência de dolo ou culpa na conduta.

Vale dizer que nesta época o dolo e a culpa pertenciam à culpabilidade e com sua ausência, ficava esta afastada. Assim é que, sem dolo ou culpa, o sujeito não respondia pelo crime por falta de culpabilidade, que nesse tempo integrava o conceito de crime.

1.3.2 Neokantismo

Frank, Mayer, Radbruch, Sauer, Mezger, fizeram duras críticas à concepção neutra da tipicidade. Segundo eles: "O tipo não descreve uma conduta neutra, sim uma conduta valorada negativamente pelo legislador (...) o tipo penal não é objetivo e neutro, é objetivo e valorativo, ao mesmo tempo".

Entretanto, apesar de toda ênfase dada ao aspecto valorativo do Direito Penal, o lado subjetivo da tipicidade só viria a ser admitido com a Teoria finalista de Welzel.

1.3.3 Finalismo

Com o finalismo, o tipo penal passou a ser composto por uma dimensão objetiva e outra subjetiva. A dimensão subjetiva era integrada pelo dolo ou culpa, que foram deslocados da culpabilidade para a tipicidade.

Deste modo, por exemplo, o comerciante que vendeu a faca objeto do homicídio, não responde pelo delito por falta de tipicidade e não de culpabilidade.

Assim, já não é preciso que se chegue à culpabilidade para se afastar a sua responsabilidade, sendo resolvida no âmbito da tipicidade.

Para Luiz Flávio Gomes: "Mais relevante para o crime não é o desvalor do resultado, sim, o desvalor da conduta".

Conforme o autor equivocou-se Welzel em sua Teoria, ao admitir a culpa como aspecto subjetivo do delito, vez que, esta é na verdade, normativa, por depender de juízo de valor do juiz.

1.3.4 Funcionalismo

Segundo Roxin e jakobs, o tio penal ganhou tríplice dimensão: objetiva, normativa e subjetiva.

Nas palavras de Luiz Flávio Gomes[44]:

O tipo penal, depois do advento do funcionalismo, não conta só com duas dimensões (a formal-objetiva e subjetiva), sim, com três (formal-objetiva, normativa e subjetiva). Tipicidade penal, portanto, significa tipicidade formal-objetiva + tipicidade normativa (imputação objetiva da conduta e imputação objetiva do resultado) + tipicidade subjetiva (nos crimes dolosos).

Deste modo, temos que do tipo penal passou a fazer parte a imputação objetiva (dimensão normativa do tipo) que se expressa numa dupla exigência: Só é penalmente imputável a conduta que cria ou incrementa um risco proibido, ou seja, juridicamente desaprovado e só é imputável ao agente o resultado que é decorrência direta desse risco proibido.

Sintetizando, temos que quem cria risco permitido não realiza nenhum fato típico por faltar tipicidade normativa. Adiante estudaremos a teoria da tipicidade e conseqüentemente o risco permitido e proibido.

1.3.5 Teoria constitucionalista

Tal Teoria enfoca o delito como ofensa ao bem jurídico protegido, deste modo, não há crime sem lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico.

Vale dizer que por força do princípio da intervenção mínima, essa ofensa deve ser grave e intolerável e o bem jurídico sumamente relevante.

Nas palavras de Luiz Flávio Gomes[45]:

A tipicidade é composta de quatro dimensões: a) tipicidade formal-objetiva + b) tipicidade normativa (imputação objetiva da conduta da conduta e do resultado) + tipicidade material (resultado jurídico relevante = lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico) + tipicidade subjetiva (nos crimes dolosos).

Exemplifica ainda, o autor, senão vejamos:

No caso do homicídio ou do aborto, por exemplo, não basta (para a tipicidade penal) constatar a causação de uma morte ou de um fato abortivo (a parte objetiva-formal) ou mesmo a sua causação dolosa (dimensão objetiva mais subjetiva). Mais que isso (e, aliás, antes da verificação da imputação subjetiva): fundamental agora á perguntar se a conduta causadora da morte foi praticada no contexto de um risco permitido ou proibido, se desse risco derivou um resultado jurídico e se esse resultado jurídico tem direta conexão com o risco criado)[46] ...

E conclui ainda, seu entendimento, o referido autor, verbis:

Nem tudo que foi mecanicamente causado pode ser imputado ao agente como fato pertencente a ele (como obra dele, pela qual deva ser responsabilizado). Aquilo que causa no contexto de um risco permitido (autorizado, razoável) não é juridicamente desaprovado, logo, não é juridicamente imputável ao agente[47]...

2. TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA

2.1 Conceito

Segundo a Teoria da imputação objetiva, não basta que o fato seja formalmente típico, o fato deve ser também, materialmente típico.

Assim, nem sempre a mera subsunção abstrata do fato ao tipo, dita tipicidade formal, é suficiente para responsabilizar criminalmente alguém.

Além disso, torna-se imprescindível a existência de um resultado jurídico, ou seja, é necessário que haja lesão ou exposição de perigo concreto ao bem jurídico.

Nas palavras do brilhante professor Damásio de Jesus[48], imputação objetiva: "é atribuir a alguém a realização de uma conduta criadora de um risco relevante e juridicamente proibido e a produção de um resultado jurídico".

Ainda, neste sentido preleciona o referido autor acerca da Teoria em análise[49]:

O ponto central não é imputar um resultado a um homem segundo o dogma da relação de causalidade material, se ele, realizando determinada conduta, produziu certo resultado naturalístico. O âmago da questão, pois, nós encontramos no plano jurídico e não na área das ciências físicas, reside em estabelecer o critério de imputação do resultado em face de uma conduta no campo normativo, valorativo. Por isso, não põe em destaque o resultado naturalístico, próprio da doutrina causal clássica e do fato típico, e sim, o resultado (ou evento) jurídico, que corresponde à afetação jurídica: lesão ou perigo de lesão do bem penalmente tutelado, o objeto jurídico.

Deste modo, temos que sem a existência de um resultado jurídico relevante, a ponto de justificar a intervenção do Direito Penal, não há que se falar em crime.

Ainda, a ausência de imputação objetiva conduz à atipicidade do fato, pois, o risco quando tolerado não gera adequação típica, não constituindo nenhum tipo incriminador.

Assim, no caso do aborto, não basta que seja analisada a questão da tipicidade formal, vez que esta é insuficiente para se comprovar a tipicidade penal, deve-se, portanto, ir além e investigar se existe tipicidade material.

Nesta linha de pensamento se posiciona Luiz Flávio Gomes, pois, para ele a tipicidade penal é a união da tipicidade formal com a tipicidade material e ainda, segundo ele, faltando uma das duas, não há que se falar em tipicidade penal.

Discorrendo sobre o tema, o autor retro mencionado, assim se manifesta:

O conceito de dano pertence ao mundo natural, ao mundo físico (visível, perceptível). Leia-se: ao mundo da tipicidade formal. Na intervenção cirúrgica bem sucedida há um dano físico, natural; nas lesões esportivas temos danos materiais (fraturas de uma perna, v.g.). Mas dano não é lesão ao bem jurídico, que é um conceito jurídico (valorativo ou axiológico, que pertence à dimensão da tipicidade material). Todos os danos decorrentes de riscos permitidos jamais configuram lesão ao bem jurídico, porque não são valorados negativamente (não são desaprovados). A tipicidade formal é insuficiente (na atualidade) para se comprovar a tipicidade penal. Como já enfatizamos reiteradas vezes: tipicidade penal: tipicidade formal + tipicidade material. Faltando um das duas, não há que se falar em tipicidade penal[50].

O bem jurídico tutelado pela criminalização do aborto é a vida. E esta é a grande questão quando se trata da polêmica em torno da tipicidade do aborto anencefálico, saber se a vida biologia está ou não protegida em caso de fetos anencefálicos, cuja vida precária dará lugar inevitavelmente à morte.

Neste teor se posicionaLuís Flávio Gomes[51]:

No caso de anencefalia, não existe bem juridicamente relevante a ser tutelado, se considerarmos que não se pode estar tutelando uma vida que certamente não existirá, posto que o feto é anencéfalo.

Assim, não restam dúvidas de que o abortamento do feto anencéfalo não é crime, sendo caso de atipicidade da conduta pela ausência de lesividade ao bem jurídico tutelado pelo tipo penal aborto.

2.2 Risco permitido e risco proibido

A teoria em apreço trabalha com os conceitos de risco permitido (que exclui a tipicidade) e risco proibido (a partir do qual a conduta adquire relevância penal).

Discorrendo sobre o risco permitido, o professor Damásio de Jesus[52] nos remete ao seguinte entendimento: "O perigo de um dano é inerente a toda atividade humana. Andar nas calçadas, caminhar por uma trilha ecológica, atravessar uma rua, subir escadas, etc. (...) trata-se de um risco permitido pela ordem jurídica".

Segundo o autor, é possível, ainda, que alguém venha a dar causa a um resultado naturalístico danoso, mesmo realizando uma conduta acobertada por risco permitido.

Ainda, neste sentido, exemplifica:

Dirigindo normalmente no trânsito, envolve-se num acidente automobilístico com vítima pessoal. Neste caso, o comportamento deve ser considerado atípico. Falta a imputação objetiva da conduta, ainda que o evento jurídico seja relevante[53].

Tal ocorre porque o fato de dirigir cumprindo as exigências estabelecidas no CNT é caso de risco permitido, vez que muito embora o ato de conduzir veículo automotor gere, ainda que de forma abstrata um risco de acidente, tal conduta é legalizada pelo ordenamento jurídico.

Assim, se dirigia normalmente, ou seja, de acordo com as normas do CNT e vem a provocar um acidente, tal conduta deve ser considerada fato atípico, mesmo sendo o evento juridicamente relevante. Tal ocorre porque a ação não criou um risco juridicamente relevante de lesão para um bem jurídico.

No aborto anencefálico, não há dúvida de que o risco criado contra o feto é permitido, ou seja, não é juridicamente desarrazoado.

Neste teor, Luiz Flávio Gomes[54]:

No aborto anencefálico não há dúvida de que o risco criado contra o bem jurídico feto não é desarrazoada juridicamente. Todas as normas e princípios constitucionais invocados na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (arts. 1º, IV – dignidade da pessoa humana, 5º II – princípio da legalidade, liberdade e autonomia da vontade; 6º caput e 196 – direito à saúde, todos da CF) conduzem à conclusão de que não se tratando de uma morte (ou antecipação dela) desarrazoada.

Ainda nas palavras do autor, temos que o risco criado quando a interrupção da gravidez se dá em virtude de feto portador de anencefalia não é desarrazoado, porque neste caso se busca a tutela de outros bens, sumamente relevantes, verbo ad verbo:

Pode-se afirmara tudo em relação ao aborto anencefálico, menos que seja um caso de morte arbitrária. Ao contrário, antecipa-se a morte de feto (cuja vida, aliás está cientificamente inviabilizada), mas isso é feito para a tutela de outros interesses sumamente relevantes (saúde da mãe, sobretudo psicológica, dignidade, liberdade, etc..) (...) o fato é atípico justamente porque o risco criado não é desarrazoado.[55]

Por todo o exposto, podemos concluir que, de acordo com a Teoria da imputação objetiva, a interrupção da gravidez em caso de feto portador de anencefalia é fato atípico.

Tal ocorre, por ser esta interrupção um risco permitido pelo ordenamento jurídico, com o intuito de proteger bens sumamente relevantes, como a saúde física e psíquica da mãe, sua liberdade e dignidade.

CONCLUSÃO

Inicialmente, convém fazermos uma breve explanação do que foi dito e provado neste trabalho de monografia.

O feto, como vimos, não possui dignidade humana, sequer relativa, vez que a criminalização do aborto visa a proteção da vida de um ser humano em potencial, assim, faltando essa potencialidade vital, não há que se falar em aborto.

Deste modo é que, conforme se depura da Resolução nº 1.480 de 8 de agosto de 1997 do Conselho Federal de Medicina, os anencéfalos são natimortos cerebrais, sendo mesmo, o resultado de um processo irreversível e sem qualquer possibilidade de sobrevida.

Corroborando este entendimento, a Lei nº 9434/97, lei dos transplantes de órgãos fixa o momento da morte do ser humano como o da morte encefálica.

Ainda, a medicina afirma sem margem de erro que não há possibilidade de vida fora do útero no caso de anencefalia.

Partindo desse diagnóstico, faz-se necessário conceituar aborto. Conforme foi explanado, o aborto é a morte do feto causada pela interrupção da gravidez.

Deste modo, se o feto já estava morto, pois, como vimos o anencéfalo é um natimorto cerebral, não há, no aborto anencefálico violação a qualquer bem juridicamente tutelado.

Resta, portanto atípica a conduta da interrupção da gravidez de feto anencéfalo, vez que, muito embora o nascimento possua expectativa de direitos, uma vez diagnosticada a morte cerebral do feto, não há que se falar em bem jurídico a ser tutelado.

De posse de todas essas considerações é possível chegarmos à seguinte conclusão: o abortamento do feto anencéfalo não é crime, sendo fato atípico pela ausência de lesividade ao bem jurídico tutelado pelo tipo penal aborto, qual seja, a vida.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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COCHARD Larry R., Atlas de Embriologia Humana de Netter, trad. De Casimiro Garcia Fernandéz e Sônia Maria Lauer de Garcia, Porto Alegre: Artmed, 2003, pp. 73 e 74.

ZAFFARONI, Raúl Eugênio, PIRANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral 4. ed. rev. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

JESUS, Damásio E. , Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2002.

DOTTI, René Ariel,1934. Curso de direito penal: parte geral - René Ariel Dotti – Rio de Janeiro: forense, 2002.

DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 6ª ed. atual e ampl. Rio de Janeiro; Renovar, 2002.

REZENDE, Jorge de; MONTENEGRO, B, Carlos Antônio. Obstetrícia. Fundamental. 8ª ed. Rio de Janeiro. Ed. Guanabara Koogan. 1999.

PAPALEO, Celso Cezar. Aborto e contracepção: a atualidade e complexidade da questão.

COSTA JÚNIOR, Paulo José da - 1925 – Comentários ao Código Penal - Paulo José da Costa Júnior – 7 ed. Atual – São Paulo: Saraiva, 2002.

MARTÍNEZ, Stella Maris. La incorporación de lãs decisiones judiciales: um puerte al futuro. Nueva Doctrina Penal - Buenos Aires: Editores Del Puerto, 2000.

COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito Penal Especial. 5ª Ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001.

LOPES, Jair Leonardo. Curso de Direito Penal. Parte geral. 2ª edição, revista, ampliada e atualizada, 1996.

ASUÁ, Luis Jimenes de. Tratado de Derecho Penal. Buenos Aires – ed. Losada, 1976.

COUTINHO, Luiz Augusto. Aborto em casos de anencefalia: crime ou inexigibilidade de conduta diversa? Acessado às 16h do dia 26 de janeiro de 2006, em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto/asp?id=6423.

FREITAS, Ana Clélia. Existe aborto de anencéfalos?. Direito Net, São Paulo, 18 de março. Disponível em http://direitonet.com.br/artigos/x/19/69/1969, acessado em 16 de fevereiro de 2006.

PONTES, Manuel Sabino. A anencefalia e o crime de aborto: atipicidade por ausência de lesividade. Acessado às 18h do dia 26 de janeiro de 2006, em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7538&=2.

TORRES, José Henrique Rodrigues. Aspectos legais do abortamento. Acessado em www.redesaude.org.br/jornal/html/bodv_jrl.8_aspleg.html., em 3 de março de 2006, às 17h.

GOLLOP, Tomás Rafael. A liminar do STF sobre aborto em casos de anencefalia: onde estamos e para onde deveríamos ir? Boletim IBCCRIM – ANO 12 – nº 141 – Agosto – 2004.

FREIRE, Gleuton Brito. Aborto de anencéfalo: Decisão jurídica ou cristã? Boletim IBCCRIM – ANO 12 – nº 149 – Abril – 2005.

PRADO, Antônio. In Sobre a interrupção da gestação de fetos anencefálicos. BOLETIM IBCCRIM – ANO 12 – N° 145 – DEZEMBRO – 2004.

FERRAJOLI, Luigi. A questão do embrião entre direito e moral. Revista do Ministério Público, Lisboa. n 94, abril/junho, 2003, p.16.

5. ANEXOS

5.1 jurisprudências

TIPO DE PROCESSO:
Apelação Crime

NÚMERO:
70012840971

RELATOR:
Marcel Esquivel Hoppe

EMENTA:  APELAÇÃO CRIME. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ. FETO ANENCÉFALO. DOCUMENTOS MÉDICOS COMPROBATÓRIOS. IMPOSSIBILIDADE DE SOBREVIVÊNCIA APÓS O NASCIMENTO. DEFERIMENTO. DERAM PROVIMENTO AO APELO DA DEFESA. (Apelação Crime Nº 70012840971, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcel Esquivel Hoppe, Julgado em 05/10/2005)

TRIBUNAL:
Tribunal de Justiça do RS

DATA DE JULGAMENTO:
05/10/2005

Nº DE FOLHAS:
14

ÓRGÃO JULGADOR:
Primeira Câmara Criminal

COMARCA DE ORIGEM:
Comarca de Osório

SEÇÃO:
CRIME

ASSUNTO:
1. Aborto. Aborto terapêutico. Caracterização. Anencefalia ou acrania do feto. 2. Anencefalia do feto. Caracterização. Ausência de calota craniana. 3. Anencefalia do feto. Autorização judicial para a interrupção terapêutica da gravidez. Fetotomia. 4. Anencefalia do feto. Inviabilidade de vida extra-uterina. Causa de gravidez de alto risco. JULGADOR DE 1º GRAU: MARCELO MAIRON RODRIGUES.

JURISPRUDÊNCIA:
ACR 70006088090. HCO 70010543098. HCO 70009742677. ACR 70011918026. ACR 70005037072.

TIPO DE PROCESSO:
Apelação Crime

NÚMERO:
70011918026

RELATOR:
Elba Aparecida Nicolli Bastos

EMENTA:  APELAÇÂO - ABORTO DE FETO ANENCEFÁLICO E ANACRÂNICO - INDEFERIMENTO - INEXISTÊNCIA DE DISPOSIÇÃO EXPRESSA - CAUSA SUPRA-LEGAL DE INEXIGIBILIDADE DE OUTRA CONDUTA - ANENCEFALIA - IMPOSSIBILIDADE DE VIDA APELAÇÃO - ANTECIPAÇÃO DE PARTO DE FETO ANENCEFÁLICO E ANACRÂNICO - LIMINAR DE SUSPENSÃO DOS PROCESSOS EM ANDAMENTO GARANTINDO DIREITO DA GESTANTE - DEMAIS DISPOSIÇÕES DA LEI 9.882/99 - ARTIGO 11 - MAIORIA DE 2/3 - RELEVÂNCIA DO TEMA - INEXISTÊNCIA DE DISPOSIÇÃO EXPRESSA - CAUSA SUPRA-LEGAL DE INEXIGIBILIDADE DE OUTRA CONDUTA - ANENCEFALIA - IMPOSSIBILIDADE DE VIDA AUTÔNOMA. O feto anencefálico, rigorosamente, não se inclui entre os abortos eugênicos, porque a ausência de encéfalo é incompatível com a vida pós-parto extra-uterina. Embora não incluída a antecipação de parto de fetos anencéfalos nos dispositivos legais vigentes (artigo 128, I, II CP) que excluem a ilicitude, o embasamento pela possibilidade esteia-se em causa supra-legal autônoma de exclusão da culpabilidade por inexigível outra conduta. O "aborto eugênico" decorre de anomalia comprometedora da higidez mental e física do feto que tem possibilidade de vida pós-parto, embora sem qualidade, o que não é o caso presente, atestada a impossibilidade de sobrevivência sem o fluido do corpo materno. Reunidos todos os elementos probatórios fornecidos pela ciência médica, tendo em mente que a norma penal vigente protege a "vida" e não a "falsa vida", legitimada a pretensão da mulher de antecipar o parto de feto com tal anomalia que o torna incompatível com a vida. O direito não pode exigir heroísmo das pessoas, muito menos quando ciente de que a vida do anencéfalo é impossível fora do útero materno. Não há justificativa para prolongar a gestação e o sofrimento físico e psíquico da mãe que tem garantido o direito à dignidade. Não há confronto no caso concreto com o direito à vida porque a morte é certa e o feto só sobrevive às custas do organismo materno. Dentro desta ótica, presente causa de exclusão da culpabilidade (genérica) de natureza supra-legal que dispensa a lei expressa vigente cabe ao judiciário autorizar o procedimento. PROVIDO. (Apelação Crime Nº 70011918026, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elba Aparecida Nicolli Bastos, Julgado em 09/06/2005)

TRIBUNAL:
Tribunal de Justiça do RS

DATA DE JULGAMENTO:
09/06/2005

Nº DE FOLHAS:

ÓRGÃO JULGADOR:
Terceira Câmara Criminal

COMARCA DE ORIGEM:
Comarca de Porto Alegre

SEÇÃO:
CRIME

ASSUNTO:
1. Gravidez. Interrupção. Anencefalia. Cabimento. 2. Aborto. Anencefalia. Feto anencéfalo. Cabimento. 3. Lei expressa. Falta. Dispensa. Quando cabe. Caso de natureza supra-legal. Causa supra-legal. Caracterização. 4. Anencefalia do feto. Autorização judicial para interrupção terapêutica da gravidez. 5. Feto sem cérebro.

REFERÊNCIAS LEGISLATIVAS:
LF-9882 de 1999 art-11 CP-128 inc-I inc-II

EMENTA:  APELAÇAO - ABORTO DE FETO ANENCEFÁLICO - INDEFERIMENTO - INEXISTÊNCIA DE DISPOSIÇÃO EXPRESSA - CAUSA SUPRA LEGAL DE INEXIGIBILIDADE DE OUTRA CONDUTA - ANENCEFALIA - IMPOSSIBILIDADE DE VIDA AUTÔNOMA. PROVIDO. O "aborto eugênico" decorre de anomalia comprometedora da higidez mental e física do feto, mas com possibilidade de vida pós-parto, embora sem qualidade. O feto anencefálico, rigorosamente, não se inclui entre os eugênicos, porque a ausência de encéfalo é incompatível com a vida pós-parto. Embora não incluída a interrupção da gravidez, neste caso, nos dispositivos legais vigentes (artigo 128, I, II CP) que excluem a ilicitude, tem embasamento na causa supralegal autônoma de exclusão da culpabilidade, de inexigibilidade de outra conduta. Reunidos todos os elementos probatórios fornecidos pela ciência médica, tendo em mente que a norma penal vigente protege a "vida" e não a "falsa vida", legitimada a pretensão da mulher de interromper a gravidez. O direito não pode exigir heroísmo das pessoas, muito menos quando ciente de que a vida do anencéfalo é impossível fora do útero materno, não há justificativa para prolongar a gestação e o sofrimento físico e psíquico da mãe. Dentro desta ótica, presente causa de exclusão da culpabilidade de natureza supralegal que dispensa a lei expressa vigente cabe ao judiciário autorizar o procedimento. PROVIDO. (Apelação Crime Nº 70011400355, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elba Aparecida Nicolli Bastos, Julgado em 14/04/2005)

TRIBUNAL:
Tribunal de Justiça do RS

DATA DE JULGAMENTO:
14/04/2005

Nº DE FOLHAS:
8

ÓRGÃO JULGADOR:
Terceira Câmara Criminal

COMARCA DE ORIGEM:
Comarca de Porto Alegre

SEÇÃO:
CRIME

ASSUNTO:
1. Gravidez. Interrupção. Anencefalia. Cabimento. 2. Aborto. Anencefalia. Feto anencéfalo. Cabimento. 3. Lei expressa. Falta. Dispensa. Quando cabe. Caso de natureza supra-legal. Causa supra-legal. Caracterização. 4. Anencefalia do feto. Autorização judicial para interrupção terapêutica da gravidez. 5. Feto sem cérebro.

REFERÊNCIAS LEGISLATIVAS:
CP-128 inc-I inc-II

TIPO DE PROCESSO:
Mandado de Segurança

NÚMERO:
70005577424

RELATOR:
José Antônio Cidade Pitrez

EMENTA:  MANDADO DE SEGURANÇA. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA A INTERRUPÇÃO TERAPÊUTICA DA GRAVIDEZ (fetotomia). É de se deferir tal autorização, ainda que o caso não se enquadre nas hipóteses previstas pelo artigo 128, do CP. A vida da gestante corre sério risco, levando a gravidez a termo, além do que é nula a possibilidade do concepto sobreviver, tendo em vista a anencefalia diagnosticada. SEGURANÇA CONCEDIDA. (Mandado de Segurança Nº 70005577424, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Cidade Pitrez, Julgado em 20/02/2003)

TRIBUNAL:
Tribunal de Justiça do RS

DATA DE JULGAMENTO:
20/02/2003

Nº DE FOLHAS:

ÓRGÃO JULGADOR:
Segunda Câmara Criminal

COMARCA DE ORIGEM:
PORTO ALEGRE

SEÇÃO:
CRIME

ASSUNTO:
1. Aborto. Aborto terapêutico. Caracterização. Anencefalia ou acrania do feto. 2. Anencefalia do feto. Caracterização. Ausência de calota craniana. 3. Anencefalia do feto. Autorização judicial para a interrupção terapêutica da gravidez. Fetotomia. 4. Anencefalia do feto. Inviabilidade de vida extra-uterina. Causa de gravidez de alto risco.

REFERÊNCIAS LEGISLATIVAS:
CP-128.

TIPO DE PROCESSO:
Apelação Crime

NÚMERO:
70005037072

RELATOR:
José Antônio Hirt Preiss

EMENTA:  APELAÇÃO CRIME. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA ABORTO EUGENÉSICO. ANENCEFALIA DO FETO. IMPOSSIBILIDADE DE SOBREVIVÊNCIA APÓS O NASCIMENTO. PROLONGAMENTO DA GESTAÇÃO A IMPLICAR SÉRIO RISCO DE VIDA À GESTANTE. CUNHO TERAPÊUTICO DA INTERVENÇÃO. A anencefalia ou acrania é uma doença caraterizada pela ausência de ossos do crânio e do encéfalo fetal na vida intra-uterina, o que toma impossível a sobrevivência após o nascimento. E, como patologia de risco, é causa de morbimortalidade materna. Em que pese não estar o aborto eugenésico incluído no art. 128 do Código Penal, como mais uma indicação de causa excludente de ilicitude, tal circunstância não impede a sua realização quando se está a tratar de caso de malformação fetal, especialmente a anencefalia, pois esta acarreta a absoluta inviabilidade de vida extra uterina e implica gravidez de alto risco. No caso concreto, a indicação da interrupção precoce da gravidez da autora tem caráter não apenas eugênico, mas também terapêutico, pois visa salvar, conforme parecer médico juntado aos autos, a vida da gestante. Apelo defensivo provido para deferir o pedido, com fulcro no art. 128, inciso 1, do Código Penal. Decisão unânime. APELACAO CRIME. AUTORIZACAO JUDICIAL PARA ABORTO EUGENESICO. ANENCEFALIA DO FETO. IMPOSSIBILIDADE DE SOBREVIVENCIA APOS O NASCIMENTO. PROLONGAMENTO DA GESTACAO A IMPLICAR SERIO RISCO DE VIDA A GESTANTE. CUNHO TERAPEUTICO DA INTERVENCAO. A ANENCEFALIA OU ACRANIA E UMA DOENCA CARACTERIZADA PELA AUSENCIA DE OSSOS DO CRANIO E DO ENCEFALO FETAL NA VIDA INTRA-UTERINA, O QUE TORNA IMPOSSIVEL A SOBREVIVENCIA APOS O NASCIMENTO. E, COMO PATOLOGIA DE RISCO, E CAUSA DE MORBIMORTALIDADE MATERNA. EM QUE PESE NAO ESTAR O ABORTO EUGENESICO INCLUIDO NO ART. 128 DO CODIGO PENAL, COMO MAIS UMA INDICACAO DE CAUSA EXCLUDENTE DE ILICITUDE, TAL CIRCUNSTANCIA NAO IMPEDE A SUA REALIZACAO QUANDO SE ESTA A TRATAR DE CASO DE MALFORMACAO FETAL, ESPECIALMENTE A ANENCEFALIA, POIS ESTA ACARRETA A ABSOLUTA INVIABILIDADE DE VIDA EXTRA-UTERINA E IMPLICA GRAVIDEZ DE ALTO RISCO. NO CASO CONCRETO, A INDICACAO DE INTERRUPCAO PRECOCE DA GRAVIDEZ DA AUTORA TEM CARATER NAO APENAS EUGENICO, MAS TAMBEM TERAPEUTICO, POIS VISA SALVAR, CONFORME PARECER MEDICO JUNTADO AOS AUTOS, A VIDA DA GESTANTE. APELO DEFENSIVO PROVIDO PARA DEFERIR O PEDIDO, COM FULCRO NO ART. 128, INCISO I, DO CODIGO PENAL. DECISAO UNANIME. (12 FLS) (Apelação Crime Nº 70005037072, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Hirt Preiss, Julgado em 12/09/2002)



Autor: Aquiles Mauriz


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