?TEOLOGIA?: ETIMOLOGIA E DEFINIÇÕES
Se perguntarmos a dez físicos "o que é a física", eles responderão, provavelmente, de maneira parecida. O mesmo se passará, provavelmente, se perguntarmos a dez químicos "o que é a química". Mas se perguntarmos a dez teólogos, "o que é a teologia", três ficarão em silencio, três darão respostas pela tangente, e as respostas dos outros quatros vão ser tão desencontradas que só mesmo outro teólogo para entender que o silencio de uns e as respostas dos outros são todas abordagens possíveis a questão proposta. Essa é hoje a atual situação para definir o que "é a teologia".
Explicar o "que é a teologia" ou mesmo demonstrar "a necessidade da teologia", tem gerado opiniões diferentes no mundo teológico, e isso não somente no meio acadêmico, mas também dentro da própria igreja. Contudo, embora as divergências teológicas sejam reais, a maioria dos teólogos(as), tanto católicos quanto protestantes, grosso modo, costumam definir a teologia como sendo o "estudo de Deus". Vejamos algumas definições clássicas a respeito da teologia:
1. "é a ciência dos fatos da revelação divina até onde esses fatos dizem respeito à natureza de Deus e à nossa relação com ele, como suas criaturas, como pecadores e como sujeitos da redenção" - Charles Hodge .
2. " é a ciência que extrai o conhecimento de Deus de Sua revelação, que estuda e pensa sobre ela sob a orientação do Espírito Santo, e então tenta descrevê-la de forma a honrar a Deus" ? Herman Bavink .
3. "é a ciência de Deus e das relações entre Deus e o universo." ? Augustus Strong .
4. "De maneira sintética, dizemos que a teologia cristã é uma reflexão, sistemática e crítica, esperançada e sábia, sobre a fé cristã, vivida e transmitida nas comunidades eclesiais, a serviço da evangelização. ? Afonso Murad.
A palavra ?teologia?, assim como outros termos teológicos (Trindade, por exemplo) não se acha escrito na Bíblia. O termo é mais uma das heranças que o cristianismo adquiriu do mundo grego antigo no correr da sua história . Antes mesmo do surgimento do cristianismo, na Grécia clássica, os poetas gregos já recebiam o título de "teólogos" por compor e discursar versos para os deuses . "Homero e Hesíodo narraram as estórias a respeito dos deuses usando o veículo especial do mito; a teologia deles era mítica" . "Sócrates se referia a uma das três disciplinas da filosofia teórica como "teologia". Essa disciplina ficou conhecida mais tarde como "metafísica" ou ?metà ta physiká? . Platão (427-347 a.C) por sua vez, usou o termo "teologia" para exprimir o discurso crítico-racional sobre os deuses da mitologia . Com Aristóteles (384-322 a.C), o termo já é usado para se referir ao estudo do ?Ser? mais excelente ou supremo . Neste caso, "Aristóteles já delimita para a teologia determinado campo de saber, além de, às vezes, usá-lo também no sentido de fábulas mitológicas" .
Ao que se sabe, no início das primeiras comunidades cristãs, não "existia" teologia nesse sentido organizado e sistemático como se conhece hoje, não havia sequer o emprego da palavra teologia pela comunidade cristã . No cristianismo, o uso do termo teologia começou a ser usado primeiro pelos cristãos do Oriente, mais precisamente na Escola de Alexandria (Clemente e Orígenes) para se referir ao conhecimento cristão de Deus . "No Ocidente, até a Idade Média pouco se falava em ?teologia?. Faz-se teologia sob o nome agostiniano de Doutrina sagrada" . Para Santo Agostinho (354-431?) e outros pensadores cristãos de sua época, a teologia não se ocupava de todo o corpo da doutrina cristã, mas somente da ?Doutrina de Deus? . Nesta época, a ?Doutrina de Deus? era uma disciplina específica que estudava o ?Ser de Deus? da mesma forma que hoje, por exemplo, a ?eclesiologia´, estuda tão somente sobre um único assunto, a saber, a Igreja.
É na escolástica que o termo teologia começa a ser usado para se referir não apenas ao estudo do ?Ser de Deus?, mas dessa vez a "todo o corpo da doutrina cristã". Esta mudança tem possivelmente uma relação com o desenvolvimento das primeiras universidades que surgiram na Europa por volta dos séculos XII e XIII . Assim, Alister McGrath faz a seguinte observação:
"Embora inicialmente o termo ?teologia? significasse a ?doutrina de Deus?, o termo adquiriu sutilmente um novo sentido, nos séculos XII e XIII, à medida que a Universidade de Paris começou a se desenvolver. Era necessário encontrar uma designação para o estudo sistemático de nível universitário, voltado à fé cristã. A expressão latina theologia, sob a influencia de escritores parisienses como Pedro Abelardo e Gilberto de la Porree, passou a significar ?a disciplina da ciência sagrada? que abrangia a totalidade da doutrina cristã, e não somente a doutrina de Deus"(MCGRATH, 2005. p.176).
Embora Pedro Abelardo (1079-1142) tenha usado o termo teologia para se referir ao estudo "científico da fé", abrangendo assim a totalidade da doutrina cristã, Tomás de Aquino (1225-1274) preferia usar o termo "Doutrina Sagrada" em lugar do termo teologia . Referindo-se ao modo como era usado o termo teologia no período da escolástica, o teólogo João Batista Libanio faz a seguinte observação:
"No mundo latino, Abelardo usa-o em sentido teológico cristão para referir-se ao tratado sobre Deus, enquanto se empregava o termo ?beneficia? para a teologia sobre Cristo. Apesar desse uso de Abelardo, a escolástica preferiu outros nomes para teologia: ?doctrina crhistiana?, ?doctrina divina?, ?sacra doctrina?, ?divina institutio?, ?divinitas?, ?scriptura?, ?sacra Pagina?. Santo Tomás manuseia os termos ?sacra doctrina? ou doctrina crhistiana? e raramente o termo ?theologia?, e num sentido diferente do atual. O termo ?theologia? não se firmara na alta escolástica"(LIBANIO, 1996, p. 66).
Parece que aqui a "divergência" estava apenas na questão da escolha do termo adequado para se referir ao conjunto de ideias que davam origem ao estudo das "coisas sagradas" - doctrina crhistiana?, ?doctrina divina?, ?sacra doctrina?, ?divina institutio?, ?divinitas?, ou teologia? No mais, vê-se que neste período, independente do termo que se usava, já se pensava teologia como uma "discussão sistemática das convicções cristãs em geral, e não apenas, e somente, de crenças acerca de Deus" .
Esta conclusão pode ser evidenciada em trabalhos como, por exemplo, a obra "Quatro livros de sentenças" do teólogo Pedro Lombardo (1100-1160 ?) . Combinando textos da Bíblia com autores patrísticos, esta obra foi dividida em quatro tópicos: o primeiro tratava da Trindade; o segundo, da criação e do pecado; o terceiro, da encarnação e da vida cristã; e o quarto e último livro, sobre os sacramentos e os últimos dias . Percebe-se que neste período já era possível encontrar um trabalho teológico organizado que discutia sobre vários temas relacionados à fé cristã .
Um desdobramento posterior ocorreu mais tarde no campo da teologia. O romper da "modernidade" provocou uma série de mudanças no campo das ciências, sobretudo na área teológica . Neste período a teologia passou também a se ocupar com o estudo do fenômeno humano da religião . Por fenômeno humano da religião se entendia o estudo teológico por um viés antropológico e sociológico das religiões . "Mais tarde abriu-se uma brecha entre as abordagens histórica e dogmática da teologia. A pesquisa histórica optou por uma completa liberdade dos controles dogmáticos também no Seminário Teológico" . O teólogo alemão Friedrich Schleiermacher (1768-1834) , tido como o pai do liberalismo teológico, foi talvez o primeiro teólogo protestante a propor mudanças "radicais" na ortodoxia para harmonizar o cristianismo com o Zeitgeist (o espírito da era) do iluminismo . Contudo, o objetivo de Schleiermacher não era, como se pensa, negar certas crenças tradicionais, mas antes transformar o pensamento cristão à luz da filosofia, da ciência e da erudição bíblica moderna . Aos poucos o estudo teológico que se ocupava com os dogmas referentes ao Deus Triúno e a fé cristológica da Igreja foram dando lugar a novos aportes.
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Autor: Ivan Macedo Fraga
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