Relações entre "O Mal-estar na cultura", de S. Freud e a biografia de Olga Benario, vítima do nazismo
Para tanto esse estudo tem como objetivo principal verificar como se estabeleceu a intensa relação entre Olga e o movimento comunista, que regeu sua vida e fez com que ela lutasse por essa causa até o último dia de sua vida. Devido ao fato de Foi executada em uma câmara de gás em Bernburg, um dos inúmeros campos de concentração nazista. Dentre os aspectos que foram analisados estão: como o ser humano articula maneiras de realização pessoal, modos de alcançar a felicidade, formas de evitar o sofrimento, exigências da sociedade.
Olga Gutmann Benario iniciou sua carreira como militante do Partido Comunista Alemão e, devido à sua ousadia e dedicação extremas, tornou-se referência para outros jovens, vindo a ser solicitada para uma série de tarefas de extrema importância. Fez uso de seus vastos estudos acerca do assunto, baseados em grandes escritores e pensadores alemães, ganhando notoriedade e respeito, tornando-se assim, mais tarde, conhecida como um dos maiores nomes da luta comunista no mundo.
"No auge da paixão, a fronteira entre o eu e o objeto ameaça desvanecer-se. Contrariando todos os testemunhos dos sentidos, o apaixonado afirma que o eu e você são um só, e está pronto para se comportar como se assim fosse." (FREUD, 1930). Olga abdicou da maioria dos prazeres da liberdade, afinal estava completamente comprometida com o comunismo. O trabalho trazia-lhe tão grande satisfação quanto um grande amor carnal poderia proporcionar-lhe. Dedicava-se com afinco e sem descanso à luta contra a miséria. Logo no início de sua carreira no Partido, envolve-seu com um militante experiente, Otto Braun. Relacionaram-se por alguns anos, no entanto, Olga não tinha tempo para relacionamentos amorosos, devido à quantidade de horas que dedicava, todos os dias, a suas tarefas como revolucionária. Para FREUD (1930), o que não queremos abrir mão, pelo simples fato de proporcionar prazer, já não faz mais parte do eu, torna-se objeto. A causa pela qual Olga lutava, fazia parte de seu ser, como se fossem um só. Esse era o seu sopro de vida, que tornava-a completa e realizada.
Para que se reconheça um mundo externo, além dessas relações internas intensas de plenitude que o ser humano encontra em algo ou em alguém, existe um estímulo dado pelas frequentes, variadas e inevitáveis sensações de dor e desprazer, as quais o princípio do prazer ordena suprimir e evitar. (FREUD, 1930). Benario foi acusada de ações subversivas e presa, experimentando essas sensações desagradáveis, que poderiam tê-la feito desistir, ou, pelo menos, hesitar em levar adiante a sua luta. Mas sua determinação fez com que persistisse nesse ideal igualitário. Após ser libertada da prisão, foi para a União Soviética, onde passou a trabalhar na Internacional Comunista. Conheceu Luís Carlos Prestes, líder revolucionário brasileiro de extrema importância, devido ao alcance de sua Coluna, conhecida por percorrer grande parte do Brasil e outros territórios em busca de melhores condições de vida para a população. Após sua formação militar, Olga foi destinada a acompanhá-lo ao Brasil, onde este lideraria a Intentona Comunista, tentativa de golpe contra o governo de Getúlio Vargas (www.wikipedia.org).
Benario e Prestes apaixonaram-se e passaram a viver juntos. Embora tenha vivido esse amor, Olga sempre priorizou a causa comunista. Segundo FREUD (1930), o amor também é considerado procedimento para afastar o sofrimento. Entretanto, o amor entre indivíduos, homem e mulher, não lhe bastava. Ainda assim, Olga engravidou. Prestes só recebeu a notícia quando estava preso, devido ao fracasso da Intentona. Mesmo grávida, Olga foi deportada para a Alemanha nazista e entregue à Gestapo (polícia política alemã). Foi enviada para um campo de concentração, onde deu à luz Anita Leocádia Prestes. Algum tempo depois, foi mandada para Ravensbrück (o primeiro campo exclusivo para mulheres), onde ainda demonstrou sua habilidade nata em comandar: tornou-se líder do bloco onde dormia e deu aulas a outras presas. Pode-se atribuir esse impulso de vida e essa determinação de lutar por suas crenças a uma forma de evitar o sofrimento. (FREUD, 1930)
Anita permaneceu ao lado de sua mãe durante 14 meses, para que pudesse ser amamentada. Logo após, foi entregue aos cuidados da avó. Mas isso Olga só foi saber tempos depois. Sua expressão no livro que retrata a biografia da comunista remete o leitor a um dos mais tristes e emocionantes retratos do sofrimento alheio já vista: uma filha, ainda bebê, sendo arrancada dos braços de uma mãe. O sonho de reencontrar a filha após a sua libertação também deve ter servido de pulsão para Olga continuar sobrevivendo em meio a tantas atrocidades.
FREUD (1930) destaca que a busca pela felicidade e pela realização pessoal faz parte dos seres humanos. A aspiração à felicidade tem duas metas uma positiva e outra negativa. Uma é a ausência de dor e desprazer, outra é a vivência de sensações intensas de prazer. Essa última é a finalidade da vida ? o princípio do prazer, sendo este irrealizável, visto que todas as disposições do universo o contrariam e a sua própria constituição psíquica também é obstáculo a essa realização. Olga talvez tenha buscado realizar-se mediante a ação.
Algum episódio ocorre na vida dos seres humanos, ao longo do seu desenvolvimento, causando-lhes uma ruptura em sua constituição. "Aí existe uma falha, como de resto sempre há uma falha onde se possui um único exemplar de alguma coisa." (KAFKA, 1998). As memórias guardam a história de cada pessoa e os episódios vivenciados ? traumáticos ou não ? constituem a subjetividade de cada um. "Na vida psíquica, nada que uma vez se formou pode perecer, tudo permanece conservado de alguma forma e pode ser trazido novamente à luz sob condições apropriadas." (FREUD, 1930)
Olga poderia ter tido uma ruptura no vínculo familiar que influenciou no seu modo-indivíduo; poderia também ter sido movida por um determinado sentimento de exclusão social, visto que vivia em um país afetado pela crise, com inúmeras pessoas morrendo de fome, e onde ela tinha tudo o que desejasse. Logo, essa falta de um objeto de desejo, pode ter transformando-se em impulso para engajar-se numa causa tão difícil, que acabou por custar-lhe a vida.
O Nazismo Alemão
Numa tentativa de entender como ocorreu o fenômeno do Nazismo Alemão, onde uma nação (quase) inteira foi guiada pelas crenças de um único ser, o qual imperou absoluto durante seu governo ditatorial. Essa forma de massificação passou a ter representação a partir de uma crise econômica, gerada após a assinatura do Tratado de Versalhes (que impôs condições humilhantes aos alemães, devido à sua derrota na Primeira Guerra Mundial ) que deixou mais de 6 milhões de desempregados no país.
Nesse contexto de mal-estar dominante, os milhões de desempregados, bem como muitos integrantes dos grupos dominantes, passaram a acreditar nas promessas de Hitler de transformar a Alemanha num país rico e poderoso. No poder, Hitler conseguiu rapidamente que o Parlamento aprovasse uma lei que lhe permitia governar sem dar satisfação de seus atos a ninguém. E assim iniciaram-se as atrocidades cometidas e o genocídio humano, do qual foram alvo principal os judeus, os comunistas, os homossexuais e todas as outras pessoas que não pertencessem à chamada raça ariana (considerada superior, com base na teoria do Darwinismo Social).
Entretanto, o que desamparo inerente ao ser humano (FREUD,1930), no caso discutido, o desamparo de toda uma população, pode ter feito com que Hitler não tenha sido impedido de cometer tais crimes contra a humanidade. Com suas promessas de suprir as necessidades de sua Nação e de devolver a auto-estima e vingar a Alemanha, conquistou seguidores que foram condescendentes com suas atitudes, tornando-as inquestionáveis. Freud concorda com Kant no que esse afirma que os piores tiranos são aqueles que querem obrigar ao povo a ser feliz, segundo a maneira que eles, os tiranos, indiquem-lhes. É o que ocorre nesse momento da História.
Segundo FREUD (1930), o ser humano tenta fazer de tudo para fugir do desamparo e da angústia da solidão, daí sua necessidade constante de construir e elaborar ideologias salvadoras, como, no caso discutido ao longo desse artigo, o ideal libertário de Olga Benario. "Lutei pelo justo, pelo bom, pelo melhor do mundo." O sonho de um mundo melhor, conforme é dito por ela, ao final de sua vida, reflete, talvez, uma busca de realização pessoal, mediante a ação. A seu instinto de sobrevivência pode ter sido coordenado pela vontade de acabar com o mal-estar que a miséria humana traz consigo, não apenas por bondade e pelo ideal igualitário, mas também pela possibilidade de alcançar a felicidade própria, no momento em que sua vida não teria sido medíocre e sim cheia de realizações e feitos humanitários.
O que poderia explicar a vivência de tanto sofrimento e privação senão a busca pela sua própria plenitude? Olga tentou viver à margem da sociedade do seu tempo, buscando uma maneira singular de agir em prol de suas crenças. Acreditou e lutou com determinação e ousadia, para uma mudança na sociedade e, porventura, para uma mudança em si mesma.
REFERÊNCIAS
FREUD, S. (1930) O Mal Estar na Cultura. (Traduzido por Renato Zwick) Porto Alegre: L&PM, 2010.
GUATTARI, F., ROLNIK, S., (1986) Cartografias do desejo. Subjetividade e História (pp. 25-30). Rio de Janeiro: Vozes,1986.
KAFKA, F. (1998). Um artista da fome e A construção. A construção (p. 70) São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
MORAIS, F. (1994). Olga. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
Autor: Daiane Silva De Souza
Artigos Relacionados
Os 100 Anos De Recordação De Olga Benário No Campo Historiográfico Da Teoria Marxista
Essa é Uma História... Ou é Uma Estória?
Entrevista Com Jovem Moradora Do Assentamento Olga Benário Em Ipameri - Goiás
O Homem é O Lobo Do Homem, Um Relapso Em Cisne Negro
A Constituição De 1934
Sistematização Teórica Dos Destinos Do Conceito De Angústia Na Trajetória Do Pensamento De Freud
A Questão Da Nacionalidade Na Obra De Delius.