A sucessão do companheiro no novo Código Civil



Dentre as inovações trazidas pelo Código Civil de 2002 no tocante ao Direito Sucessório, destacam-se as disposições acerca da sucessão da companheira, o que não era previsto na legislação anteriormente vigente.

É de dizer que o legislador tratou a sucessão do cônjuge e dos companheiros de forma distinta.

Nos dizeres de Sílvio Salvo Venosa:

"...Poderia o legislador ter optado em fazer a união estável equivalente ao casamento, mas não o fez. Preferiu estabelecer um sistema sucessório isolado, no qual o companheiro nem é equiparado ao cônjuge nem se estabelecem regras claras para sua sucessão (...) Como examinamos, embora haja o reconhecimento constitucional, as semelhanças entre o casamento e a união estável restringem-se apenas aos elementos essenciais..."1 .

Frise-se, de início, que, no âmbito do Direito de Família, o art. 1.725 do novo Código Civil determina expressamente que o regime legal da união estável é o da comunhão parcial de bens. Ou seja, na falta de disposição em contrário pelos companheiros, exteriorizada através de contrato escrito, regulará as relações patrimoniais entre eles o regime da comunhão parcial de bens. Nesse ponto, o legislador igualou a condição do companheiro à do cônjuge, cujo regime legal é o mesmo, conforme acordo com o art. 1.640 do mesmo diploma.

No regime de comunhão parcial os bens comunicáveis são aqueles adquiridos depois do casamento ou após a constituição da união estável, excetuando-se, em qualquer dos casos, os bens apontados no art. 1.659 do Código Civil.

Tratando-se do companheiro, com a morte do convivente, terá direito à meação em relação aos mencionados bens comunicáveis, já que houve a dissolução da sociedade afetiva. Isso porque essa parte do patrimônio já lhe pertencia desde a constituição da união estável, em decorrência das regras do Direito de Família, de modo que não sequer transferência de bens.

Relativamente à metade restante do patrimônio, ocorrerá a sucessão conforme estabelece o inovador art. 1.790. Relativamente a esta metade, dispôs o legislador que o companheiro "participará" da sucessão do outro, evitando classifica-lo como herdeiro.

Venosa não poupa críticas à referida diferenciação:

"...A impressão que o dispositivo transmite é de que o legislador teve rebuços em classificar a companheira ou companheiro como herdeiros, procurando evitar percalços e críticas sociais, não os colocando definitivamente na disciplina da ordem de vocação hereditária. Desse modo, afirma eufemisticamente que o consorte da união estável "participará" da sucessão, como se pudesse haver um meio-termo entre herdeiro e mero "participante" da herança..."2.

Da forma como dispõe o art. 1.790 do Código Civil, o companheiro concorre com os filhos comuns e, nesse caso, receberá cota correspondente à dos filhos. Concorrerá também com os descendentes só do falecido, recebendo, aqui, metade do que couber a cada um destes. Se concorrer com outros parentes terá direito a um terço da herança e, se não houver parentes sucessíveis, tocar-lhe-á a totalidade da herança.

Quando o dispositivo trata da concorrência do companheiro com descendentes comuns, ou só do falecido, esta ocorre apenas quanto aos bens adquiridos onerosamente durante a constância da união estável e após a retirada da meação do companheiro.

Por outro lado, a concorrência do companheiro sobrevivente com outros parentes do de cujus estende-se a toda a herança. Tal conclusão decorre da exegese do art. 1.790 da Lei Civil. Os incisos I e II desse artigo, que tratam da concorrência entre o companheiro e os filhos, referem-se ao caput que fala que o companheiro sobrevivente participará na sucessão do outro quanto aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável. Já os incisos III e IV, que tratam da concorrência com os demais parentes, se referem à herança como um todo.

Ocorre que, como já dito, o novo Código Civil estabeleceu distinções quanto à sucessão dos cônjuges e dos companheiros. Assim, no que tange à sucessão do cônjuge, casado pelo regime da comunhão parcial de bens, este poderá levar desvantagem com relação ao companheiro na mesma situação

As normas aplicáveis à sucessão entre cônjuges são estabelecidas nos artigos 1.829 e seguintes do Código Civil. Observe-se que a concorrência entre cônjuge e descendentes somente ocorre quanto ao acervo de bens em que não há direito de meação, conforme o art. 1.829 da Lei Civil.

A meação do cônjuge se dá com relação aos bens adquiridos durante a vida conjugal, e a herança recai sobre os bens particulares do falecido. Só quanto a estes é que acontece a concorrência estabelecida no art. 1.829, I, do Código Civil. Não há sucessão do cônjuge e muito menos concorrência com relação aos bens comuns. E a meação, como na união estável, já pertence ao cônjuge desde a realização do casamento.

As distorções ocorrem em razão de que, no caso do cônjuge, a meação e a herança recaem sobre patrimônios diversos.

Quando não existirem bens particulares do morto, isto é, se todo o patrimônio for formado na vigência da união estável ou do casamento, tendo o casal um filho, a companheira sobrevivente terá direito a 75% do patrimônio, conforme já visto, e o filho comum ficará com os 25% restantes. Já o cônjuge vivo, na mesma situação, receberá apenas 50% dos bens, a título de meação. Nesse caso, como não existiam bens particulares, também não haverá concorrência da mãe com o filho. Este herdará os 50% do patrimônio que restaram depois de retirada a meação da viúva.

É nítido que o legislador, ao recear dar tratamento igual ao cônjuge e ao companheiro, colocando ambos na ordem de vocação hereditária, acabou por criar distorções que prejudicam não só o companheiro, mas também o próprio cônjuge.

É espantoso notar que em pleno século XXI o moralismo ainda influa onde não deveria, acabando por prejudicar a boa técnica jurídica e criando, assim, distorções socialmente indesejáveis, o que se verifica não só com relação ao tema ora tratado, mas em relação a diversos institutos do Direito, mormente aqueles que tem impacto mais direto na vida das pessoas e, por conseguinte, maior repercussão social.


Notas:

1 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões.
7ª ed. São Paulo : Atlas, 2007. p. 113.

2 VENOSA, Silvio de Salvo. op. cit. p. 119.

Bibliografia:

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões.
7ª ed. São Paulo : Atlas, 2007.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro.
São Paulo : Saraiva, 2007.

Autor: Vitor Paschoalick


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