Um brilho especial.



Um Brilho Especial



Silêncio.
Estava tudo tão quieto, tão estranho aquela noite.
Por quê? ? Perguntou-se Clarisse.
Havia no ar uma sensação de vazio, e dentro dela, uma vontade de gritar, de correr, de sair pelas ruas, mas... sair pra onde? Pra que?
Olhou pela janela, para o relógio e novamente para a janela, e através dos vidros respingados pela fina chuva que caía, vislumbrou os carros lá embaixo, passando lentos, como se fossem uma procissão de luzes multicoloridas, indo e vindo. Parecendo pequenos arco-íris.
Olhou para o céu. Tudo negro. Torceu as mãos nervosamente, abraçou a si mesma, segurando firme os seus próprios ombros.
Suspirou profundamente, andou a passos lentos até o sofá, sentou-se e acendeu um cigarro, nem lembrou que havia apagado outro há poucos instantes. Continuou lentamente experimentando à cada tragada, uma sensação diferente. Fechou os olhos, como se quisesse cair em um vácuo.
- O que está acontecendo? ? Perguntou a si mesma.
- Por que essa sensação de solidão?Essa inquietude? Essa ansiedade?
Deu outra tragada.
Não conseguia achar uma resposta plausível.
Logo ela, uma mulher cheia de vida, de amigos. ? É isso. ? Pensou ela. ? Meus amigos. Bem que eu poderia telefonar para um deles e pronto, acabava logo com essa agonia.
? Não. Não. ? Pensou ela. - Isso não adiantaria nada.
Quem sabe a Tina não tivesse alguma sugestão. ? Pensou.
- Não. Nem Tina, nem Sandra, nem ... - Suspirou profundamente.
Ninguém poderia ajudá-la porque, na realidade, ela não queria ver ninguém.
Mas, desde quando ela estava se sentindo assim? ? Perguntou-se.
Começou a fazer um retrospecto dos acontecimentos dos últimos dias, a fim de descobrir o motivo. Não lembrava de ter tido nenhum aborrecimento sério, nem em casa, nem no trabalho, com algum amigo, enfim, nada que deixasse alguma mágoa ou rancor. O telefone tocou. Era Cíntia, ávida para lhe contar das fofocas da reunião, na casa dela, à noite passada. Enquanto Cíntia falava, falava, os seus pensamentos foram tomando forma, se concatenando.
Então, lembrou-se que começara a se sentir assim, desde que fora à reunião na casa de Tina, há uma semana atrás. Deu uma desculpa à Cíntia, para cortar o assunto, e despediu-se da amiga. A sensação de mal estar, ansiedade, inquietude, finalmente começara a se revelar, tinham uma razão sim. E essa razão tinha um nome... Caco. Ela sentiu um tremor percorrer-lhe o corpo..
Começou a andar de um lado para o outro, pensativa. Por que esse nome havia mexido tanto com ela? Por quê? Fechou os olhos, e lembrou-se de quando o encontrara pela primeira vez.
Haviam estado juntos na casa de Tina, em uma reunião informal, que de vez em quando a turma costumava fazer. Lembrou que, de repente, em meio aquele papo, uísques e risos, ela se sentira observada. Com o olhar procurou a causa daquela sensação e, então, deparou-se com o olhar mais doce que jamais vira em toda a sua vida. Sentiu-se invadida, penetrada e, hipnoticamente presa a ele. Haviam-se passados segundos, mas pareceram séculos. Lembrou que desviara o olhar e tentara continuar conversando com as pessoas, mas havia se perdido. Não conseguira mais participar do papo.
Ficara apenas observando as amigas conversando e com uma vontade louca de olhar para o dono daquele olhar novamente. Seu senso feminino lhe dizia que ele insistia em observá-la. Mas, o seu orgulho feminino, não permitira que ela olhasse novamente para ele.
- Maldito orgulho ? resmungou baixinho.
E agora, ali sentada na sua sala, abriu os olhos e finalmente reconheceu. Estava apaixonada.
- Mas como? Se nem sequer havia tocado nele, falado com ele, nada. Isso é uma loucura. ? Instintivamente levantou-se e começou a caminhar de um lado para o outro, pensando.
- Ou eu sou, ou estou completamente louca ? Censurou-se entre dentes, baixinho.
Lembrou que Tina, na reunião, o havia apresentado a todos de uma vez só.
- Atenção pessoal! Este aqui é o Carlos, mas podem chamá-lo de Caco, né querido? ? Dissera ela.
Lembrou-se do modo ingênuo de sorrir e da mão direita dele, timidamente levantada, cumprimentando a todos e novamente seus olhos se encontraram, mas desta vez, a euforia de Tina não permitiu que ele continuasse a olhá-la.
Então, enquanto Tina se afastava com ele, em direção à cozinha, ela acompanhara-o, discretamente, com o olhar, observara o seu perfil, sua altura, seu cabelo, tudo, tudo, até o jeito dele segurar o cigarro. Riu de si mesma. De repente, ficou séria e repetiu: - Isso é loucura, meu Deus. Como é que pode, eu, uma mulher atualizada, antenada, independente e bem resolvida, posso estar apaixonada assim por alguém que não conheço, nem sei quem é, nem de onde veio e nem sei se o verei outra vez. E ao pensar nisso, seu coração sobressaltou-se. Não. Ela não queria que fosse assim. No fundo, queria vê-lo mais uma vez sim, queria ter a oportunidade de conversar com ele, conhecê-lo melhor, quem sabe até... Suspirou profundamente, e deixou-se cair sentada no sofá novamente, colocando o rosto entre as mãos e ficou ali. Não estava chorando, apenas ficou assim por vários minutos, procurando não pensar em nada.
De repente, a campainha tocou. Ela levantou-se, lânguida e preguiçosamente, como se estivesse carregando um peso enorme sobre os ombros, e foi atender à porta. Abriu e...
Boa noite. - Disse ele.
Clarisse quase teve uma síncope cardíaca. Piscou várias vezes, como se não acreditasse no que estava vendo. Á sua frente, em carne e osso, com o mesmo sorriso ingênuo e aquele olhar extremamente doce, estava... Caco. Olhando-a meio intrigado, possivelmente, estranhando a expressão dela.
Ela tentou disfarçar a surpresa e a sua cara de espanto e reunindo todas as suas forças, respondeu-lhe:
- Bo..Boa noite. Como vai?
Seu corpo parecia uma fogueira. Todas as células do seu corpo pareciam queimar. Suas faces, normalmente rosadas, pareciam dois sóis.
Ele, rapidamente, um pouco nervoso e atropelando as palavras, explicou que tomara a liberdade de pedir o endereço dela à sua amiga Tina, e que esperava sinceramente que ela não o levasse a mal. Que não queria aborrecê-la e que... Parou de falar e deu um sorriso. Ela também sorriu, meio sem jeito. E ficaram ali, os dois, sem saber exatamente o que dizer, um olhando pro outro.
O telefone tocou novamente.
- Oh, salvação divina. ? Pensou ela.
Ela pediu para ele entrar e foi atender o telefone.
-Alô! ? Disse ela.
- Clarisse? É a Tina, tudo bem?
- Graças a Deus. ? Respondeu ela, baixinho.
- O quê?
- Nada.Nada. Fala.
- Olha, Vamos fazer uma reunião na casa da Lucia semana que vem. Tá a fim de ir? Posso passar aí e te pegar, ok?
- Não, não. Obrigado, mas não vai dar. ? Retrucou ela.
- Ah, vamos lá, menina! Vai ficar em casa olhando para as paredes, é? Eu passo aí e...
- Não, é sério. Eu vou estar com visitas aqui. ? Mentiu ela.
-Olha, por falar em visita, aquele bonitão, o Caco, lembra dele? Aquele que esteve na reunião aqui em casa, tá lembrada?
- Sei, sei.
- Pois é, ele me pediu o seu endereço e eu dei, fiz mal? É que ele ficou falando que havia se impressionado com você, precisava falar muito com você e tal e coisa, sabe como é, né? Eu, quero que todas as minhas amigas casem logo, porque só assim, sobra mais gatinhos pra mim, né? ? E deu uma sonora gargalhada.
- Tá certa. Você está certíssima. ? Respondeu Clarisse rindo também.
- Então, você é quem sabe. Se mudar de ideia, é só me ligar, ok?- Concluiu Tina.
- Ok. Um beijo. E obrigado, tá?- Agradeceu Clarisse.
- Ok. Beijos. Tchau. ? Despediu-se Tina.
Clarisse desligou o telefone. E continuou sorrindo timidamente.
Olhou para Caco, e percebeu que ele sorria também, com os lábios e com os olhos. Ela foi até a janela e olhou para baixo. Os carros ainda continuavam passando, como uma procissão lenta. Os pingos da chuva, rolavam pelo vidro da janela, parecendo gotas de diamantes. Mas, dentro do seu apartamento, e dentro dela, algo mudara. Não havia mais silêncio, inquietude, ansiedade, medo, muito pelo contrário, havia luz, cor, vida, e uma vontade louca de perder-se noite adentro.
- Espero que você não tenha ficado aborrecida por eu ter tomado a liberdade de vir aqui assim, sem avisar. ? Disse ele, chegando perto dela.
- Não. Imagine....- Respondeu ela, tentando disfarçar o seu embaraço e completou: - Veja só, você vem pela primeira vez na minha casa e eu nem lhe ofereço uma bebida.
- Não, obrigado. ? Agradeceu ele, e olhando-a bem no fundo dos seus olhos, disse:
- Clarisse, na verdade, eu vim aqui convidar você para sair. Porque desde o nosso encontro, lá na reunião, que eu tenho pensado em você todos os dias. Eu preciso lhe dizer tantas coisas, conversar com você, conhecê-la melhor. - Disse ele docemente.
Clarisse sentiu que seus olhos iam inundar-se de lágrimas. Então, disfarçando a voz embargada, olhou para o chão e disse baixinho:
- Está bem. Se você tiver só um pouquinho de paciência, eu me apronto num instante, tá?
- Ok. Eu prometo que espero por toda a eternidade. ? Respondeu ele sorrindo.
Ela então, dirigiu-se ao quarto e quando chegou na porta, virou-se e disse-lhe:
- Eu também tenho muitas coisas para lhe dizer.
E por um breve segundo, um brilho especial transpassou aqueles dois olhares, prometendo uma noite de intensas descobertas.




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Autor: Eduardo Silveira


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