É fim de ano



É fim de ano! Não que isso signifique muito além disso: simplesmente é fim de ano.
Todo ano tem isso. Ano após ano, os anos começam e chegam ao fim. Aliás, essa é uma característica comum a todas as coisas criadas: começam, desenvolvem-se e findam. Exatamente como ocorre conosco, os seres humanos, e todos os anos: há um começo, espetaculares e dramáticos momentos de transcurso e os instantes finais.
Sendo assim, pensar o fim do ano não representa um avanço filosófico, nem mesmo se estivéssemos pretendendo uma reflexão sobre o tempo ou o sentido do tempo ou, ainda, sobre o sentido que damos ao tempo ou sobre como usamos o tempo que nos é dado. Nada disso seria novidade, pois já são temas explorados.
Então o que vamos discutir, para atualizar uma discussão já surrada?
Falar de planos para o ano vindouro? Fazer um balaço dos projetos não realizados ou das metas não alcançadas? Lamentar pelos fracassos? Comemorar as vitórias? Também esses são temas surrados.
Então vamos falar sobre um tema inédito, neste ano que finda: educação escolar.
Tema inédito. Veja que não se fala sobre educação escolar, no fim de ano: fala-se sobre presentes, amigo secreto (que pra alguns é oculto), festas... mas educação escolar, não! Isso é tabu! De um lado porque quem já foi aprovado, não quer se lembrar dos sufocos que sofreu sob a pressão das provas finais e do quanto se esforçou no transcurso do ano letivo. Do lado de quem não foi aprovado, é admitir um fracasso, confessar que não foi bom o bastante para aprender mais do que a mísera média necessária para aprovação. Falar em educação escolar, para quem reprovou, é como dizer: você perdeu um ano de vida, pois não foi capaz nem de aprender a usar bem seu tempo.
Mas é aqui que está nosso foco. As escolas públicas de ensino fundamental e médio (o antigo primário, ginásio e segundo graus) exigem que o estudante atinja uma nota mínima de 60, por bimestre, para ser aprovado ? é, precisamos quantificar nosso saber. Algo que faria Sócrates rebolar na sepultura: O que é o saber? O que é o conhecimento?
Mas vamos lá. O cara tem que demonstrar que domina 60% do que lhe foi ensinado, durante o ano letivo. Caso não o comprove regularmente, lhe é dada uma oportunidade extra: fazer um novo teste, o exame. E se, mesmo assim, não demonstrar os 60%, nova oportunidade: um período de recuperação.
O que são esses dois adendos, ao ano letivo? Uma forma de premiar os relapsos. É negar mérito aos que se esforçaram para oferecer méritos aos que abriram mão da oportunidade (tanto que quem convive com estudantes, como os professores, já testemunhou a algazarra festiva que ocorre quando se anunciam as notas baixas).
Veja o absurdo: O cara teve duzentos dias letivos para se dedicar ao aprendizado; com os professores dando as explicações, sugerindo atividades de treinamento e fixação da informação. Mas o sujeito leva na "maciota", dorme, brinca, "mata aula", falta às aulas, deixa de fazer as tarefas, deixa de estudar em casa, deixa de complementar as explicações... deixa de fazer uma montão de coisas. E aí chega o final do ano. O sujeito, evidentemente, não atinge os 60%. E pede socorro.
O sistema de ensino, que não está preocupado em que o sujeito aprenda, mas em apresentar estatísticas de altos índices de aprovação, cria exame e recuperação (que, noutros tempos havia sido "segunda época", o segundo lugar, oferecido aos que não foram os primeiros). E aí o sistema diz ao professor: "capricha ai", como quem diz: aprova o relapso! Como se o professor, durante o ano, já não tivesse caprichado ? se não fez mais é porque tem que se desdobrar em três ou quatro empregos para sobreviver. Mas o professor deu o máximo de si. O dito cujo é que não quis receber. Por isso a insistência: exame e recuperação são prêmios para os relapsos em detrimento do mérito dos esforçados e dedicados. O cara não sabe que na vida não existe recuperação.
Por isso, falar em fim de ano é, também, falar em educação escolar que deve ser levada a sério, não nos momentos finais do ano, mas durante o ano inteiro. Portanto desmerecer, questionar, mostrar os equívocos de um sistema viciado, no final do ano é trazer uma temática nova ao fim do ano.
Note bem, não estou fazendo apologia da reprovação, apenas me colocando a indagação: se queremos aprendizado, será que não estamos fazendo o caminho inverso? Estamos premiando o relapso e esquecendo de valorizar o que se dedicou. Quem entende de psicologia sabe do que estou falando: estamos dando um estímulo que reforça não o esforço de quem se esforçou e se dedicou e procurou aproveitar bem o tempo das aulas, mas àquele que desperdiçou seu tempo e, na maioria das vezes, infernizou o ambiente escolar. A este dedicamos o exame e a recuperação, como se isso fosse importante para o relapso.
Em compensação, ao que se esforçou e alcançou aprovação, o sistema só oferece uns dias a mais de férias.
Mas, tudo bem, afinal, é fim de ano! Que venha a segunda década do século XXI!

Neri de Paula Carneiro ? Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador.
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Autor: Neri P. Carneiro


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