Fundamentos E Elementos Caracterizantes Da Religião Indígena



Davi Souza de Paula Pinto – Estudante de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Estagiário de Direito.


SUMÁRIO: 1.0 PRIMEIRA PARTE; 1.1 ASPECTO HISTÓRICO: Do Encontro dos Índios com Outros Povos. Selvagens? e Civilizados!; 2.0 SEGUNDA PARTE; 2.1 DOUTRINA: A Crença Dos Povos Indígenas; 2.2 O MITO: Elemento Estrutural e Conservador da Religião Indígena; 2.3 O CANIBALISMO; 3.0 RITOS: As Cerimônias; 4.0 DANÇA DOS FANTASMAS: Crença e ritos dos Índios da América do Norte; 5.0 CONCLUSÃO DA PESQUISA; 6.0 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS; 7.0 ANEXOS



1.0 PRIMEIRA PARTE

1.1 ASPECTO HISTÓRICO: Do Encontro dos Índios com Outros Povos. Selvagens? e Civilizados!


É importante antes de tratarmos da religião indígena propriamente dita verificarmos no contexto histórico alguns fatos que podem facilitar o nosso trabalho. Em sentido amplo, podemos analisar a história de vários povos indígenas em um único fato que nos apresenta igualmente: Os encontros dos indígenas com outros povos.
Importante lembrar desde já que tais encontros, e não encontro, aconteceram em datas diferentes, terras diferentes, com tribos indígenas diferentes, em fim, de maneiras diversas, mas que na sua essência podemos equipara-las.
Neste encontro(s) surge(m) a idéia de "selvagem" e de "civilizados". Este representado pelos europeus e aqueles pelos povos indígenas. Vejamos por que:

"A noção de civilização tornou-se a chave do conhecimento inaugurado pela filosofia que ficou conhecida como a filosofia das Luzes, introduzindo uma imagem dual da humanidade, dividida entre aqueles que viviam em estado de natureza e os que tinham alcançado o estado de cultura" (DOMINGUES citado por Irmã Rizzini, p.5315)


Nota-se, portanto, uma visão conturbada que se divide entre civilizados ou não. Tudo graças à visão de evolução e progresso, vivido na Europa. Essa ótica carrega consigo grandes problemas para os povos indígenas que na verdade são vitimas do etnocentrismo no que concerne a sua religião, sua terra e vida. O que podemos verificar no contexto histórico é a falta de respeito e a covardia por parte dos Europeus.
Tratando mais especificamente dos índios brasileiros. A primeira vista, despertaram nos europeus vários sentimentos. Destaca a Professora e Doutora de Literatura Wilma Martins de Mendonça, alguns dos sentimentos, senão vejamos:


"de espanto, curiosidade, atração, repulsa, medo, cobiça e hostilidade, numa multiplicidade de olhares que os caracterizaria, no mais das vezes, como gentes bárbaras, bestiais, malditas, sexualmente desenfreadas, sem verdade, sem lealdade, sem fé, lei ou rei, como pontuam" (MENDONÇA, p.3, 2007)


Verificações essas, que sabemos que não é correta, muito pelo contrário, é etnocêntrica, portanto, equivocada. São pré-compreensões, definições, e julgamentos exercidos pelos portugueses, com única justificativa: do "eu imperativo" ou da "superioridade". Resumindo: Tudo que é meu ou o que sou é melhor.
Para compreendermos melhor, vejamos o primeiro momento do encontro dos portugueses com os índios brasileiros:

"Um encontro amistoso, tranqüilo, onde quem mais parecia ficar surpreso era o visitante (...). Na praia 'pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas' eles, 'traziam arcos nas mãos, e suas setas'. Mas se quer fizeram gesto de usá-los." (CHAGAS, p.3,1987)


Nota-se que a primeiro momento foi um encontro pacífico, e que os portugueses ficaram admirados (espantados) pelo fato de que os índios não possuíam vestimentas e utilizavam métodos rústicos de armamentos: arco e flechas. Sabe-se que índios e portugueses trocaram presentes e tentaram estabelecer um dialogo pacificamente. Nota-se, portanto, que apesar da calmaria do encontro o etnocentrismo já estava presente e com o passar do tempo aumentava cada vez mais, motivos que levaram os brancos a escravizaram e a incutirem uma religião aos índios, sem notar que eles já haviam uma.
Vejamos como eram as definições atribuídas aos índios após 70 anos do contato, segundo Pero de Magalhães Gandavo e Gabriel Soares de Souza, ambos autores citado por Wilma Martins de Mendonça.

A língua deste gentio toda pela Costa é uma: carece de três letras – não se acha nelas F,
nem L, nem R, coisa digna de espanto, porque assim não têm Fé, nem Lei, nem Rei; e desta maneira vivem desordenadamente [...] Não adoram coisa alguma nem têm para si que há na outra vida glória para os bons, e pena para os maus, todos cuidam que se acaba nesta e que as almas fenecem com os corpos, e assim vivem bestialmente sem ter conta, nem peso, nem medida [...] São muito desonestos e dados à sensualidade e entregam-se aos vícios como se neles não houvera razão de humanos.
(GANDAVO 1980, citado por MENDONÇA, p.3, 2007)

Faltam-lhes três letras do ABC, que são F, L, R grande ou dobrado, coisa muito para se notar; porque se não têm F, é porque não têm fé em nenhuma coisa que adorem; nem os nascidos entre os cristãos e doutrinados pelos padres da Companhia tem fé em Deus Nosso Senhor, nem têm verdade, nem lealdade [...] se não têm L na sua pronunciação, é porque não têm lei alguma que guardar, nem preceitos para se governarem [...] se não têm R na sua pronunciação, é porque não têm rei que os reja, e a quem obedeçam, não obedecem a ninguém [...] São os Tupinambás tão luxuriosos que não há pecado de luxúria que não cometam [...] em conversação não sabem falar senão nestas sujidades, que cometem cada hora; os quais são tão amigos da carne que não se contentam, para seguirem seus apetites, com.o membro genital como a natureza formou; mas há muitos que lhe costumam pôr o pelo de um bicho peçonhento, que lhe fho faz logo inchar.
(SOUSA 2000, citado por MENDONÇA, p.3, 2007) (grifo nosso)

Vê-se, portanto, que as afirmações descritas acima relatam que os índios não tinham um vocabulário completo; não possuíam fé por não acreditarem em Deus (Deus cristão); viviam desordenadamente, por não terem reis e por não obedecerem ninguém, e por fim, eram aviados a luxuria, ou seja, conjunção carnal. Motivos estes que levaram o homem branco a evangelizá-los, a doutriná-los para a civilização. Motivos também, que justificaria a perseguição, o massacre e escravização dos índios.
Na América Central e na América do Norte não aconteceu diferente, o primeiro encontro dos europeus com os índios, foi pacífico a princípio. Percebe-se também o espanto daqueles quando encontraram "gente sem malícia, pouco belicosa, homens e mulheres acostumados a andar nus..." (MATOS, p.439, 1970).
Neste mesmo sentido relata Colombo ao escrever ao rei e à rainha, mas com uma profunda admiração, vejamos:

"Tão afáveis, tão pacíficos, são eles, (...) juro a Vossas Majestades que não há no mundo uma nação melhor. Amam a seus próximos como a si mesmo, e sua conversação é sempre suave e gentil, e acompanhada de sorrisos; embora seja verdade que andam nus, suas maneiras são decentes e elogiáveis" (COLOMBO, citado por BROWN, p.11, 2003)

O primeiro momento do relacionamento dos brancos com os índios estava ocorrendo tranquilamente, mas o problema do etnocentrismo apareceu por excelência quando Colombo convenceu-se de que o povo indígena deveria "ser posto a trabalhar, plantar e fazer tudo que é necessário para adotar nossos costumes" (COLOMBO, citado por BROWN, p.12, 2003).
Com o passar dos anos, assim como ocorreu no Brasil, ocorreu na América do Norte: A relação tornou-se impossível vindo a explodir. Os índios passaram a serem perseguidos, massacrados, ficaram sem as suas terras, religião, sua cultura se transformou, etc. Vejamos alguns relatos dados pelos índios da América do Norte sobre tais acontecimentos. Importante lembrar que devemos levar em conta que a religião dos índios é intimamente ligada a terra:


Onde estão hoje os pequots? Onde estão os narragansetts, os moicanos, os pokanokets e muitas outras tribos outrora poderosas de nosso povo? Desapareceram diante da avareza e da opressão do Homem Branco, como a neve diante de um sol de verão. Vamos deixar nos destruir, por nossa vez, sem luta, renunciar a nossa casas, a nossa terra dada pelo Grande Espírito, aos túmulos de nossos motos e a tudo que nos é caro e sagrado? Sei que vão gritar comigo: 'Nunca! Nunca!"" (TECUMSEH, dos shawnees, citado por BROWN, p.11,2003)

"Antes eu pensava que era o único homem que insistia em ser amigo do branco, mas desde que eles vieram e acabaram com nossas tendas, cavalos e tudo o mais, é difícil para mim acreditar ainda nos brancos" (MOTAVATO (Chaleira Preta), dos cheyennes do sul, citado por BROWN, p.52, 2003)

"De quem foi à voz que primeiro soou nesta terra? A voz do povo vermelho que só tinha arcos e flechas... O que foi feito em minha terra, eu não quis, nem pedi; os brancos percorrendo minha terra... Quando o homem branco vem ao meu território, deixa uma trilha de sangue atrás dele..." (MAHPIUA LUTA (Nuvem Vermelha), dos sioux oglalas, citado por BROWN, p.92, 2003)

"Nossa vontade era viver aqui, em nossa terra, pacificamente, e fazer o possível pelo bem-estar e prosperidade de nosso povo, mas o Pai Grande encheu-a de soldados que só pensavam na nossa morte. Alguns do nosso povo que saíram daqui de maneira a poder mudar alguma coisa, e outros que foram para o norte caçar, foram atacados pelos soldados dessa direção e, quando chegaram ao norte, foram atacados por soldados do outro lado, e agora, quando desejam voltar, os soldados se interpõem para impedi-los de voltar ao lar" (SINTE-GALESHKA (Cauda Pintada), dos sioux brulés, citado por BROWN, p.111, 2003)

"Nunca fizemos mal algum ao homem branco; não queremos isso... Desejamos ser amigos do homem branco... Os búfalos estão diminuindo depressa. Os antílopes que eram muitos há poucos anos, agora são poucos. Quando morrerem todos, ficaremos famintos. Vamos querer algo para comer e seremos obrigados ir ao forte. Seus jovens não devem atirar em nós; em toda parte onde nos vêem atiram e atiramos neles" (TONKAHASKA (Touro Alto) ao General Winfield Scott Hancock, citado por BROWN, p.143,2003)


Expusemos apenas cinco das diversas falas dos índios da América do Norte, simplesmente para termos uma idéia sobre as dificuldades que estes passaram. Sem sombra de dúvida, eles sofreram com a dizimação de suas tribos, para não dizer espécie, pois acreditamos que são idênticos ao ser humano, sem exceções.
Os Índios presenciaram também, a perda de suas principais caças, que seria o búfalo e antílopes, todos mortos pelos europeus que queriam o remanejamento dos índios de uma terra par outra, onde se instalou parques para que as variadas tribos indígenas vivessem conjuntamente. Sem dúvida, os relatos nos mostram que os índios passaram fome e frio devido o clima do próprio local, mas sob a influência do "homem branco". Por fim, podemos verificar que muitas das vezes foram enganados pelos europeus, quando estes não cumpriam os tratados assinados entre os povos: indígenas e brancos.
Atualmente, tudo é progresso (pelo menos em pensamento, para nós a idéia de progresso é uma ideologia), tudo se enquadra no ritmo do sistema dominante: capitalista. Portanto, sabemos que lado a corda se arrebentou. As tribos indígenas, sua cultura, sua religião, etc. foram fortemente prejudicadas com os avanços históricos e as transformações verificadas em cada sociedade. Mas felizmente podemos verificar que o progresso


"não atinge a todos os lugares ao mesmo tempo e com a mesma intensidade. Assim, ainda é possivel encontrar lugares que preservam suas raízes culturais quase intactas, quase inalteradas através dos séculos, apesar de tudo. Há, na Amazônia, regiões onde o progresso não penetrou de todo, (...). São regiões cada vez mais reduzidas, pois, como previu Marshall McLuhan na década de 60, o mundo está se tornando, cada vez mais, uma "imensa aldeia global"; graças à televisão e à antena parabólica" (PEREIRA, p. 11, 2001)



Não resta duvida, que o mundo esta completamente em união, as distâncias já não são barreiras que separam os povos, devido ao processo de globalização verificado na história da humanidade. Processo este, que encontramos sempre de forma harmônica com o progresso, já mencionado. Mas há alguns lugares que as culturas indígenas não sofreram quase nenhuma alteração, e se sofreu, os índios lutam para resgatarem traços antigos, inclusive, suas religiões.
Segundo Pereira e seus estudos, podemos ainda, verificar que:


"dentro das matas, à beira dos inúmeros lagos, rios, igarapés, furos, (...) , etc., ainda existem aqueles que acreditam nos deuses e demônios, nas histórias que falam de estranhas e incríveis metamorfoses de gente em bicho, histórias que falam de pessoas que possuem o poder de invocar os caruanas, que são as entidades protetoras e auxiliadoras dos pajés e feiticeiros (...); enfim, lá nesses recantos esquecidos pelo consumismo, ainda é possível conversar com aqueles que acreditam no sobrenatural" (PEREIRA, p. 11, 2001)

Verificado a citação acima, que fala sobre os locais e sobre aqueles que possuem determinadas crenças: povos indígenas. Abrimos à porta, da segunda parte do nosso trabalho, onde estudaremos sobre suas religiões indígenas, partindo de suas doutrinas.


2.0 SEGUNDA PARTE
2.1 DOUTRINA: A Crença Dos Povos Indígenas


Trataremos de falar sobre a religião indígena, propriamente dita. Importante verificarmos que não entraremos em destaque de todas as tribos verificadas no mundo, longe de nós fazer uma proeza desta. Limitamos, portanto, em verificarmos somente algumas crenças, ritos, etc, considerados mais importantes.
A religião indígena é bastante ligada à natureza, a terra e tudo que é proveniente dela, e ainda, ao mundo animal e aos poderes sobrenaturais que estes e alguns homens possuem. Em síntese estamos pensando na religião do xamanismo, onde estudaremos os seus principais fundamentos e características.
Sabe-se que muitas vezes no decorrer da história os povos indígenas foram destacados como personagens sem crença alguma, que não tinham deus ou deuses, ou até mesmo ídolos, ou seja, não havia religião alguma. Sem duvida, idéias errôneas e preconceituosas, pois, sabe-se que o homem branco estava ocupado de mais para analisar profundamente os povos indígenas.
Osvaldo Orico, citado por Pereira, entende que os índios possuíam sim uma noção da existência de uma força, de um deus superior a todos. Diz Orico:


"A despeito da singela idéia religiosa que os caracterizava, tinha noção de Ente Supremo, cuja voz se fazia ouvir nas tempestades– Tupã-cinunga, ou o trovão, e cujo reflexo luminoso era Tupãberaba*, ou relâmpago." (ORICO, citado por PERERIA, p.22, 2001)


Mas devemos desde já adverti-los que as religiões indígenas, no caso acima que se refere às tribos do Brasil, segundo Pereira, pode haver interferências dos primeiros missionários que desejavam impor uma divindade nova aos índios, desconfigurando outra já existente e reconhecida por eles. Vejamos:

"o primeiro trabalho dos missionários é identificar os focos de adoração e depois combatê-los em nome da sua fé, não foi multo difícil reconhecer no Jurupari o alvo desse primeiro movimento. O Jurupari, uma divindade dotada de grande prestigio e investida de muitos privilégios, recebeu a primeira carga da brigada eclesiástica: Todo culto pagão é obra de Satanás! Por força desse argumento que tanto prejuízo trouxe à cultura de muitos povos, esse deus autóctone foi transformado em Diabo, na encarnação do Mal e para combatê-lo e defender o selvagem de sua nefanda influência "surgiu" Tupã, um ser tão distante da compreensão dos nossos nativos quanto o Jurupari da dos missionários. Câmara Cascudo diz que Tupá "é um trabalho de adaptação da catequese" (cf. 1972: 85). Na verdade Tupã já existia, não como divindade, mas apenas como conotativo para o som do trovão (Tu-pá, Tu-pã ou Tu-pana, golpe ou baque estrondante) portanto, não passava de um efeito, cuja causa o índio desconhecia e, por isso mesmo, temia. (PEREIRA, P.22, 2001) (grifo nosso)

Como verificado, os Índios já conheciam uma Entidade Superior, tal como o Jurupari dentre outros como os Maï, "raça de divindades celestes, (...) devoram almas dos mortos recém chegados ao céu; em seguida, imergem os despojos em um banho mágico que ressuscita (...) os mortos" (CASTRO, p.264, 2002).
O Tupã também já era conhecido pelos índios, não como um Deus, mas como um Ente Supremo, mas que depois, devido às influências missionárias, que em nome do Catolicismo foi transformado em Deus (somente para os índios), seja pela viabilidade ou pela facilidade de manter os índios tenebrosos. Neste caso, portanto, Tupã poderia ser entendido como um demônio, temido pelos povos indígenas "por controlar o raio e o trovão e, assim, conseqüentemente, a morte e a destruição. Dessa maneira os sentimentos indígenas para com essa entidade são mais de medo do que veneração" (LARAIA, p.11, 2005)
Mas o que queremos comprovar com estas idéias apresentadas é que de fato, os índios não eram "essa gente sem fé que os cronistas nos descreveram com tanta segurança: seus próprios testemunhos vêm ensinar-nos o contrário" (CLASTRES, 1978, p.51, citado por MENDONÇA, p.8, 2007). Trataremos, portanto de aprofundarmos mais em seus conceitos religiosos, no que tange as suas crenças.
Quanto ao xamanismo, uma crença ou prática religiosa indígena, possui fundamentos muito complexos, por ser uma religião advinda da fusão do animismo com totemismo. O animismo designa uma manifestação religiosa que possui caráter de relação entre a categoria humana e não-humana, ou seja, o Sol, a Lua, as rochas, animais, arvores, os rios, oceanos, a chuva, etc. Portanto, é tudo o que concerne às relações da sociedade indígena com a natureza. Os Elementos, para aqueles que acreditam no animismo, se encontram "animados", ou seja. Possuem ânimos, vida. O Totemismo é uma manifestação religiosa ligada ao objeto Totem. O Totem é compreendido através da ligação do homem com o animal ou seu espírito. Não podemos negar também, que ultrapassa esta relação do homem como o animal, podendo também ser através de seres inanimados (vento, chuva etc). Não aprofundaremos nestes dois contextos. Apenas sintetizamos para verificarmos a aproximação do animismo, totemismo e xamanismo. Outro motivo que não aprofundamos nas manifestações e crenças do animismo e totemismo é porque a própria religião xamanística irá abordá-los em momentos oportunos.
Em síntese, o xamanismo é uma religião que trás uma concepção de "animais e outras subjetividades que povoam o universo – deuses, espíritos, mortos, habitantes de outros níveis cósmicos, plantas" (CASTRO, p.350, 2002), muito diferente de algumas características verificadas em outras religiões. Para concluirmos o porquê da profunda ligação deste povo com sua terra e com os mortos enterrados nela, ou até mesmo o respeito que estes têm aos animais, vejamos a seguinte frase a titulo de exemplo. Os índios Através da doutrina xamanística acreditam que:


"os animais são gente, ou se vêm como pessoas. (...) normalmente visível apenas aos olhos da própria espécie ou de certos seres transespecíficos, como os xamãs (...) "espíritos, mortos e xamãs que assumem formas animais, bichos que viram outros bichos, humanos que são inadvertidamente mudados em animais" (CASTRO, p.351, 2002)


Este sistema de idéias é verificado com freqüência pelas culturas indígenas amazônicas, presentes também em outros lugares. Tal pensamento, portanto, frisa que quando um homem morre torna-se animal ou outro ser, como um vegetal, mas, que ainda sim, continua a ser humano, mesmo visível em outra forma, ou seja, "de modo não-evidente" (CASTRO, p.356, 2002). Em síntese, todo este pensamento deve se ao fato de que os seres humanos representam uma subcategoria "dos apapalutápa-mína, e/ou vice-versa. (...), ou seja, 'bicho' é 'gente'" (CASTRO, p.49, 2002). Em um momento oportuno, veremos que é daí que surgem vários mitos indígenas.
Quanto à figura do xamã, um elemento importante para a religião em questão e que segundo Castro este desempenha "um papel religioso de destaque (CASTRO, 213, 2002). Vários são os povos indígenas que possuem a figura do xamã, estes podem ser considerados indispensáveis para a comunidade religiosa. Para compreendermos melhor o que seria um xamã, busquemos a sua originalidade.

"A palavra xamã, é originária de um povo siberiano, os tungus. Eliade restringiu o uso do termo aos especialistas do religioso que acreditam que através do estado de transe, entrar em contato com seres sobrenaturais, sejam eles as almas dos seus antepassados ou diferentes tipos de espíritos. Este é o caso da maioria dos líderes espirituais indígenas. A palavra tupi-guarani (...) xamã é pai 'é, português como pajé" (LARAIA, p.8, 2005)

Portanto, estes xamãs, são homens que possuem atribuições de encontrar-se com o sobrenatural dentre outras funções. É como um líder da tribo, importante lembrar que não um líder de guerra, mas sim, um líder religioso que guia o povo indígena e os protegem de qualquer perigo eminente. O pajé, pai, é também um xamã, nomenclatura encontrada no Brasil.
Em síntese os xamãs são conhecidos de vários modos e possuem várias atribuições, tais como:


"mediadores entre o sobrenatural e os humanos, aptos no predizer o futuro, no domínio dos fenômenos da natureza, na nomeação dos recém-nascidos, os atributos específicos dos caraís, profetas indígenas, homens santos, aparentados dos heróis civilizadores (...) dotados do poder de comunicação com os espíritos, da capacidade de transformação, podendo se metamorfosear a si mesmo ou a outrem, em pássaros e animais, como também de fazer crescerem as plantas. Desfrutadores de um enorme prestígio entre os indígenas, poupados, por isso, em todas as guerras, suas presenças eram marcadas pelos cânticos e danças" (MENDONÇA, p.4, 2007)

Não é de questionar porque os xamãs são entidades respeitadas, não somente pela tribo em que pertencem, mas em todas as tribos que eles quiserem visitar. Nestas, os xamãs não correrão nenhum perigo. Eles, segundo os índios possuem grandes poderes sobrenaturais, conforme já citado. Por tal motivo não iam para as guerras. Um Xamã devia somente se preocupar com questões que envolvem a religião da tribo.
Mais especificamente no Brasil, o termo xamã era/é empregado para designar um "homem-médico, feiticeiro ou mago, para designar determinados indivíduos dotados de prestígio mágico-religioso e reconhecidos em todas as 'sociedades primitivas" (LARAIA, p.8, 2005). Laraia, relatando as religiões indígenas no Brasil, menciona que um xamã ocupava-se na maior parte de seu tempo em curar "através do controle dos espíritos que provocam as doenças e, até mesmo, a morte" (LARAIA, p.8, 2005).
Os praticantes da religião xamanística além de respeitarem os animais em muito aprendiam com estes. A idéia primordial é de que os animais, mais especificamente, os pássaros, quando cantam renovam as forças daqueles que escutam, além de trazerem as boas novas pelos espíritos dos ancestrais que podem ser ouvidos nos cantos dos pássaros. Vejamos o que o descrente Léry relata, quando citado por Mendonça.


"Certa noite em que dormi numa aldeia chamada Ypec pelos franceses, ouvi à tarde cantarem esses pássaros um canto melancólico e vi os selvagens quedarem silenciosos e atentos. Conhecendo a causa de tal atitude, quis convencê-los de seu erro. Mas apenas toquei no assunto e me pus a rir juntamente com outro francês que me acompanhava, um ancião ali presente exclamou com rudeza; 'cala-te e não nos impeças de ouvir as boas novas que nos enviam nossos avós; quando ouvimos essas aves ficamos contentes e nos sentimos com novas forças'. Pareceu-me inútil replicar. (LÉRY, 1980, p. 154 citado por MENDONÇA, p.12, 2007) (grifo nosso)


Os animais, sem sombra de duvida são importantes para a religião destes povos. Não só porque vivem em locais de abundantes vegetações e na presença de uma variedade de fauna, mesmo porque, estes poderiam viver, e alguns vivem em grandes cidades e sustentam, ainda sim, sua religião. Importante lembra que não é somente no momento acima apresentado que os animais estão presentes e têm importância para a religião, mas em tantos outros.
O pensamento religioso indígena através do profetismo gravita "em torno da Terra sem mal (...) pretendeu, essa religião a uma resposta de gente oprimida a uma situação de opressão" (CLASTRES, citado por MENDONÇA, p.8, 2007). A busca de uma terra sem mal, surge, basicamente, em face da opressão e dificuldades que estes povos enfrentaram ao longo da história, e pode-se dizer que enfrentam ainda hoje.
Importante visualizar que a Terra sem mal, não afasta a situação de guerra. Afirma também este posicionamento Eduardo Viveiros de Castro, ao dizer que

"A Terra sem mal não excluía, antes potencializava a guerra. Recordemos a tríade clássica de promessa dos profetas: longa vida, abundancia sem trabalho, vitória contra os inimigos. O xamanismo possuía conexões decisivas com a guerra" (CASTRO, p.226, 2006) grifo nosso)


Vendo que o Xamanismo tem forte ligação com a guerra. Podemos então, destacar outra importante atribuição dos pajés, se tratando de tribos brasileiras, ou dos xamãs, se tratando de outras tribos presente no mundo: é de prever as guerras e suas conseqüências, inclusive quando se deveria travar uma.



2.2 O MITO: Elemento Estrutural e Conservador da Religião Indígena.


Traz logo neste subtítulo uma afirmação importante para trabalharmos acerca do mito. Este é um elemento que estrutura a religião indígena e faz com que ela perdure no tempo. Mas, para não dizermos que estamos tomando conclusões precipitadas, vejamos o que significada e representa o mito para Pereira.


"(Mytho- gr = relato, fábula) Narrativa dos tempos fabulosos ou heróicos. Narrativas de significação simbólica, geralmente ligada à Cosmogonia e referente a deuses encarnadores das forças da natureza e (ou) de aspectos da condição humana. Representação dos fatos ou personagens reais, exageradas pela imaginação popular, pela tradição." (PEREIRA, p.08, 2001)


Portanto, o mito é uma forma representativa, que relata ou narra determinados fatos com a presença de elementos reais. Imaginemos o mito sob a ótica de um índio. O que seria um mito para um índio? E o que responderia? Para Strauss e Eribon é "muito provável que ele respondesse: é uma história do tempo em que os homens e os animais ainda não se distinguiam." (STRAUSS e ERIBON, citado por CASTRO, p.354, 2002). Podemos assim, Lembrar do xamanismo e da presença respeitável do animal. As narrativas dos mitos em um contexto religioso ou não, são "povoadas de seres cuja forma, nome e comportamento misturam inextricavelmente atributos humanos e não humanos, em um contexto comum" (CASTRO, p.354, 2002). Vê-se então, o motivo pelo qual afirmamos de início que os mitos são considerados elementos estruturantes e conservadores da religião indígena.
Os mitos se aproximam, ou até mesmo se assemelham com as Lendas que, em síntese, é uma narração "escrita ou oral, de caráter maravilhoso, no qual os fatos históricos são deformados pela imaginação popular ou pela imaginação poética. (PEREIRA, p, 08 2001). A única diferença é a presença poética é o caráter maravilhoso verificado nas lendas, fato este que não ocorre no mito. Pereira também afirma que os mitos são "sonhos" de uma comunidade, de um povo ou de uma civilização. (PEREIRA, p. 14, 2001), mas só podem ser compreendidos sem exageros.
Sabemos que cada tribo indígena possui sonhos e desejos, ou seja, uma finalidade. Os mitos aparecem neste quadro como um mecanismo de sustentação e conservação dos mesmos sonhos e desejos. Para melhor compreendermos o mito é utilizado quando o homem procura "satisfazer suas inquietações interiores, de responder as indagações que os aflige, inventam suas soluções e seus meios para saciar a inquietude (...). Sim, inventa! (PEREIRA. p. 15, 2001).
A guise de conclusão, o mito pode ser utilizado para expressar conceitos morais, filosóficos, e no caso exposto, religiosos. A sua essência encontra-se em acontecimentos e objetos reais, porém como percebemos no caso indígena, "com a tradição oral, foram ganhando novas cores, inflacionando-se pelo calor da narrativa e pela imaginação do narrador". (PEREIRA, p.18, 2001). E por fim, sem sombra de dúvida, os mitos perduram no tempo passando de um ancião para os demais índios, fazendo com que a religião se estruture e se conserve.


2.3 O CANIBALISMO


Não procuramos aprofundar muito sobre o canibalismo, mesmo porque, em dias atuais é pouco presente, mas que também não deixam de ser encontrados em ritos religiosos em determinadas localidades do mundo.
Em uma perspectiva histórica contam os missionários através da citação de Castro que os prazeres dos índios são de


"ir ã guerra, como na-de beber hum dia e huma noute, sempre beber e cantar e bailar, sempre em pee correndo toda Aldea, e como na-de matar os contrários e fazer cousa nova pêra matança; na-de aparelhar pera seus vinhos e cozinhadas de carne humana" (CASTRO, p. 249, 2002)

O canibalismo surgiu primeiramente como uma forma de vingança. Vimos que o xamanismo muita das vezes incentiva a guerra em busca da Terra sem mal, portanto, o Índio ganhador de uma determinada luta matava o seu inimigo, podendo assim, seus familiares comerem o corpo. O matador não poderia comer, este ficaria em constante concentração e em jejum, se libertando do sangue inimigo. Enquanto os outros faziam festas, vinhos para tomarem, dançavam por um dia inteiro, até se cansarem. Importante lembrar que todas as vezes que um corpo era morto, logo se faziam o vinho para beberem junto com a comida e festejar. Vejamos o caso dos Tupinambás, uma tribo brasileira.

"o canibalismo coincidia com o corpo social inteiro: homens, mulheres, crianças, todos deviam comer (...) Sua prática entretanto, exigia uma exclusão aparentemente menor e também temporária, mas decisiva: o matador não podia comer de sua vitima (...) veda o caçador de comer a sua presa" (CASTRO, p.262, 2002)

Para se comer o corpo do índio que fora inimigo, há várias determinações, e observações que os canibais deveriam respeitar minuciosamente, tal como: somente um homem poderia abrir o crânio do inimigo e não uma mulher, etc. É devido a isto que o canibalismo se acosta na religião do xamanismo, mais especificamente, nos ritos desta religião.
Por ser tão praticado pelos índios, o canibalismo, tornou-se parte de uma religião que o recebeu e criou mecanismos de crença e justificação para tal ato. A titulo de exemplo em determinadas tribos o canibalismo representava uma forma de libertar a alma de seu inimigo, desde que realizado com os atos solenes.
Importante lembrar, que o ritual do canibalismo não estava presente em todas as tribos indígenas, e se presentes, estava em maior ou menor escala de uma tribo para a outra. Por exemplo, em uma se comia todo o corpo, em outra não se comia todas as partes ou não era necessário se comer, apenas com determinados atos já simbolizava a libertação da alma do inimigo, tal como: tirar o coração da vitima para fora de seu peito e segura-lo por um determinado tempo, coisa que o próprio matador poderia fazer.
Visto um dos ritos, torna-se necessário conhecermos os demais que são praticados na religião xamanistica, que por sinal, interessantes.


3.0 RITOS: As Cerimônias


O Xamanismo por ser uma religião deve possuir todos os elementos estruturantes, inclusive a pratica de ritos. Os ritos, genericamente são considerados como,

"regras e cerimônias que se devem observar na pratica de uma religião (...) 3. Qualquer cerimônia de caráter sacro ou simbólico que segue preceitos estabelecidos" (FERREIRA, p.1240, 1986)


Sendo assim, verificaremos, pois, algumas das praticas religiosas indígenas de forma sucinta, de tal forma que possamos compreender como se procediam algumas de suas cerimônias. Importante observar que iremos neste contexto visualizar somente as tribos indígenas brasileiras em geral.
As cerimônias realizadas "pelos xamãs, as curas, previsões e proezas sobrenaturais que lhes creditavam, suas funções de mediação entre o mundo dos vivos e dos mortos" (H. Clastres, citado por CASTRO, 212, 213, 2002) já são de conhecimento de todos. É a partir desta figura que trabalharemos os ritos. Vejamos a seguir, um relato verificado na obra de Laraia que nos trás o caso dos Tupi-Guarani e seus ritos de cura.


"Os pajés preferem curar à noite (...) inicia a cura cantando as canções daquele sobrenatural que o seu inquérito leva a considerar como provável. Acompanha a si mesmo, marcando o ritmo da canção como uma batida forte de pé chacoalhando o maracá. Dança em volta do paciente;em geral,a família deste e alguns dos circunstantes o acompanham. A esposa ou um ajudante preparam-lhe os cigarros feitos de folhas de fumo enroladas em .bra de tawari. Um ajudante toma o maracá e o pajé preocupa-se daí por diante com a cura propriamente dita.Chupa repetidas vezes no cigarro para soprar a fumaça em suas mãos ou no corpo do paciente. Afasta-se para um lado e chupa no cigarro até que, meio tonto, recua de súbito e leva as mãos ao peito,o que indica ter recebido o espírito em seu corpo.Sob a influência do espírito o pajé comporta-se de maneira peculiar. Se é espírito de macaco, por exemplo, dança aos saltos, gesticula e grita como esse animal. O transe se prolonga enquanto o espírito está forte. Algumas vezes o espírito 'vem forte demais ' e ele cai ao chão inconsciente. É durante o transe, enquanto está possuído pelo espírito,que o pajé cura "(cf.Wagley &Galvão,1961)." (LARAIA, p.8 e p.9, 2005).


Para muitos parecem os ritos uma maneira de cura estranha, mas esta, sem sombra de dúvida faz parte de sua religião e é aplicada pelos pajés por muitos séculos. Vê-se que a religiosidade é manifestada através de canções, danças, comportamentos e objetos necessários para realização do ritual. A doença é representada por um espírito (geralmente com nome de animais) que esta dentro do enfermo, mas será tirada pelo pajé ou xamã, quando este entrar em estado de transe.
Os animais estão constantemente presentes na crença da religião indígena que não deixou de ser diferente com as praticas rituais. As aves, por exemplo, em muito ensinaram nas "várias cerimônias, como o Iraláka (o 'Javari', duelo de dardos) e o Pinhiká (rito de perfuração da orelha dos adolescentes). A reclusão pubertária foi inaugurada pelo Urubu" (CASTRO, p.51,2002). OPbserva-se também a relevância que as aves possuem nos ritos de "pintura corporal, especialmente do Pihiká, quando os meninos são pintados com motivos aviformes na face" (CASTRO, P.52, 2002).
No que tange a guerra, os homens possuíam um rito de ornamentarem seus corpos semelhantes aos deuses que acreditavam. A pele o os cabelos eram preenchidos de "urucum vermelho-vivo; (...) brincos floriformes compostos de plumagem amarela do papo de tucano e do azul-turquesa das penas de cotinga" (CASTRO, p.268, 2002).
Os índios Tupinambás, "expressavam, em suas manifestações do sagrado, uma profunda sensibilidade musical e coreográfica" (MENDONÇA, p.5, 2007). As canções e a maneira de se dançar foram passadas de geração a geração, mantendo assim seus ritos até os dias atuais. Mostra Cardim, citado por Mendonça, a perfeita harmonia que os índios se encontravam quando praticavam a dança e os cantos religiosos, já estabelecidos. Vejamos:

"Assim bailam cantando juntamente, (...) e têm tal compasso e ordem, que às vezes cem homens bailando e cantando em carreira [...] acabam todos juntamente uma pancada, como se estivessem todos em um lugar. (CARDIM, 1980, p. 93-94 citado por MENDONÇA, p.5, 2007).


O canibalismo e a guerra, temas já trabalhados, também possui ritos, que eram seguidos rigorosamente pelo matador ou guerreiro. Castro mostra-nos que aquele que

"após ter matado, ou simplesmente ferido, um inimigo numa escaramuça, um homem 'morre (...). Assim que volta a aldeia ele cai em uma espécie de estupor, permanecendo imóvel e semi-consciente por vários dias, durante os quais nada come" (CASTRO, p.272, 2002)


Esta espécie de transe referida na citação se transforma em um rito, por ter bases religiosas. Outros ritos referem-se à procedência que os índios davam aos corpos da vitima ou aos mortos de uma família de sua comunidade.
Quanto aos mortos pertencentes à comunidade verifica-se que são praticados por algumas tribos indígenas alguns rituais. Em um deles, o corpo era enterrado, passado algum tempo, os índios tiravam a ossada da terra e colocavam em um vaso, que seria tampado pelo crânio do próprio corpo. Quanto aos inimigos, os índios comiam, respeitando as regras, já mencionadas no trabalho.


4.0 DANÇA DOS FANTASMAS: Crença e ritos dos Índios da América do Norte.


A religião "A Dança dos Fantasmas", em síntese, surgiu na América do Norte, em 1869, pelo Wodziwob, porém, poucas informações têm deste momento, mas sabemos que ainda não representava uma religião.
A segunda ocasião, a qual nos interessa, surgiu aproximadamente na Lua da Grama Seca (outubro de 1889), foi criada pelo índio Wovoka, considerado um messias. Seu principal fundamento é animar os índios que estavam sendo derrotados e massacrados pelos europeus e amedrontar estes com as danças que eles praticavam. Importante lembrar que a dança sempre foi realizada por estes índios, o que ocorre de diferente, neste caso, é o excesso e a maneira de se dançar.
Segundo a concepção do fundador (Wovoka) desta religião, seu objetivo ultrapassava aqueles percebidos acima, inclusive a dança. Seus princípios eram basicamente princípios cristãos. Percebemos isto quando o Messias diz para os índios que eles "Não devem ferir ninguém, nem fazer mal a qualquer pessoa. Não devem lutar. Façam sempre o bem'" (WOVOKA, citado por BROWN, p.368, 2003). Princípios estes, já pregados por uma entidade cristã: Jesus Cristo. Que pregava a não-violência e o amor fraternal.
O Messias pregava também a ressurreição, ou seja, que seria possível que os índios mortos em guerras e ancestrais antigos, em ora oportuna voltassem a viver. Este fato comprova a extrema semelhança com o cristianismo baseando-se na figura de Jesus Cristo, que ressuscitou e inclusive deu vida a Lazaro que já estava morto por muitos dias.
Vejamos o que pronuncia o próprio Wovoka aos índios,

"Todos os índios devem dançar, em toda parte, ficar dançando. Daqui a pouco, na próxima primavera, o Grande Espírito virá. Trará de volta toda a caça de todas as formas. Haverá muita caça em toda parte. Todos os índios mortos voltarão e viverão de novo. Serão todos fortes como jovens, serão jovens outra vez. O velho índio cego verá novamente e será jovem, terá uma vida boa. Quando o Grande Espírito vier desta forma, todos os índios irão para as montanhas, bem mais altos que os brancos. Os brancos não poderão ferir os índios, então. Enquanto os índios estiverem no alto, vira uma grande enchente uma água, e todos os brancos morrerão, afogando-se. Depois disso, a água ira embora e só haverá índios por toda parte e caça de todo jeito. Então, o feiticeiro diz aos índios para espalharem para todos os índios que eles devem ficar dançando e bom tempo virá. Os índios que não dançam que não acreditam nesta palavra, crescerão pouco, só uns 30cm de altura e ficarão assim. Alguns deles virarão madeira e serão queimados no fogo". (Wovoka, O Messias Pauite, citado por BROWN, p.345, 2003)


A Religião professada visava à libertação e paz dos indígenas. Acreditavam que o Grande Espírito viesse, e reparasse os danos causados à natureza pelo homem branco, incluindo nesta perspectiva, a volta dos índios mortos. E por fim, o desaparecimento dos europeus por completo da Terra dos Índios. Para que isso ocorra à única condição imposta aos índios é a dança. Dançando os bons tempos de paz e prosperidade (quanto à existência abundante de caça) retornariam. Caso não o fizessem, coisas drásticas ocorreriam em sua vida, tais como virarem madeira e serem queimados.
Não podemos duvidar que o movimento religioso foi intenso depois da instauração religião Dança dos Fantasmas. A religião se alastrou e dominou "tanto as reservas dos sioux que quase todas as outras atividades haviam se cessado" (BROWN, p.365, 2003), quanto às reservas dos cheyennes.


5.0 CONCLUSÃO DA PESQUISA.


Verificamos com a pesquisa que desde o encontro dos Europeus com os índios, percebemos uma ótica conturbada que compreende entre o mundo dos civilizados e os não civilizados. Sabemos que as culturas e as religiões são completamente diferentes, tento assim um choque, prevalecendo aquele diante dos índios.
Concluímos que o etnocentrismo foi, e ainda é um problema sério que os índios já enfrentaram e ainda lutam. O pensamento que os Europeus tiveram dos indígenas a maioria das vezes justificou tantas injustiças e interferências em suas culturas e religiões. O percurso histórico nos revela mortes em massa e a mudança que os missionários causaram em sua cultura. Muitos indígenas lutam hoje, para recuperarem aspectos religiosos que havia antes do relacionamento com os povos Europeus.
Concluímos que para entendermos a religião indígena não podemos separá-la da natureza, ou seja, a terra e tudo que é proveniente dela, conjuntamente, os animais. Por tal motivo a religião do xamanismo não pode ser compreendida sem outras duas formas de manifestações religiosas: animismo e totemismo.
Uma figura muito importante encontrada na religião é o xamã, no caso brasileiro compreendido como pajé. Curioso verificar que segundo o entendimento daqueles que crêem na religião os xamãs são pessoas dotadas de poderes sobrenaturais, podem dizer tudo sobre o futuro, no que tange aos fenômenos naturais, assuntos relacionados à guerra, ou a morte, pois um xamã tem contato direto com seus ancestrais, ter contatos com os animais ou até mesmo se transformar em um. Outra atribuição mais comum de um xamã, ou pajé é o poder de cura. Por tal motivo encontra-se numa situação privilegiada entre os demais índios. Um xamã pode ser considerado uma peça chave para a religião aqui estudada.
O mito representa-se como um elemento que estrutura a religião indígena e faz com que ela perdure no tempo. Os mitos, embora muito semelhante com as lendas não pode ser confundido. Esta possui uma narrativa romântica, o mito não.
Os ritos são importantes para a sustentação da religião xamanistica, vindo representar a parte simbólica, tirando a religião de um mundo abstrato e sem efetividade, ou seja, baseado somente em crenças. Concluímos que quando um índio pinta seu corpo, perfura seu orelha, dança, canta, fica em silencio em transe... ,ou, prática todos estes atos em conjunto representa um rito: condições, pré-estabelecidas. A religião Dança dos fantasmas é uma manifestação religiosa que possuem crenças semelhante do cristianismo. Mas que, mesmo assim, preservam os traços indígenas, inclusive os objetivos que havia na época de sua instauração. Quanto aos ritos, conclui-se que eram básicos, nada de solenidades e qualquer um indígena poderia, ou melhor, praticar: a dança.

6.0 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Wovoka, O Messias Pauite, citado por BROWN, Dee, Enterre Meu Coração na Curva do Rio, Tradução de Geraldo Galvão Ferraz, L&PM Pocket, vol 338, 2003 – Brasil.


RIZZINI, Irmã, A união da Educação com a Religião nos Institutos Indígenas do Pará (1883-1913), Universidade do Estado do Rio de Janeiro; disponível em: http://www.faced.ufu.br/colubhe06/anais/arquivos/484IrmaRizzini.pdf


LARAIA, Roque de Barros, As religiões Indígenas: o caso tupi-guarani, Revista USP, São Paulo, n.67, p.6-13, setembro/novembro 2005; disponível em www.usp.br/revistausp/67/laraia.pdf

PEREIRA, Franz Kreüther, Painel de Lendas e Mitos da Amazônia, Revisado e Ampliado pelo autor, Trabalho premiado (1º lugar) no Concurso "Folclore Amazônico 1993" da Academia Paraense de Letras, Belém-Pará, 2001, disponível em http://vbookstore.uol.com.br/nacional/misc/painel_de_lendas.PDF,


MENDONÇA, Wilma Martins de, As Religiosidade Indígena no Brasil do Século XVI, Programa de Pós-Graduação em Ciências das Religiões, I Simpósio Internacional de Ciência das Religiões, João Pessoa, 2007; disponível em www.cchla.ufpb.br/religioes/index.php?option=com_content&task=view&id=98&Itemid=76

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 1º edição, 15º impressão, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1986

CHAGAS, Carmo (diretor redação), Grandes Personagens da Nossa História, Do Descobrimento à Nova Republica, Os Momentos Principais de 487 anos de nossa História, Nova Cultural, São Paulo, 1987.

MATOS, Carlos Eduardo Silveira, Grandes Personagens da História Universal, Colombo, Abril Cultural,16º livro, Edição para Portugal, São Paulo-BR, 1970.


7.0 ANEXOS:

Mitos:

JURUPARI
Juruparím, Jeropary, Jeropoari, Yurupari, Iurupoari, Jurupari- Pereira ou Perê

Segundo Batista Caetano, y-ur-apá-ri pode significar "ser que nos vem à rede, o
pesadelo, o sonho mau". Teodoro Sampaio, no entanto, é de opinião que iurú-pari significa "boca fechada, segredo"; conceito semelhante ao do Padre Constantino Tastevin: iu-ru-pari = máscara na boca ou no rosto. Para Coudreau o significado de jurúpará-i é "saído da boca do rio"; e o sábio Stradelli dá a seguinte etmologia: iurú, boca, e pari, grade de talas com que se fecha a saída dos igarapés. Veja-se, também, Couto de Magalhães 19 , para quem "Jurupari é curruptela de Jurupoari", que significa "tirar da boca". Jurupari é uma denominação Tupi para um demônio particular, mas, foi usada com exclusividade pelos missionários para designar qualquer demônio; até assumindo o lugar do diabo cristão nos trabalhos de catequese dos íncolas. Aparece em outras tribos, como os Ba-niva, como KOWAI ou KÓAI, todavia, possui um opositor, uma evidente criação catequética, que incorpora os conceitos religiosos do Bem; é INAPÍRI-KÚRI ou Jesus Cristo. Os Uaupés chamam-no de WÁX-TI ou "espíritos maus".
A lenda diz que Jurupari é um deus que veio do céu em busca de uma mulher perfeita para ser esposa de Coaraci, o Sol, mas, não diz se ele a encontrou e, segundo Orico, essa missão é inatingível. Jurupari foi o maior legislador que os indígenas conheceram, assemelhando-se a Quetzalcoaltl, a "Serpente Emplumada", deus reformador e legislador Maia. Enquanto conviveu com os homens, estabeleceu uma série de normas de conduta e leis morais; instituiu a monogamia, a higiene pessoal através da depilação corporal, restituiu o poder aos homens que viviam em um regime matriarcal; promoveu modificações nos costu-mês e na lavoura; e especialmente deve-se-lhe as festas de colheita. Tão grande foi a sua influência e tão importante seus ensinamentos que o Dr. Hurley, com muita propriedade, definiu-o como o "Moisés tapuio". Algumas das leis do Jurupari permanecem validas até hoje e são as seguintes:

- O chefe cuja mulher for estéril poderá tomar outras para si, sob pena de perder o trono para o mais valente;
- Ninguém cobiçará a mulher de outro, pagando a desobediência com a vida;
- A mulher deverá permanecer virgem até a puberdade e jamais prostituir-se;
- A mulher casada deverá permanecer com o marido até a morte sem traí-lo;
- O marido deve permanecer em repouso durante uma lua, após o parto da mulher;*
- O homem deve sustentar-se com o trabalho de suas mãos;
- É punida com a morte a mulher que ver o Jurupari e o homem que revelar
seus segredos e seus rituais.
Segundo a lenda, a mãe do Jurupari era uma índia virgem chamada Ceuci*, "filha de Tupã e Zuacacy", conforme- Ernesto Cruz 20 , e instigada pela curiosidade foi espionar os rituais, contrariando assim a lei instituída pelo filho. Para servir de exemplo de que as leis do Jurupari não podem ser transgredidas, foi condenada à morte. A cerimônia do Jurupari tem seu ritual em fins de março, que coincide com o período em que as águas diminuem e prenunciam o verão, que começa em maio. Na verdade, na Amazônia não existe inverno e verão, o que chamamos inverno e verão é caracterizado pelas chuvas, abundantes num e escassas noutro período. Na Europa, esse período coincide com o equinócio solar, que determina o início da Primavera, durante a qual se realizava antigamente - e ainda hoje - muitos rituais pagãos.
O Jurupari é um arquétipo presente em diversas culturas, não é um privilégio Tupi, mas por ser essa a maior família índia, espalhada por grande extensão territorial, e por ser a língua Tupi-Guarania mais difundida, os pesquisadores antigos concentram nela os seus trabalhos.

Fonte: (PEREIRA, p.44.45, 2001).


UIRAPURU
Oirapuru, Gauirapuru, Irapuru

É um deus que se transforma em pássaro e anda rodeado de outros pássaros, à guisa da corte. Quando canta, todos os outros pássaros da mata ao redor silenciam, ou querendo aprender seu canto ou em respeitosa reverência. Como diz a letra de uma velha canção*: "A mata inteira fica muda ao seu cantar, tudo se cala para ouvir sua canção". O canto do Uirapuru é a própria Rapsódia Amazônica.
Os sons melódicos produzidos por essa ave são dotados de poder hipnótico, como o canto da Iara e do Cauré. Acreditam os caboclos que se o canto do Uirapuru tem o poder de atrair todos os pássaros, pode, por conseguinte, atrair também a sorte nos negócios e no amor, dai a crença nos seus poderes e propriedades talismânicas.

"O Uirapuru - escreve Machado Coelho 32 - talvez por delegação de Mercúrio e Rudá** é um grande protetor do comércio, de todo gênero de comércio, comércio de amor e comércio de secos e molhados".


Tidos como amuletos naturais são vendidos empalhados, transformados em cinzas ou simplesmente vendem-se as penas e a pele seca. Dizem os entendidos que a pele depois de "temperada", isto é, devidamente preparada nas artes da pajelança, é considerada um forte e poderoso amuleto. Uma vendedora desses tipos de objetos e produtos da medicina folk, na feira do Ver-o-Peso, afiançou-me que os melhores são os roubados, mas não soube me explicar as razões. Porém, Osvaldo Orico 33 justifica o roubo "pela garantia em que fica o possuidor de investir-se no gozo de todos os benefícios da coisa possuída".
Fonte: (PEREIRA, p.55, 2001)

LENDA DO AÇAI

O Açaí é o fruto de uma palmeira (Euterpe Oleracea) bastante comum e abundante no Pará, onde seguramente tem o seu indigenato. No vizinho estado do Maranhão seu nome é Juçara; na Venezuela é Manaca, e Quasei, Qapoe no Suriname. Desse fruto se extrai um caldo escuro e cremoso, de cheiro e sabor característico, conhecido como vinho de açaí e que tanto pode ser servido puro, com açúcar,. com farinha de mandioca, de tapioca, ao natural ou gelado. Do vinho de açaí se obtém diversos manjares da culinária paraense, principalmente sobremesas. É o nosso correspondente a "ambrosia" dos deuses mitológicos do Olimpo.
Da palmeira do açaizeiro também se extrai outro delicioso petisco: o palmito. A errubada desordenada dessa prodigiosa palmeira está preocupando os ecologistas e os consumidores do licoroso suco. Mas ao tempo da lenda essa preocupação inexistia, até porque ainda não havia surgido tal espécime entre os vegetais.
Segundo a lenda, uma tribo que vivia onde hoje está situada a cidade de Belém, atravessava um período negro de escassez, obrigando o cacique Itaki a decretar a morte de toda criança nascida a partir daquela data, como medida de controle demográfico da tribo. Mas, eis que Iaçá, filha do cacique, dá a luz a uma menina. Apesar de ser neta do cacique a recém-nascida deveria ser submetida à pesada lei, debalde os rogos da infeliz e desventurada mãe.
Cumprida a setença, a pobre Iaçá chora por dias, sempre orando a Tupã para que mostre um jeito de acabar com as mortes dos inocentes. Numa noite ela ouve um choro de criança; tentando localizá-lo, descobre sua filhinha encostada numa esguia palmeira, sorrindo-lhe, mas ao abraçar a filha, esta desaparece e Iaçá vê-se atracada ao tronco da palmeira. No dia seguinte, o cacique encontra o corpo da filha abraçado ao tronco de uma palmeira, que trazia um cacho de frutinhas negras como os olhos de Iaçá. Imediatamente ordenou que esmagasse as frutas num alguidar e ao suco obtido batizou de Açai, que é o nome da filha ao contrário.
Outras lendas, como a do Guaraná e da Mandioca, possuem urdidura semelhante, parecendo que as fiandeiras foram as mesmas. Há nelas, também, um curumi que morre e renasce transformado numa bênção para o povo. Fonte: (PEREIRA, p. 68, 2001)

Autor: Davi Souza de Paula Pinto


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