O Fim Da Soberania



O Fim da Soberania

Data desde os primórdios das sociedades humanas o desejo de expansão territorial e, sobretudo, da difusão do exercício de influências - em suma, da prática do poder. Pois bem: Se esse é um traço característico que permeou os mais diversos momentos históricos, não seria de causar espanto que ele se manifestasse no momento presente, na história que vivenciamos.

A história remota não tem outra utilidade senão a de servir de aprendizado, ao menos essa é sua importância de mais notada relevância. A humanidade tem elaborado explicações relativamente satisfatórias para as transformações ocorridas na sociedade, por regra, sempre depois que essas mudanças já ocorreram. Torna-se útil, no entanto, observá-las e compreendê-las no momento em que acontecem, pois só assim se torna possível uma interveniência no correr dos fatos, quando necessário.

Para chegar ao ponto exato que esta discussão pretende alcançar, convêm algumas reflexões: a) Afinal, o que é a democracia senão o exercício do poder pelo povo? Ao menos em tese e de forma simplificada, é esse o seu significado. Todavia, alguns problemas surgem quando essa afirmação é confrontada com a realidade, pois o exercício do poder pressupõe consciência das transformações em fluxo no momento; e essa consciência definitivamente não existe - e nem jamais existiu! - por parte da massa da população da qual, em tese, é emanado todo o poder do Estado; e se isso é verdade, a democracia na acepção tradicional que possui, acima explicitada, também nunca houve. b) Se o poder num Estado democrático não é exercido pelo povo, a base desse regime está ruída? Definitivamente, não.

Longe de ser uma apologia anti-democrática, a idéia levantada tem, ao contrário, o intuito analisar a essência desse regime e suas benesses. O que se percebe é que no regime democrata, o poder é delegado ao povo, mas não é exercido por ele. Aqui, o que contraria o senso-comum e causa a impressão de uma falha na ordem das coisas, é na verdade onde se encerra a grande virtude da democracia, a desconcentração do poder.

Essa desconcentração funciona como uma espécie de salvo-conduto que garante liberdade à sociedade; é algo que a previne contra e torna dificultosa a vida daqueles que, além de julgarem a si próprios os únicos conhecedores da verdade, não bastasse isso, ainda têm por objetivo impô-la aos demais. É, portanto, um remédio que previne contra formas autoritárias de governo. Não por evitar que grupos políticos e econômicos restritos exerçam o poder, pois obviamente continuam exercendo, mas por restringir os meios pelos quais o fazem e embargar muitas de suas manobras ao torná-las mais complexas de serem executadas, visto que a condução das massas requer tempo.

Não obstante, num processo dialético que rege a sociedade, os meios para se alcançar os fins estão sempre em transformação, e o que se percebe é que com a maioria das nações tendo consolidado ao menos uma forma exterior democrática, os meios utilizados para o exercício autoritário de poder têm sido os meios garantidos pela própria democracia.

Recentemente, após a criação da Unasul (União das Nações Sul-Americanas, que reúne os 12 países da América do Sul),o presidente do Brasil, Luis Inácio Lula da Silva, manifestou intenção de estabelecer um Banco Central único, bem como uma moeda única na América do Sul. O fato é que ninguém decide da noite para o dia algo desse tipo – e muito menos criar um organismo supranacional como a Unasul. O embrião de tais decisões possui data certa de fecundação: 4 de julho de 1990. No ano seguinte à queda do Muro de Berlim, nasceu uma nova semente socialista, dessa vez na América do Sul e Central, que cresceu e se desenvolveu travestida por uma aparência democrática; tem início nessa data o Foro de São Paulo[1], evento convocado pelo Partido dos Trabalhadores brasileiro, sob o comando do atual presidente do país, e que deu origem a um movimento organizado envolvendo toda a esquerda latino-americana, inclusive abrigando em seus encontros representantes de grupos terroristas, como as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).

Para corroborar o que foi dito anteriormente, que a Unasul teve como berço o Foro de São Paulo, segue trecho transcrito da Declaração de São Paulo, proclamada ao final do primeiro encontro:

"... definimos aqui, em contraposição com a proposta de integração sob domínio imperialista, as bases de um novo conceito de unidade e integração continental. Ela passa pela reafirmação da soberania e auto-determinação da América Latina e de nossas nações, pela plena recuperação de nossa identidade cultural e histórica e pelo impulso à solidariedade internacionalista de nossos povos. Ela supõe defender o patrimônio latino-americano, pôr fim à fuga e exportação de capitais do sub-continente, encarar conjunta e unitariamente o flagelo da impagável dívida externa e a adoção de políticas econômicas em benefício das maiorias, capazes de combater a situação de miséria em que vivem milhões de latino-americanos. Ela exige, finalmente, um compromisso ativo com a vigência dos direitos humanos e com a democracia e a soberania popular como valores estratégicos, colocando as forças de esquerda, socialistas e progressistas frente ao desafio de renovar constantemente seu pensamento e sua ação."

Uma idéia torpe a de que socialismo e democracia podem coexistir ou caminhar na mesma direção; mais torpe ainda a de que a soberania popular pode ser alcançada através de um organismo supranacional, que nada mais é do que um meio de exercer a concentração do poder e, portanto, ir contra a maior benesse trazida pela democracia, dissolvendo os direitos individuais em coletivos. A soberania nada mais é do que a expressão de uma liberdade individual, porém numa escala em que uma nação ao invés de um indivíduo é a unidade fundamental.

Com o apoio popular, líderes tradicionalmente esquerdistas e radicais, ao reformular discursos de forma a vestirem um traje que lhes garanta um estereótipo centrista, foram aos poucos abocanhando o poder na América Latina e, com isso, colocando em prática seu plano de implantar o socialismo nesta parte do continente.

Uma mudança que está em curso, mas que poucos percebem. Uma revolução paulatina que, por isso, tem demonstrado maior eficácia. Observe-se que um movimento armado é algo brusco e sua percepção não tem como ser negada; surgem, portanto, contra ele movimentos reacionários. Ao passo que uma mudança lenta muitas vezes é imperceptível e, por ser implementada pouco a pouco, acaba sendo aceita com normalidade e sem provocar nenhuma reação contrária.

Cabe a cada um dar-se conta das mudanças que ocorrem ao seu tempo para que assim, a seu critério, tome as medidas que julgar pertinentes. Somente dessa forma cada qual estará exercendo seu papel na história, não com a mera passividade de um espectador, mas como um agente ativo no processo de construção da sociedade.

2 de junho de 2008




Autor: Carlos Cordeiro


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