Entre A Objetividade Do Fato E A Subjetividade Do Humano



Pesquisar na área de Língua Portuguesa e da Educação é caminhar entre a objetividade dos fatos e a subjetividade do humano?

Primeiramente, faz-se necessário definir dois aspectos fundamentais:

• Objetividade = qualidade de objetivo. Tudo o que é perceptível por qualquer dos sentidos, que vai direto ao ponto, prático, positivo, externo à mente.
• Subjetividade = Do ou existente no sujeito, pessoal, individual, redução ao sujeito.

Partindo das definições acima, é inegável que as áreas de Língua Portuguesa e de Educação estão mais ligadas à subjetividade, por ter no humano seu principal objeto de estudo. Enquanto a Língua Portuguesa estuda o ser humano a partir de sua ligação com a prática lingüística, a Educação estuda e analisa o processo de desenvolvimento da capacidade intelectual e moral do ser humano.

Faz-se necessário trabalharmos, inicialmente, com o que se entende por Ciências Naturais e Ciências Humanas, áreas distintas que servirão de base para o desenvolvimento da idéia proposta. Entende-se por Ciências Naturais o estudo de tudo aquilo que pode ser observado e experimentado, pois elas estabelecem leis universais, que não variam. Em contrapartida, as Ciências Humanas trabalham com o “singular”, com tudo o que se refere à atividade do homem, seu objeto de estudo é tudo o que é produzido por ele. As Ciências Humanas não devem ser vistas como objetos de observação nem de experimentação, pois não estabelecem leis objetivas e universais, não se explicam, são subjetivas, sensíveis, afetivas e opinativas.

A experimentação permite ao cientista formular hipóteses sobre um determinado fenômeno natural, o que não é possível se fazer a partir da análise e da observação do indivíduo, já que ele é singular, único e individual. Sobre isso, Marilena Chauí afirma que o método experimental é hipotético-indutivo: o cientista observa inúmeros fatos variando as condições de elaboração; elabora uma hipótese e realiza novos experimentos ou induções para confirmar ou negar a hipótese (1994, p.263). Fica claro, assim, que as Ciências Naturais podem ser estudadas a partir de um fenômeno, que pode ser aplicável a todos os fenômenos de mesma espécie e origem.

Já nas Ciências Humanas isso não ocorre, pois os seres humanos são muito diferentes das coisas naturais. Chauí, sobre isso, afirma que os fatos humanos são históricos, dotados de valor e de sentido de significação e finalidade e devem ser estudados em suas características que os distinguem dos fatos naturais (idem, p.272). Destaca-se, assim, a diferença mais significativa entre as duas Ciências citadas. Os fatos humanos, em oposição aos fatos naturais, não podem e não devem ser estudados a partir da experimentação ou da observação, mas sim a partir da compreensão e da explicação, através da busca da causalidade que os rege.

Segundo Antônio Carlos Gil, os fenômenos humanos não ocorrem de acordo com uma ordem semelhante à observada no universo físico, o que torna impossível a sua previsibilidade (1995, p. 22). Assim, os fatos humanos devem ser estudados de forma individualizada, pois terão causas diferentes a partir da mesma forma de observação. O ser humano é imprevisível, as coisas naturais não. Aliás, a previsão é uma das maneiras pelas quais o ideal da ciência se realiza. Ato esse não-aplicável às coisas humanas.

As Ciências Naturais podem ser estudadas através do determinismo, já que sempre será possível determinar a causa de um fenômeno natural. O humano é justamente o contrário: não se determina a causa de um ato praticado pelo homem, mas sim se compreende e se explica esse fato. Para todo fato natural tem-se uma causa, para todo fato humano, tem-se uma explicação. Chauí afirma que o humano é justamente subjetivo, sensível, afetivo, valorativo e opinativo. (idem, p.272), por isso ela questiona que não é possível transformá-lo em objetividade, sem destruir sua principal característica, que é a subjetividade.

As Ciências Humanas, em contrapartida, podem ser estudadas através do relativismo, já que suas leis não podem ser universalizadas, pois variam de indivíduo para indivíduo, de época para época e de cultura para cultura. Nos fatos humanos, tudo é relativo, ao passo que nos fatos naturais tudo é determinado. Entre esses dois fatos o caminho é longo, diferente e sem qualquer tipo de interligação.

Voltando, então, à questão formulada, podemos determinar que a pesquisa social é muito mais subjetiva do que objetiva. Os pesquisadores sociais, segundo Gil, por serem humanos, trazem para as suas investigações certas normas implícitas acerca do bem e do mal, prejudicando os resultados de suas pesquisas (idem, p. 22). Ora, se até o pesquisador social é subjetivo, quem diria o objeto de sua pesquisa.

Por outro lado, a pesquisa nas áreas de Língua Portuguesa e de Educação pode sim partir de um fato natural, objetivo, experimentado e observado e caminhar em direção ao fato humano, subjetivo, compreendido e explicado. Mas a objetividade é apenas o ponto de partida para a pesquisa. O início de uma investigação, que logo cai na subjetividade do humano, fica nele até que se chegue aos resultados esperados. Sobre isso, Gil afirma que os fenômenos sociais (...) envolvem uma variedade tão grande de fatores que tornam inviável (...) a realização de uma pesquisa rigidamente experimental (idem, p. 22).

Tomemos como exemplo uma sala de aula, de ensino fundamental, formada por trinta alunos de origens e classes sociais diferentes e com rendimento de cerca de 60% abaixo da média. Um pesquisador que quiser investigar as causas desse baixo rendimento, poderá iniciar sua investigação pelo levantamento da origem e da classe social dos alunos com baixo rendimento, comparando-o aos alunos com rendimento igual ou acima da média. Com certeza, ele não chegará às causas do problema, já que terá resultados bem diferentes. Provavelmente, cada aluno investigado apontará uma causa para seu baixo rendimento escolar, não sendo, por isso, possível identificar uma causa que o possa ter originado, não sendo possível, para o educador, trabalhar com essa causa. Por outro lado, se a pesquisa for apenas para fazer um levantamento percentual dos alunos com baixo rendimento ou igual / superior à média, os resultados serão objetivos e bem próximos da realidade. Mas não será possível, através dessa pesquisa, contornar o problema.

Se, ainda como exemplo, fizermos uma pesquisa sobre o português não-padrão, aqui denominado PNP, falado entre pessoas de diferentes regiões do país e de classes sociais e culturas também diferentes, os resultados serão os mais variados possíveis. Isso não justificaria o emprego de determinadas expressões em algumas regiões, com sentidos diferentes de outras, já que a língua é um processo que determinada as características de um subgrupo, representativo de uma região ou classe social / cultural. Dessa forma, o pesquisador que quiser saber, por exemplo, por que muitas pessoas dizem “eu vi ele”, forma comum no PNP, não chegará a resultados concretos e objetivos, pois varia de indivíduo para indivíduo, o que a tornaria a pesquisa subjetiva e pessoal.

Assim, não seria possível, por exemplo, a partir da observação e da experimentação, realizar uma pesquisa social relativa ao PNP e suas causas. Por outro lado, se o pesquisador estiver interessado em fazer um levantamento da porcentagem de pessoas, em uma determinada região, que usam o PNP, será uma tarefa bem mais simples. Essa pesquisa será objetiva e, com base na técnica da amostragem, chegará a resultados bem próximos da realidade.

Gil afirma que o experimento em investigações sociais é bem pouco utilizado, visto que (...) o cientista não possui o poder de introduzir modificações nos fenômenos que pretende pesquisar (idem, p.25). O autor afirma ainda que a ciência se vale fundamentalmente do método experimental, que exige (...) o controle das variáveis que poderão interferir no fenômeno estudado (idem, p.22). Essas observações servem para justificar os exemplos dados.

Assim, as pesquisas nas áreas de Língua Portuguesa e de Educação podem sim, variar entre a objetividade dos fatos e a subjetividade do humano, dependendo do fato e do objeto a ser pesquisado. Mas, em linhas gerais, essas pesquisas ficam bem mais próximas da subjetividade do humano, pois, afinal, é ele o foco central das pesquisas sociais. Dessa forma, uma pesquisa nessas áreas serviriam apenas para levantar dados, não para contornar o problema. 

BIBLIOGRAFIA



CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo, SP. Ática, 1994.


GIL, Antônio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 4ª ed. São Paulo, SP. Atlas, 1995.



Autor: Wagner Torlezi


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