O Princípio da Função Social dos Contratos no Direito Societário



Marcelo Maciel Martins

Advogado e Professor de Direito Administrativo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Social e Agrimensura Legal da Universidade Federal Ruarl do Rio de Janeiro - UFRRJ.

O Princípio da Função Social dos Contratos no Direito Societário

1ª edição

Rio de Janeiro

Edição do Autor

2007

Copyright © by Marcelo Maciel Martins

Produção Editorial

Marcelo Maciel Martins

É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/ou editoriais. A violação de direitos autorais constitui crime *Código Penal, art. 184, §§, e Lei n° 6.895, de 17/12/1980, sujeitando-se a busca e apreensão e indenizações diversas (Lei n° 9.610/98).

CIP – Brasil. Catalogação-na-fonte

Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

MARTINS. Marcelo Maciel.

O Princípio da Função Social dos Contratos no Direito Societário. – 1.ed. – Rio de Janeiro: Edição do Autor, 2007.

40p. ; 14 cm x 21cm

ISBN 978-85-907605-2-8

1. Direito Empresarial. I – Princípios. II – Função Social.

CDU -34

Todos os direitos desta edição estão reservados à

Marcelo Maciel Martins

[email protected]/ [email protected]


Impresso no Brasil

Printed in Brazil

Este trabalho surgiu, em parte, pelo esforço e necessidade de manter-me atualizado em virtude das freqüentes mudanças que afetam o ordenamento jurídico brasileiro e pelo incentivo de buscar a excelência na pesquisa científico-jurídica, a que o dedico: ao meu grandioso Deus, ao meu amigo e docente nato Valter Corrêa Luiz, minha esposa Carla e meu adorável filho, Miguelzinho.

O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS NO DIREITO SOCIETÁRIO

RESUMO

O objeto deste trabalho é a discussão sobre a aplicação do princípio da função social dos contratos no Direito Societário e o seu objetivo é produzir uma investigação sobre os novos os princípios norteadores dos contratos, tais como: o princípio da eticidade, operacionalidade e socialidade, inseridos brilhantemente pelo legislador do Código Civil de 2002, rompendo o ultrapassado, porém, importante, diploma de 1916. Para a realização deste trabalho foi necessária a análise de diferentes autores como Gustavo Tepedino, Mônica Gusmão, Frederico Augusto Monte Simonato, Carlos Roberto Gonçalves, Miguel Reale entre outros, que expuseram o tema de forma eloqüente demonstrando a


grande importância que representou o surgimento dos novos princípios orientadores dos contratos. Concluem, em sua maioria, que a inovação trazida pelo Código Civil somada aos princípios tradicionais dos contratos, deu uma nova roupagem a sistemática contratual, bem como o redirecionamento do enfoque individual para o coletivo, demonstrando a grande preocupação com o coletivo sobre os interesses individuais.

Palavras-chaves: Direito Societário. Eticidade. Operacionalidade. Socialidade. Função Social.


SUMÁRIO

Dedicatória, v

Resumo, vii

1. Introdução, 11

2. Princípios Orientadores, 13

2.1. Socialidade, 13

2.2. Eticidade, 17

2.3. Operabilidade, 22

3. A Função Social da Empresa como Instrumento de Constituição das Sociedades, 25

4. Considerações Finais, 35

Referências Bibliográficas, 38


1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende discutir o princípio da função social dos contratos no Direito Societário, abordando as modificações introduzidas pelo Novo Código Civil de 2002.

Nesse propósito, antes de adentramos na função social da empresa como instrumento de constituição das sociedades, é mister discutir sobres os princípios norteadores dos contratos, modificados brilhantemente pelo legislador do Código Civil de 2002, contrariando o velho e rígido diploma de Beviláqua.

Os princípios que outrora eram abordados pelo antigo Código Civil somaram-se aos novos princípios da eticidade – boa-fé objetiva entre os contratantes, ou seja, a lealdade de contratar entre as partes –; operacionalidade – atribui ao contrato o caráter do justo e efetivo –[1]; e a socialidade – é o princípio que visa condicionar o instrumento sempre na essência do coletivo.


Com o surgimento desses novos princípios, os adotados pelo antigo Código Civil de 1916, não perderam sua funcionalidade, porém, foram extremamente mitigados, dando lugar à fantástica evolução humana, social, científica, e etc.

Com essa nova roupagem, faz-se mister entender e perquirir a nova aplicabilidade do princípio da função social nos contratos societários, em virtude da mudança trazida pelo Código Civil de 2002, demonstrando o quanto importante representaram as alterações dentro do Direito Societário, i.e., não só mais para as partes envolvidas – os sócios –, mas também para toda a sociedade.


2. PRINCÍPIOS ORIENTADORES

2.1. Socialidade

Com a edição do Novo Código Civil, surgem os três princípios norteadores dos contratos, sendo o mais marcante é o Princípio da Socialidade. Consiste ele na efetividade dos valores coletivos sobre os individuais, sem a perda, porém, do valor da dignidade da pessoa humana[2].

Para a Professora Mônica Gusmão o contrato vai além dos interesses individuais, i.e., aqueles ligados diretamente ao negócio jurídico, visando alcançar a sociedade como um todo, limitando-se àqueles que serão alcançados com a realização do feito[3].

Segundo o jurista Miguel Reale, o social é uma das características mais marcantes do Código Civil de 2002, pois


põe em contraste com o sentido individualista do Código de 1916 de Clovis Beviláqua, refletindo as grandes variações que o século tem atravessado, devido aos diversos conflitos sociais e militares[4], refletem também a evolução da tecnologia, a emancipação da mulher e a conseqüente reestruturação da família.

Nas sábias palavras do saudoso Jurista[5]:

(...) Se não houve a vitória do socialismo, houve o triunfo da "socialidade", fazendo prevalecer os valores coletivos sobre os individuais, sem perda, porém, do valor fundante da pessoa humana. Por outro lado, o projeto se distingue por maior aderência à realidade contemporânea, com a necessária revisão dos direitos e deveres dos cinco principais personagens do Direito Privado tradicional: o proprietário, o contratante, o empresário, o pai de família e o testador.

Assim, na elaboração do Código, procurou-se atentar a este novo princípio, que não somente busca adequar as normas com o objetivo de dá-las um sentido social, como também uma reflexão nas mudanças ocorridas na sociedade, tendo como finalidade precípua, conforme consignado no Preâmbulo Constitucional, uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social, possuindo como valores supremos, o livre exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça.

A grande maioria das mudanças, do Código Civil de 2002, foram àquelas que procuraram adequar-se ao princípio da socialidade, pois, mister ressaltar que a condição de igualdade colocada entre o homem e a mulher pela Carta Magna, fez com que no direito de família surgisse a mudança do antigo "pátrio poder[6]", para o novo "poder familiar", que atualmente é exercido por ambos os cônjuges em razão da família e dos filhos.

Miguel Reale em seu artigo Visão Geral do Projeto de Código Civil, citou ainda, que com o surgimento do princípio de socialidade, o instituto da posse passou a produzir um novo conceito, i.e., a posse-trabalho, ou "pro labore", razão pela qual o prazo para perquirir-se o usucapião de um imóvel será reduzido, caso os possuidores vierem estabelecer no imóvel usucapido a sua morada, ou realizar investimentos de interesse social e econômico[7].

Assim, o princípio da socialidade forçou uma revisão e a atualização dos antigos conceitos de posse e propriedade, devendo ser exercidos em consonância com os fins sociais da propriedade. Ademais, prevaleceu nesse sentido que os interesses e necessidades da coletividade se sobrepõem aos interesses individuais[8], sem perda, porém, do valor fundamental da pessoa humana, devendo a propriedade, primariamente, atender à sua função social.

 Surge, então, no Direito Civil, em virtude do princípio da socialidade, o instituto da Função Social, já consagrado no Texto Constitucional, podendo o mesmo atingir os bens móveis e imóveis, os contratos, e no presente trabalho, a empresa.

2.2. Eticidade

O segundo princípio orientador dos contratos é a eticidade, que também possui uma característica bem marcante no Novo Código Civil, quando procurou atenuar o rigorismo normativo com a rigidez e formalidade do Código de Beviláqua.

O princípio da eticidade surge a partir da aproximação do Código a verdade real, i.e., confere ao magistrado não só o Poder para suprir lacunas, mas também para resolver, onde e quando previsto, de conformidade com valores éticos e morais, nesse sentido, escreveu Miguel Reale[9]:

(...) Não acreditamos na geral plenitude da norma jurídica positiva, sendo preferível, em certos casos, prever o recurso a critérios ético-jurídicos que permita chegar-se à "concreção jurídica", conferindo-se maior poder ao juiz para encontrar-se a solução mais justa ou eqüitativa.

Assim, na elaboração do Código de 2002, os legisladores buscaram afastar-se do rigorismo normativo constante no antigo Código Civil de 1916, que acreditava que a solução dos conflitos era resolvida técnica e cientificamente, através de letra fria da Lei, sem apelo a princípios considerados metajurídicos[10].

(...) Em nosso projeto não prevalece à crença na plenitude hermética do Direito Positivo, sendo reconhecida a imprescindível eticidade do ordenamento. O código é um sistema, um conjunto harmônico de preceitos que exigem a todo instante recurso à analogia e a princípios gerais, devendo ser valoradas todas as conseqüências da cláusula rebus sic stantibus.

Para Desembargador Carlos Roberto Gonçalves, o princípio da eticidade funda-se no valor da pessoa humana como fonte de todos os demais valores, priorizando nas relações jurídicas a equidade, a probidade, a boa fé, a justa causa e todos os critérios éticos. Assim, para o magistrado, haverá um aumento do seu Poder, lhe garantirá encontrar uma solução mais justa e eqüitativa ao conflito, pois aproximará a Lei de Ritos Civil ao caso concreto, sendo, neste sentido, posto o equilíbrio econômico aos contratos como base ética de todo direito obrigacional[11].

Com o surgimento do referido princípio, surge também uma nova figura ao direito, que é a possibilidade do magistrado de intervir face ao advento de situações imprevisíveis, que inesperadamente venham alterar os dados do problema, tornando a posição de um dos contratantes excessivamente onerosa[12], v.g., como nos casos dos artigos 157 (da Lesão), e artigo 478 ao 480 (da Resolução por Onerosidade Excessiva), podendo balancear ou resolver o contrato em questão, valorando todas as conseqüências da cláusula "rebus sic stantibus".

Ademais, são vários os exemplos da aplicação do princípio da eticidade no Código Civil de 2002, principalmente no Direito das Obrigações, chegando a afirmarem[13] que a função social do contrato é corolário do princípio da eticidade, dispondo o artigo 421 que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites daquela função.

Neste sentido, os Enunciados de n° 21 e n° 22 do Conselho de Justiça Federal, cristalizou os entendimentos de diversos doutrinadores a acerca do tema[14], trazendo uma maior clareza, in littare:

E. 21. Art. 421: a função social do contrato, prevista no art. 421 do Código Civil, constitui cláusula geral, a impor revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito.

(...)

E. 22. Art. 421: a função social do contrato, prevista no art. 421 do Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses, metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana.

Contudo, vale lembrar que a função social perquirida pelo Novo Código Civil, já se encontrava presente na Lei de Sociedade por ações desde meados da década de 70, através da Lei n° 6.404/76, nos artigos 116, p. ú e 154[15].

2.3. Operabilidade

O Princípio da Operabilidade é o terceiro princípio que compõe a natureza contratual, podendo ser traduzido por uma simples frase: O direito é feito para ser efetivado, para ser exercido, operado. Por essa razão, na elaboração do Novo Código Civil foi evitado o complicado, afastando-se as perplexidades e complexidades[16].

Ademais, o legislador do Código Civil de 2002, dando um claro exemplo desse posicionamento, adotou um critério seguro para distinguir os institutos da prescrição e da decadência, pondo fim, em uma longa e infindável discussão dobre o tema[17].

Assim, adota-se, pelo princípio da operabilidade, claros e simples critérios para a conceituação de certos institutos. Contudo, lembra Miguel Reale, que o mesmo princípio fez surgir a criação de algumas normas jurídicas abertas, para que a atividade social dela, na sua evolução, venha a alterar-lhe o conteúdo, permitindo uma melhor aplicação ao caso concreto[18].

Deste terceiro princípio, segundo o Professor Miguel Reale, surge o Princípio da Concretude[19], sendo assim conceituado, in verbis:

(...) concretude, que é? É a obrigação que tem o legislador de não legislar em abstrato, para um indivíduo perdido na estratosfera, mas, quanto possível, legislar para o indivíduo situado: legislar para o homem enquanto marido; para a mulher enquanto esposa; para o filho enquanto um ser subordinado ao poder familiar. Quer dizer, atender às situações sociais, à vivência plena do Código, do direito subjetivo como uma situação individual; não um direito subjetivo abstrato, mas uma situação subjetiva concreta. Em mais de uma oportunidade ter-se-á ocasião de verificar que o Código preferiu, sempre, essa concreção para a disciplina da matéria.

Em seguida, após a breve explanação sobre os Princípios Orientadores dos Contratos do novo Código Civil, faz-se mister a apresentação da função social da empresa na constituição das sociedades e a aplicabilidade dos princípios da socialidade, eticidade e operabilidade sobre o direito empresarial.


3. A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA COMO INSTRUMENTO DE CONSTITUIÇÃO DAS SOCIEDADES

Uma sociedade é aquela que centraliza as imputações dos direitos, obrigações e responsabilidades, que facilita a conglomeração, de pessoas que contribuam com recursos para a realização de um objetivo em comum, sem que os bens individuais possam responder pelas obrigações sociais[20].

Logo, mesmo uma empresa sendo explorada por esta sociedade, a função social deverá estar presente no seu instrumento de constituição, ou seja, é a sociedade


constituída de forma verbal ou não, que na qual diferencia-se da sociedade efeito, que é aquela como efeito jurídico do instrumento que a constitui[21].

Por ser um contrato plurilateral, o contrato de constituição de sociedade também é incompleto e de execução continuada, razão pela qual o princípio da maioria se impõe como instrumento regulador para deliberar as modificações que venham se revelar no melhor interesse dos sócios.

Neste prisma, a função social da empresa deve ser verificada em seu instrumento de constituição, tendo com fundamento basilar o preceito constitucional do art. 5º, inciso XXII, já que contrato é instrumento de circulação da propriedade, lembrando-se, por oportuno, as lições Giselda Hironaka[22]:

(...) Ainda que o vocábulo social sempre apresente esta tendência de nos levar a crer tratar-se de figura de concepção filosófico-socialista, deve restar esclarecido tal equívoco. Não se trata, sem sombra de dúvida de estar caminhando no sentido de transformar a propriedade em patrimônio coletivo da humanidade, mas tão apenas de subordinar a propriedade privada aos interesses sociais (...)

Quando se fala nas relações associativas, a função social do contrato societário deve ser tratada de forma diferenciada daquela aplicada na seara do Direito Consumerista e Trabalhista.

Primeiramente, deve-se ter em mente que as relações societárias devem ser analisadas de forma diversa dos parâmetros apresentados por demais relações, especialmente as regidas por legislações extravagantes caracteristicamente protecionistas, v.g., consumerista e trabalhista, levando-se em consideração que os princípios do Direito Empresarial são o individualismo, a onerosidade e a busca do lucro nas suas relações.

Portanto, o que se traz a baila é a mitigação dos princípios nas relações mercantis, ou seja, não se trata de invalidar os princípios já consagrados pelo Direito Empresarial, mas, ao contrário, aplicá-los em consonância com os princípios norteadores Teoria Geral dos Contratos, i.e. de acordo com o Novo Código Civil, não se olvidando que, em situações de choque de normas, em situações de caso concreto e em razão de suas especificidades, uns cedem em relação a outros. Pertinente mencionar citação realizada por Teresa Negreiros[23] em seus estudos, in littare: "Quando os princípios entram em colisão (...) um dos princípios tem que dar lugar ao outro (...)".

Vale lembrar que em virtude da aplicação do princípio da função social nas relações tidas como empresariais, é necessário apontar o princípio da paridade, que quando estudado por Pietro Perlingieri no Código Civil italiano e o princípio da igualdade previsto na Constituição da Itália, conclui que[24]:

(...) O princípio da paridade de tratamento pressupõe a paridade de condições e regras rígidas que se inspiram em critérios precisos, os quais podem ser somente patrimoniais, somente pessoais, ou de natureza mista. Segundo uma elaboração, defronte de condições paritárias deve reservar-se um tratamento paritário e a partir daí se argumenta que o princípio da paridade pode ser aplicado mesmo num ordenamento jurídico que não prevê o princípio da igualdade, como demonstra o ordenamento civilístico de 1942.

Assim, a função social do contrato deverá ser relida com os olhos pautados na Teoria Geral dos Contratos[25], que se traduz nos princípios da autonomia da vontade – liberdade de contratação das partes –, o pacta sunt servanda – força obrigatória dos contratos – e a relativização dos efeitos dos contratos – efeito interna corporis dos contratos, com os novos princípios norteadores dos contratos, trazidos pelo Novo Código Civil, tais como os princípios[26] da eticidade – boa-fé objetiva –, operacionalidade – efetividade –, socialidade – interesse social.

Segundo os ensinamentos de Paulo Nalin[27], a função social poderá se manifestar de forma intrínseca ou extrinsecamente. Pela forma intrínseca, a função social se revelaria através da boa-fé objetiva, i.e., da lealdade entre os contratantes. Já pelo aspecto extrínseco, a função social do contrato se revelaria através do impacto da eficácia do contrato na sociedade em que fora celebrado.

Exercendo a análise da função social do contrato de constituição de sociedade sob o seu aspecto intrínseco, poder-se-ia afirmar que a cláusula geral prevista no art. 421 do Código Civil possui aplicações específicas em direito societário[28].

Como forma de ilustrar o que já fora comentado, aponta-se a vedação da cláusula leonina prevista no art. 1.008 do Código Civil[29], ou ainda, a necessidade de que se conste, de forma expressa, no estatuto social os privilégios e desvantagens previstos para os acionistas preferencialistas, conforme preceituado na lei nº 6.404/76[30].

Vale também ressaltar que a função social no contrato social possuiu um segundo aspecto, que seria norma prevista no art. 999, que visa exigir a unanimidade dos sócios para a modificação das matérias arroladas no art. 997, ambos do Código Civil. Veja-se, neste ponto da Lei, o legislador procurou impedir que a maioria capitalista viesse a sobrepor aos interesses da minoria, nas cláusulas que julgou essencial quanto à formação e constituição da sociedade. Há também outras formas de proteção, casos em que o quorum de deliberação é estabelecido em razão do número de sócios (critério per capita) e não em razão da participação no capital social.

Outro exemplo dessa preocupação pode ser notado no parágrafo único do artigo 116 e art. 154, ambos da lei nº 6.404/76[31].

Para Frederico Simionato[32], o Conselho de Administração e a Assembléia Geral representam um instrumento que viabiliza o pleno exercício da vontade do controlador, devendo este poder ser prescindido pelo controle externo e independente, verificando se os atos da gestão estão atendendo os interesses da coletividade.

Dentre as muitas normas que procuram limitar o interesse do grupo controlador, pode-se citar a norma prevista no art. 254-A, da lei nº 6.404/76, que prevê a cláusula tag-along[33]para as companhias abertas.

Já pela análise do aspecto extrínseco da função social do contrato de constituição da sociedade, percebe-se que o contrato societário é estribado por interesses sociais, que em certas circunstâncias discordam dos interesses individuais dos contratantes.

Uma forma de exemplificar o exposto acima seria a norma prevista no art. 1.059 do Código Civil, que imputa responsabilidade aos sócios no caso de distribuição de lucros com prejuízo do capital social. Isto se verifica porque a sociedade foi constituída com o objetivo do interesse comum entre os sócios, ou seja, a partilha dos resultados. Logo, tal objetivo não deve ser relacionado para atender somente aos interesses individuais dos contratantes.

De outra vertente, o legislador do Código Civil de 2002, previu tipos societários distintos e determinados, v.g., sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples, sociedade em comandita por ações, sociedade limitada, sociedade anônima, nos quais a responsabilidade dos sócios decorre da própria forma social adotada na formação da sociedade.


4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o objetivo de concluir o trabalho, entende-se pertinente abordar pontos que são considerados como fundamentais, pois, somente assim pode-se identificar a importante relevância que o advento do novo Código Civil trouxe para a sistemática jurídica.

Pelo antigo Código de 1916, aos contratos eram aplicados os princípios da autonomia da vontade; o pacta sunt servanda e a relativização dos efeitos dos contratos. Com o advento do novo Código de 2002, os referidos princípios foram mitigados, que propiciou a aplicação conjunta dos princípios da eticidade, operacionalidade e socialidade.

Com esta inovação trazida pelo novo ordenamento, o sistema anterior, tido como rígido e complexo, fora posto de


lado dando lugar a ao coletivo ao invés do individual, entendimento que acompanhou a norma constitucional de 1988.

Tanto na ótica societária quanto na ótica geral, o princípio da eticidade veio para propiciar a ética dentro dos contratos, ou seja, o emprego da boa-fé objetiva, pois, com a evolução do tempo deixou de ser norma relativa para se tornar obrigatória.

No princípio da operacionalidade, o legislador evitou o complicado, podendo ser traduzido por uma simples frase: O direito é feito para ser efetivado, para ser exercido, operado. Isto tornou o ordenamento mais prático, por exemplo, dissipou com a grande tormenta que representava os institutos da prescrição e decadência para os operadores do direito.

Já no princípio da socialidade, que acaba recaindo no trabalho aqui tratado, consiste na efetividade dos valores coletivos sobre os valores individuais, sem a perda, porém, do valor da dignidade da pessoa humana.

No que concerne ao princípio da função social do contrato, verificou-se que as modificações trazidas pelo Código de 2002 foram de grande importância para o direito societário, mas não inovadoras, pois, no ordenamento das sociedades anônimas, editado na segunda metade da década de 70, já se perquiria a função social do contrato tanto em relação aos acionistas quanto ao administrador, conforme se observa nos art. 116. p.ú. e art. 154.

E, para finalizar, a função social pode apresentar aspectos intrínsecos quanto extrínsecos. Para o primeiro aspecto ela se revela através da boa-fé objetiva – a lealdade de contratar entre as partes. Já para o segundo aspecto, a função social seria o impacto que a eficácia produziria no contrato na sociedade em que fora celebrado.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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NALIN, Paulo Roberto, Do Contrato: Conceito Pós-Moderno – Em Busca de sua Reformulação na Perspectiva Civil-Constitucional, Curitiba : Juruá, 2001.

NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato: Novos Paradigmas.Rio de Janeiro : Renovar, 2002.

PERLINGIERI, Pietro. Perfis de Direito Civil. (Trad.) Maria Cristina De Cicco. 2 ed., Rio de Janeiro : Renovar, 2002.

REALE, Miguel. Visão geral do Projeto de Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 40, mar. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=509>. Acesso em: 02 out 2007.

SIMIONATO, Frederico Augusto Monte. A Função Social e o Controle do Poder de Controle nas Companhias, Revista de Direito Mercantil 135/94, nova série, julho-setembro, 2004.

SZTAJN, Rachel. Associações e Sociedades, Revista de Direito Mercantil 128/15, nova série, outubro – dezembro. 2002.

TEPEDINO, Gustavo. A Boa-Fé Objetiva no Código de Defesa do Consumidor e no Novo Código Civil. Revista da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, v. 6, n. 23, 2003.




Autor: Marcelo Maciel Martins


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