LITERATURA, RELIGIÃO E PODER ? ELEMENTOS INTRÍNSECOS NA OBRA A LETRA ESCARLATE DE NATHANIEL HAWTHORNE



Mesmo com diversas contradições, consideramos a literatura como uma manifestação artística, que usa a linguagem como forma de expressão, e que por mais realista pareça,trata-se de ficção. Muitas vezes aos nossos passa despercebido que em toda obra literária existe uma ideologia e uma postura do artista diante da realidade e dos anseios humanos. Nataniel Hawthorne, ao escrever A Letra Escarlate, nos faz uma crítica a preceitos anteriores à colonização norte-americana, a religião.
A religião é uma das mais antigas manifestações do homem. Sua essência consiste num ato de devoção aos poderes divino, onde o ser humano acredita que esses são capazes de dirigir e controlar o curso da natureza e da vida humana.(BARSA,1993, p.255,v.13).

"A obra literária não é pura receptividade imitativa ou reprodutiva, nem pura criatividade espontânea e livre, mas «expressão» de um sentido novo, escondido no mundo, e um processo de construção do objeto artístico, em que o artista colabora com a natureza, luta com ela ou contra ela, separa-se dela ou volta a ela, vence a resistência dela ou dobra-se as exigências dela. [...]. O artista é um ser social que busca exprimir seu modo de estar no mundo na companhia de outros seres humanos, reflete sobre a sociedade, volta-se para ela, seja para criticá-la, seja para afirmá-la, seja para superá-la." (CHAUÍ,Marilena .Convite à Filosofia)

Hawthorne narra em sua obra-prima, a história de Hester, uma mulher que vivia só em New England como uma viúva, pois como o desaparecimento de seu marido já se perdurava por muito tempo a solitária mulher só assim podia estar. É necessário ressaltar que os estado em que Hester se encontrava não a tornava viúva, já que não existiam provas concretas da morte do marido. No meio dessa espera e para o espanto de todos, Hester engravida e está convicta a não revelar o nome do pai de Pearl que, junto a ela cometeu o pecado do adultério. Ela é totalmente submetida à vergonha por haver cometido adultério contra seu marido, que supostamente havia morrido em sua viagem da Inglaterra para América. Hester é presa e obrigada a usar a letra de cor escarlate, que a identifica como adúltera. Essa obra nos permite observar quão severo eram os castigos aplicados a mulheres que cometiam adultério naquela época, já que todos da cidade a insultavam e a descriminavam de uma forma tão hostil, e único que a defende e a ajuda é o reverendo Dimmesdale, que era o representante da religião puritana. O puritanismo é uma mentalidade ou atitude religiosa que começou cedo na história da Inglaterra com o intuito de ?purificar? a Igreja da Inglaterra. Desde o século 14, surgiu uma tradição de profundo apreço pelas Escrituras e questionamento de dogmas e práticas da igreja medieval, com base nas mesmas e com a colonização americana, muitos quiseram mais rigidez na purificação da nova colônia. O marido de Hester, Roger Chillingsworth, observa em silêncio toda cena humilhante que envolvia sua esposa, e depois com o intuito de medicar a mãe e a filha, vai ao encontro das mesmas e tenta extrair a verdade delas. Ao perceber que Hester não revelará tal segredo, ele a pede que jamais revele a ninguém que ele é o seu marido, já que ali ninguém sabia quem ele era. E com o passar do tempo o marido da portadora da Letra Escarlate conhece e se torna amigo de Arthur Dimmesdale.
Tal aproximação faz com que o médico veja a Letra "A" e descubra que o reverendo, representante da Igreja e de Deus é o pecador, que junto à adúltera puseram no mundo Pearl. Dimmesdale acaba revelando-se como adúltero e mostra para todos a Letra "A" que carregara em seu peito ao longo de sete anos, em seguida morre enquanto se despede de Hester e da pequena Pearl. Pearl se casa com um aristocrata, herda uma grande fortuna e entra em contato com a mãe através de constantes correspondências que envia à velha cabana onde a mãe ainda vivia. Algum tempo depois Hester morre e é enterrada junto a Dimmesdale e em suas tumbas, ainda demonstrando o imenso poder do puritanismo, é gravado "NUM CAMPO SEVERO, IMENSO, NEGRO E TRISTE, GRAVADA A VERMELHO, A LETRA A SUBSISTE!"

"Literatura é a linguagem carregada de significado. Grande Literatura é simplesmente a linguagem carregada de significado até o máximo grau possível. A literatura não existe no vácuo. Os escritores como tais, têm uma função social definida, exatamente proporcional à sua competência como escritores. Essa é a sua principal utilidade." (POUND, Ezra, poeta, teórico e crítico de literatura norte-americano)

Podemos analisar a obra de Hawthorne sob a ótica de Michel Foucaut, já que é notório a existência de um poder maior exercendo uma ideologia não só na sociedade americana, mas bem como na maioria dos leitores. Nathaniel era oriundo de uma família puritana, o que possivelmente deu mais força e veracidade em seu romance. Como diria Foucault, o poder não é fechado, ele estabelece relações múltiplas de poder, caracterizando e constituindo o corpo social e, para que não desmorone, necessita de uma produção, acumulação, uma circulação e um funcionamento de um discurso sólido e convincente. "Somos obrigados pelo poder a produzir verdade", somos obrigados ou condenados a confessar a verdade ou encontrá-la (?) Estamos submetidos à verdade também no sentido em que ela é a lei, e produz o discurso da verdade que decide, transmite e reproduz, pelo menos em parte, efeitos de poder. N. Hawthorne faz a junção de literatura (ficção) com o poder regido pelo puritanismo americano, baseado em empirismo. Isso explica porque até hoje A Letra Escarlate seja um clássico mundial, considerado o maior romance de literatura americana.
Desse modo, ainda fazendo alusão aos estudos de M.Foucaut sobre a soberania e o poder, vemos que a religião puritana americana, entrelaçada ao machismo ainda existente no período colonial, fez com que Hester Prynne sofresse e fosse banida de uma soceidade que pregava um novo mundo, mais com pensamentos arraigados no conservadorismo exarcebado. Porém, é fato que mesmo com o passar do tempo, encontramos ainda hoje, mulheres vítimas de preconceito por cometerem adultério, e nem tão pouco deixamos de observar escandâlos envolvendo sacerdotes, que ferem o celibato. É mais comum ainda, perceber que a religião ainda é determinante na formação de opiniões, não permitindo muitas vezes o processo de evolução social.
A crítica de Hawthorne, vem exatamente questionar não só o poder quase que ilimitado, que a religião exerce sobre a sociedade. Ela mostra também, que as mulheres não devem ser menosprezadas e inferiorizadas, já que assim como Hester, todas tem força para resistir aos preconceitos sociais, conseguindo também o próprio sustento. É muito comum ainda na sociedade moderna, mesmo com o progresso que o movimento de revolução feminina, ainda existam mulheres com medo da independência, tornando-se verdadeiras escravas de um sistema que ainda faz críticas veladas à posição social feminina. Sendo assim, a obra de Hawthorne não para no tempo e transpõe barreiras, mesmo que retrate a sociedade americana, pode ser trazida para tempos atuais em diversas analogias com a sociedade em que vivemos, sendo confrontada com os mais recorrentes dilemas de uma sociedade moderna.

Autor: Débora Thalyta Moura Paraense Borralho


Artigos Relacionados


A Letra Escarlate

Genuinamente Brasileira

A Origem Da Literatura Americana

Formação Da Literatura Brasileira E Norte-americana

Análise De "o Auto Da Índia"

Liderança Feminina

A Alma Cristã Em Jogo