A questão da constitucionalidade do exercício de produção de provas de ofício pelo juiz no processo penal



O tema da liberdade de iniciativa probatória da autoridade judiciária, no processo penal, vem instigando controvérsias há muitos anos no meio jurídico quanto a sua legitimidade, em virtude do modelo de Estado concebido pela atual Carta Política, merecendo a interpretação do artigo 156 do Código de Processo Penal, à luz da Constituição Cidadã.
O Código de Processo Penal brasileiro (Decreto-lei 3.689, de 03 de outubro de 1941), carrega a influência ditatorial do período de sua decretação, de modo que seu texto externa os ideais inquisitórios presentes à época, apresentando o réu/acusado/indiciado como mero objeto da acusação, além de conceder ampla liberdade de atuação às autoridades policial e judiciária, nos termos dos artigos 26, 156, 196, etc.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, tal diploma teve nova leitura passando a ser interpretado a partir dos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório e da dignidade humana, a última inserta como fundamento da República.
Guilherme Nucci , em lição irretocável, entende que existem "três sentidos para o termo prova: a) ato de provar: é o processo pelo qual se verifica a exatidão ou a verdade do fato alegado pela parte no processo (ex.: fase probatória); b) meio: trata-se do instrumento pelo qual se demonstra a verdade de algo (ex.: prova testemunhal); c) resultado da ação de provar: é o produto extraído da análise dos instrumentos de prova oferecidos, demonstrando a verdade de um fato".
Portanto, o destinatário direto da prova é o magistrado, que constituirá o seu convencimento pelo material que é trazido aos autos, e indireta as partes, de maneira que as provas possibilitam dar o conhecimento necessário ao Juízo resolver o litígio, posto a sua apreciação
Segundo Paulo Rangel , os meios de prova "são todos aqueles que o juiz, direta ou indiretamente, utiliza para conhecer da verdade dos fatos, estejam eles previstos em lei ou não". O princípio corolário da produção de provas no processo penal é o da verdade real, pois assegura a liberdade probatória, isto é, permite a utilização de meios probatórios não disciplinados em lei, desde que moralmente legítimos e legais.
Em que pese existir doutrina contrária a produção de provas pelo Magistrado, sob o fundamento da imparcialidade do Juiz, atribuindo a exclusividade da produção de provas à acusação, por força do artigo 129, I, CRFB, discordo desta corrente, pelos motivos a seguir expostos.
Dispõe o inciso XXXV, do art. 5º da CF que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", assim como todos os julgamentos e decisões dos órgãos do Poder Judiciário devem ser fundamentadas, sob pena de nulidade. Entendo que nas ações penais os princípios da verdade material e do impulso oficial são o sustentáculo do devido processo legal, tendo em vista que fomenta o convencimento do magistrado passivo, principalmente, pois estão em jogo, de um lado, a segurança da sociedade, e os direitos fundamentais do acusado, de outro, razão que o Judiciário deve como última ratio garantir a por meio da produção de provas, atender aos anseios das partes e sociedade, de ver solucionado o conflito, a partir do julgamento dos fatos, conforme aconteceram.
Ressalte-se ainda que o princípio da imparcialidade, não significa passividade, razão que a coleta de provas não implica em valorá-las e não antecipa a formação de juízo condenatório, tendo em vista que as provas podem servir tanto a defesa quanto a acusação, sendo apreciadas pelas partes. Nesse sentido:
EMENTA: MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 9.034, DE 03/05/95: ART. 3º E SEUS PARÁGRAFOS: DILIGÊNCIA REALIZADA PESSOALMENTE PELO JUIZ. PRELIMINARES: LEGITIMIDADE ATIVA "AD CAUSAM"; PERTINÊNCIA TEMÁTICA. AÇÃO CONHECIDA. FUNÇÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA: USURPAÇÃO NÃO CONFIGURADA. DEVIDO PROCESSO LEGAL: INEXISTÊNCIA DE OFENSA. IMPARCIALIDADE DO JUIZ: NÃO HÁ COMPROMETIMENTO. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE: OFENSA NÃO CARACTERIZADA. MEDIDA CAUTELAR INDEFERIDA. (omissis) e) as normas contidas no art. 144, § 1º, inciso IV, e § 4º não devem ser interpretadas como limitativas do dever da prestação jurisdicional, cuja extensão vai desde a apuração dos fatos até a decisão judicial, elastério esse compreendido no conceito de exercício da magistratura; f) competindo ao Judiciário a tutela dos direitos e garantias individuais previstos na Constituição, não há como imaginar-se ser-lhe vedado agir, direta ou indiretamente, em busca da verdade material mediante o desempenho das tarefas de investigação criminal, até porque estas não constituem monopólio do exercício das atividades de polícia judiciária; g) a participação do juíz na fase pré-processual da persecução penal é a garantia do respeito aos direitos e garantias fundamentais, sobretudo os voltados para a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem da pessoa acerca de quem recaem as diligências, e para a inviolabilidade do sigilo protegido pelo primado constitucional; h) não há cogitar-se de violação das garantias constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa, pois os §§ 3º e 5º do art. 3º da Lei nº 9.034/95 até asseguram o acesso das partes às provas objeto da diligência; i) a coleta de provas não implica valorá-las e não antecipa a formação de juízo condenatório; j) a diligência realizada pelo juiz, sob segredo de justiça, não viola o princípio constitucional da publicidade previsto no inciso LX do art. 5º, que admite restringi-lo. 4. Medida cautelar indeferida. (ADI-MC 1517 / UF - UNIÃO FEDERAL, MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Julgamento: 30/04/1997, Órgão Julgador: Tribunal Pleno)

Quanto ao desequilíbrio, em sede processual de acusação e defesa, a Constituição Federal assegura ao acusado o equilíbrio da relação jurídica, por meio do princípio do devido processo legal formal e material, garantindo ainda a efetiva defesa técnica, sob pena de nulidade.
Por fim, entendo por constitucional a norma elencada no art. 156, I, do CPP, uma vez que o exercício da atividade probatória ex oficio pelo juiz é fomentada como medida de política criminal de modo que o magistrado diligencie a inocência do acusado, instrumentalizar a dignidade humana, e por fim instruir a possível ação civil ex delito, no intuito de Estado Social.

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Autor: Charlei Gomes De Souza Miranda


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