GERAÇÃO E DESTINAÇÃO DE SORO DE QUEIJO NUMA INDÚSTRIA DE LATICÍNIO DO ESTADO DA BAHIA



Éderson Silva Silveira¹, Wellington Soares Freitas².

¹ Discente do Curso de Especialização em Meio Ambiente e Desenvolvimento, UESB
² Professor Titular da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, UESB.



RESUMO

O soro de queijo é um subproduto da fabricação de queijo e do processo de obtenção da caseína, se constituíndo em um líquido opaco, amarelo esverdeado, que contém cerca de 55% dos sólidos existentes no leite integral original e representa cerca de 80 a 90% do volume de leite utilizado na fabricação de queijo. O lançamento do soro de queijo diretamente nos cursos d?água aparece como a principal destinação isolada deste efluente da indústria de laticínios no estado de Minas Gerais, não havendo disponibilidade de dados estatísticos para outros estados, mas estima-se que este mesmo problema ocorra na maioria dos laticínios distribuídos no Brasil, onde estes lançamentos são feitos sem tratamento adequado. Entretanto, devido sua alta carga orgânica pode-se então ter sérios problemas de ordem ambiental a partir do descarte do mesmo em locais inadequados. Em contrapartida, o soro se constitui numa importante fonte de proteína tanto para alimentação humana como animal. Além disso, pode ser utilizado como adubo, ingrediente de outros alimentos e até mesmo na indústria farmacêutica. O presente trabalho tem como objetivo identificar a geração, destinação e possíveis formas de uso do soro numa indústria de laticínios. Os dados foram levantados através de um questionário. Verificou-se que nesta indústria o volume médio de na entressafra gira em torno dos 12 mil litros de soro por dia, que é utilizado para a fabricação de ricota e bebida láctea. Apesar da ausência de controle, foi verificado que o excedente é utilizado para alimentação animal a partir da disponibilização a produtores rurais.

Palavras-chaves: soro de queijo, meio ambiente.

INTRODUÇÃO

Faria (2004), cita que a poluição da água resulta da introdução de resíduos na mesma, na forma de matéria ou energia, de modo a torná-la prejudicial ao homem e a outras formas de vida, ou imprópria para um determinado uso estabelecido para ela.
A indústria brasileira de alimentos movimentou em 2007 algo em torno de 230,6 bilhões de reais, equivalendo a uma participação no PIB na ordem de 8%. O segmento de laticínios se encontra entre os três principais setores da classe de alimentos. Segundo dados da Agência de Defesa Agropecuária da Bahia(Adab), vinculado a Secretaria da Agricultura (Seagri), em 2007 o número de laticínios do estado era de 60(Adab,2007). Desses, mais de 80% correspondem a micro e pequenas empresas que na sua totalidade, não realizam nenhum tipo de tratamento de seus efluentes, fato explicado principalmente por carências financeiras e tecnológicas.
Na indústria de beneficiamento do leite, os processos, operações e ocorrências que geram ou podem influenciar significativamente os efluentes líquidos são descritos como: de lavagem e limpeza, representado pelo enxaguamento para remoção de resíduos do leite e lavagem das instalações como um todo; vazamentos e derramamentos, a partir de negligências na execução de operações, provocando o vazamento de leite nas tubulações ou transbordamento de tanques; e os de descarte e descarga, representado pelo descarte do leitelho, leite ácido e principalmente pelo soro de leite (MACHADO et. al., 2002).
Devido aos elevados valores nutritivos e pela suas elevadas cargas orgânicas, o soro não deve ser misturado aos demais efluentes da indústria, devendo ser captado, conduzido separadamente, de modo que possa ser aproveitado para fabricação de outros produtos, ou o aproveitamento direto na alimentação animal (MINAS AMBIENTE / CETEC, 1998, vol. I).
Considerando que para produzir 1 kg de queijo tipo mussarela, geram-se 9 litros de soro de queijo, tem-se que somente no ano de 2002 foram gerados cerca de 4,4 milhões litros de soro de queijo(ALMEIDA et al, 2003). Grande parte deste soro é, em forma bruta, destinada a alimentação dos animais. Em menor escala é utilizada na forma de pó, para a produção de biscoitos e alimentos lácteos. O fator limitante desta prática é o custo elevado no processo de desidratação do soro, o que limita sua adoção como prática comum. Assim, ao lado de sua importância como fonte nutritiva, o soro de leite apresenta sério problema de poluição ambiental, pois aproximadamente 50% são lançados diretamente em curso d?água.
Portanto, dois aspectos caracterizam a importância deste estudo. Primeiro, como já enfatizado, diz respeito a crescente preocupação com a carga poluidora deste efluente quando lançado nos rios. Outro aspecto refere-se ao indiscutível papel das proteínas na alimentação humana e animal, o que faz com que nos últimos anos o interesse por fontes alternativas de obtenção de proteínas e seu emprego no enriquecimento de produtos alimentícios tenha crescido bastante.


REFERENCIAL TEÓRICO


3.1 Leite ? Aspectos Gerais


Leite é o fluido normalmente secretado pelas fêmeas dos mamíferos para a nutrição de suas crias, sendo considerado um dos alimentos mais completos, sob o ponto de vista nutritivo, proporcionando inúmeras alternativas de industrialização e transformação em produtos derivados. O leite é composto aproximadamente por 87,5% de água e 13% de sólidos totais que estão suspensos ou dissolvidos na água (Tabela 1). Porém, quando utilizado no processamento de queijos, aproximadamente 85 a 90% de seu volume é retirado sob a forma de soro(SERPA, 2005).

Tabela 1: Composição quantitativa do leite de vaca
Componente
Limites de variação(%)
Valor Médio(%)
Água 85,5 ? 89,5 87,5
Sólidos totais 10,5 ? 14,5 13,0
Gordura 2,5 ? 6,0 3,9
Proteínas 2,9 ? 5,0 3,4
Lactose 3,6 ? 5,5 4,8
Minerais 0,6 ? 0,9 0,8
Fonte:AlfaLaval(1990)

O Brasil é um grande produtor mundial de leite, registrando uma produção estimada em 2007, de 26 bilhões de litros. No cenário nacional, o estado de Minas Gerais é o maior produtor de leite, sendo responsável em 2000, por cerca de 30% da produção nacional além de ocupar o primeiro lugar no ranking nacional, como maior processador de lácteos no país(FAGUNDES, 2004). Já a Bahia produz anualmente 920 milhões de litros com um consumo de 1,5 bilhão de litros ocasionando num déficit de 580 milhões de litros/ano(Diário Oficial).
Produção de queijos e geração de soro


O soro de queijo é um subproduto da fabricação de queijo e do processo de obtenção da caseína, se constituindo em um líquido opaco, amarelo esverdeado, que contém cerca de 55% dos sólidos existentes no leite integral original (HAYES, S., 1985) e representa cerca de 80 a 90% do volume de leite utilizado na fabricação de queijo (Sabaa-Srur citado por, WASEN, 1998)).
Em estudo sobre geração de efluentes de laticínios, Farias et al(2004) apresenta dados de 1985 da FAO, que registraram no Brasil naquele ano uma geração aproximada de 4.140.000 toneladas de soro de queijo. Acerca da composição do soro, esta varia de acordo com a qualidade do leite e o tipo de queijo produzido, possuindo os mesmos componentes solúveis do leite em proporção igual a encontrada no leite de origem (MINAS AMBIENTE / CETEC, 1998, vol II). Em Portugal, são diariamente lançados no meio ambiente cerca de 1 milhão de litros de soro de queijo (DOMINGUES,1999). Já no Brasil, o volume estimado de queijo produzido em 1997 foi de 415.000 toneladas (GUEDES, J.M,1998), o que corresponde a produção de aproximadamente 3.320.000 toneladas de soro de queijo. No Brasil, de modo geral, o soro do queijo é tido como produto de má qualidade e de pouca importância do ponto de vista nutricional.

Impactos Ambientais

Segundo a legislação brasileira, meio ambiente é "o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as sua formas"(Lei Federal n°6.938, de 31 de agosto de 1981,art.3°,I). Definido este conceito, é preciso entender as interações da sociedade com o mesmo. A sociedade há um bom tempo adotou um estilo de vida em que a prioridade é a realização pessoal, tenha ela o custo que for, e as atividades desenvolvidas pelo homem tendem a provocar algum tipo de impacto ao meio. Hoje por influência da mídia a definição de impacto ambiental esta sempre ligado a um dano a natureza. Mas, se o impacto é uma alteração do meio ambiente provocada pelo homem, é importante ressaltar que este pode ou não ser benéfico. Um simples exemplo de uma alteração benéfica seria a introdução de uma empresa de prestação de serviços, em que se é difundida a comunidade receptora o serviço de coleta seletiva. Tratando dos impactos adversos ao ambiente, considerando uma empresa, é importante que todas as etapas do ciclo de vida de um empreendimento sejam levadas em consideração.
Segundo Sartori et al(2008), as indústrias de laticínios são unidades fabris que processam o leite, produzindo os mais diversos derivados. Em seu trabalho sobre a gestão ambiental em indústrias de laticínios no Brasil, ele cita Sanches(1997), afirmando que algumas décadas atrás, o processo de transformação de matérias-primas em produtos não considerava os efeitos adversos nos ecossistemas e na própria sociedade, permitindo que emergissem problemas sociais e ambientais que cada vez mais se tornam críticos para o bem estar da sociedade.
O processo de beneficiamento do leite gera um volume de efluentes líquidos no mínimo três vezes maior, dos quais mais de 90% desse montante não recebe qualquer tipo de tratamento, SEBRAE/MG(1997,1998). De acordo com Campos et al(2004), isto ocorre porque a maioria dos laticínios, que são de pequeno e médio porte, apresentam dificuldades financeiras para manter pessoal especializado que tenha capacidade de trabalhar com inovações tecnológicas e operar sistemas de efluentes.
O soro de queijo é tido como um dos principais poluentes da indústria de laticínio, e caso ele seja destinado diretamente a rios ou esgoto público, o que não é permitido pela legislação ambiental, causará sérios danos. Por possuir alta taxa de matéria orgânica, o que o torna altamente poluente devido ao consumo de oxigênio na água, através de bactérias e microrganismos existentes nos corpos d?água que para biodegradar a matéria lançada no meio aquático fazem uso do oxigênio dissolvido na água (REVISTA EPAMIG citado por FARIA, 2004), torna-se um importante agravante ambiental, pois este subproduto da produção de queijos apresenta uma demanda bioquímica de oxigênio (DBO) entre 30.000 a 60.000mg de O²/L e uma demanda química de oxigênio (DQO) de 50.000 a 80.000 mg de O²/L(SERPA et al,2009), dependendo do processo utilizado na elaboração do mesmo. Em média, cada tonelada de soro não tratado despejado por dia no sistema de tratamento de esgoto equivale à poluição diária de cerca de 470 pessoas (ZALL, R.R.,1979).
Conforme Serpa (op. Cit, p.2), devido a competitividade no mercado e necessidade de baixo custo de produção, são poucas as empresas que demonstram preocupação ambiental com relação ao destino correto de seus efluentes.
Assim, uma destinação incorreta da soro de queijo pode conduzir a sérios problemas ambientais como a poluição das águas, geração de odor desagradável, bem como o comprometimento da estrutura físico-química do solo.

METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO

O laticínio em estudo está situado na microrregião de Itapetinga, no município de Maiquinique e recebem em média 16.000 litros de leite/dia, sendo esta matéria prima destinada a produção queijo mussarela, frescal, lanche, provolone, parmesão, ricota, manteiga e iogurte.
Foi realizado um diagnóstico do laticínio. Para isto foram feitas vistorias em todas as linhas de produção e observados aspectos do processo de fabricação. Nesse diagnóstico foi realizado um levantamento completo de todos os pontos de geração de soro, incluindo a quantificação do volume deste efluente gerado no fabrico de queijos. Para a quantificação dos volumes, foram utilizados baldes graduados de 20 litros, que foram posicionados na saída do equipamento e após atingida a graduação máxima, o balde era substituído por um outro com as mesmas características de graduação e volume até ser quantificado todo efluente, sendo o soro quantificado em 3 repetições.
Foram realizadas visitas técnicas à unidade industrial em estudo durante duas semanas em maio de 2009, para realização do diagnóstico, aplicando-se um questionário, anexo 1, para auxiliar na avaliação. Para verificar a destinação do soro, aplicou-se um outro questionário. As possíveis formas de utilização foram verificadas a partir de levantamento bibliográfico.

RESULTADOS E DISCUSSÕES


A unidade em estudo, possui planta com capacidade de recepção de 35.000 litros de leite dia. Entretanto, sua produção atinge na safra valores próximos a 25.000 litros/dia, sofrendo redução na entre-safra com volume aproximado de 16.000 litros de leite por dia. Esta grande variação na produção se deve a escassez de forragem, que é alimentação básica do rebanho da região. São poucos os produtores que suplementam seu gado no período seco, que leva não apenas a redução na produção do leite, mas, em alguns casos, a morte dos animais pela falta de alimento. Do ponto de vista do laticínio, isso gera ociosidade na indútria e grande oscilação nos valores pagos ao litro de leite durante o ano.



A indústria produz diversos produtos derivados do leite, como queijos dos tipos frescal, mussarela, minas padrão, provolone, coalho, prato, parmesão e ricota, além de manteiga, iogurte e bebida láctea, sendo que, estes três últimos não geram soro.

Quantificação da geração de soro

Acerca da quantidade de soro gerado, esta diretamente relacionada a entrada de leite na indústria. Assim, no período de safra o volume gerado deste efluente é maior em relação ao período de entre-safra. Todavia, como já citado, o produto fabricado interfere no volume total gerado. Desta forma, nos dias em que a produção de iogurte era aumentada, em detrimento a produção de queijos, ocorria significativa minimização do efluente.
O laticínio esta em fase de implantação do PBPF ? Programa de Boas Práticas de Fabricação ? que descreve critérios técnicos para todas as operações realizadas no estabelecimento, sendo uma garantia de controle dos processos produtivos e consequentemente dos efluentes por ele gerado.

Destinação do efluente gerado

A destinação do soro gerado na indústria visitada requer atenção pelo volume do mesmo. A indústria não possui sistema de tratamento de soro, devido ao alto custo de implantação do mesmo.
Todo soro era destinado a um tanque de alvenaria que o continha até a retirada do mesmo por produtores da zona rural da região. Esta coleta era feita diariamente, inclusive nos finais de semana e feriados, durante todo dia, sendo transportado para as fazendas na maioria das vezes em carros utilitários, através de latões trazidos das respectivas propriedades. Assim, todo soro gerado era destinado a estas fazendas.




Formas de utilização do soro

O número das pequenas propriedades rurais na região é elevado. Estas têm como meio de sustento a produção não apenas de bovinos, mas também de outras espécies como aves e suínos. Assim, a alimentação animal é praticamente o destino exclusivo deste soro coletado na indústria, sendo bovinos e suínos as espécies contempladas. Um problema verificado é que, durante a entre-safra, que se traduz na menor disponibilidade de alimentos, o volume de soro também reduz. Por este motivo, era comum que vários criadores de animais não conseguissem coletar o soro no laticínio durante este período, pois a reserva do mesmo era esgotada num curto período de tempo. Uma outra forma de utilização adotada era aplicação do soro como adubo, porém isto era feito de modo experimental por apenas um produtor.


CONCLUSÕES

As seguintes conclusões podem ser tiradas de acordo com os resultados deste trabalho:
? O soro gerado equivale até 90% do leite processado, a depender do produto processado;
? A geração de soro é constante durante o ano, necessitando de um monitoramento sobre o mesmo, para que não haja descarga do mesmo em cursos d?água;
? O soro de queijo gerado é destinado principalmente a alimentação animal.














REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ALMEIDA, F. O bom negócio da sustentabilidade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003.

DOMINGUES, L. 1999. Construção e caracterização de estirpes floculantes de Saccharomyces cerevisiae capazes de utilizar lactose. Tese de Mestrado. Universidade Minho, Braga, 133p.

EMBRAPA, 2001. Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Disponível em: Acesso em 01/10/2008.

FARIA, E.F.; RODRIGUES, I. C.; BORGES, R.V., Estudo do impacto ambiental gerado nos corpos d?água pelo efluente da indútria de laticínio em Minas Gerais., UFMG, 2004

FERREIRA, H.F., PIRES,A.J.V. e MOTA, J.A. Produção leiteira na microrregião de Itapetinga, Bahia: aspectos sócios econômicos. Revista Electrónica de Veterinária REDVET, vol VI, n°07, Julio/2005, Espanha.

MACHADO, R. M. G.; FREIRE, V. H.; SILVA, P. C; FERREIRA, P. E. Controle ambiental nas pequenas e médias indústrias de laticínios. Projeto Minas Ambiente, BA, 224 p., 2002.

MINAS AMBIENTE/CETEC. Pesquisa tecnológica para controle ambiental em pequenos e médios laticínios de Minas Gerais: estado da arte. Belo Horizonte: Minas Ambiente/CETEC, 1998. v.2 ? Processo Industrial.

SARTORI, M.A., SILVA, I.D., PEREZ, R., e CARVALHO, A.F. A gestão ambiental em indústrias de laticínios no Brasil

SERPA, L.; PRIAMO, W. L.; REGINATTO, V. Destino Ambientalmente Correto a Rejeitos de Queijaria e Análise de Viabilidade Econômica. 2° International Workshop, Advances in Cleaner Production.

WASEN, I. Soro lácteo: lucro para indústria e proteção ao meio ambiente. Revista do Instituto de Laticínios Cândido Tostes, Juiz de Fora, v.53, n.304, p. 283-293, 1998.






Autor: Éderson Silva Silveira


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