Excesso Na Legítima Defesa E No Estado De Necessidade



INTRODUÇÃO

O nosso Código Penal estabelece em seu artigo 23, parágrafo único que o agente, nas hipóteses de exclusão da ilicitude, responderá pelo excesso doloso e culposo.

Neste diapasão, o presente trabalho tem a finalidade de tecer alguns comentários a respeito do excesso na legítima defesa e no estado de necessidade, tema pouco explorado pela doutrina nacional e que acaba tendo relevância jurídica no julgamento da conduta do agente quando atua preservado pelas excludentes da ilicitude.

CONCEITO DE ILICITUDE/ANTIJURIDICIDADE

O sistema punitivo do Estado destina-se à tutela jurídica de bens e valores da vida social.

Essa tutela jurídica se realiza através da proibição de determinadas condutas e da imposição de outras, que a lei descreve nos diversos tipos de delito. A realização da conduta típica revela, em regra, a ilicitude, pois o tipo é, substancialmente, tipo de ilícito, ou seja, modelo da conduta que o legislador proíbe e procura evitar, tornando-a ilícita.

Como o ordenamento jurídico não contém apenas proibições, mas, por igual, normas que permitem ou autorizam certas condutas, em regra proibidas sob ameaças de pena, não basta à realização da conduta típica para determinar a sua antijuridicidade sendo necessário examinar se a ação ou a omissão não estão cobertas por uma norma permissiva, que exclui a antijuridicidade.

Assim, dentro do conceito analítico, para a existência do crime é necessária uma conduta humana positiva ou negativa, descrita na lei como infração penal (tipicidade), contrária ao ordenamento jurídico (antijuridicidade) e culpável.

Ressalte-se que a conduta típica é, em regra, antijurídica, funcionando a tipicidade como indício da antijuridicidade, conseqüentemente, a análise da antijuridicidade se resume ao exame da ocorrência, na realização da conduta típica, de causas de justificação, que excluam a ilicitude.

CONCEITO DE EXCLUDENTES DA ILICITUDE

O direito prevê causas que excluem a antijuridicidade do fato típico (causas excludentes da criminalidade, causas excludentes da antijuridicidade, causas justificativas, causas excludentes da ilicitude, eximentes ou descriminantes). São normas permissivas, também chamadas tipos permissivos, que excluem a antijuridicidade por permitirem a prática de um fato típico.

Toda ação típica é ilícita, salvo quando justificada. Com acerto se distingue que as causas justificantes têm implícita uma norma permissiva ou autorizante que, ao interferir nas normas proibitivas ou preceptivas, faz com que a conduta proibida ou a não-realização da conduta ordenada sejam lícitas ou conforme ao direito.

Ressalte-se que, da mesma forma que o fundamento do injusto está no desvalor da ação e no do resultado, a sua exclusão subordina-se a um juízo de valor sobre a ação e o resultado das causas justificantes, isto é, devem existir os elementos objetivos e subjetivos de modo que o sujeito atue não só com conhecimento e vontade de que ocorram seus elementos, mas também com ânimo ou vontade no sentido da justificante.

ORIGEM

O instituto da excludente da ilicitude, notadamente, a legítima defesa refletiu em todos os tempos uma necessidade imposta ao homem pela lei natural, sendo por isso mesmo reconhecida no direito das gentes como a harmoniosa manifestação dos sistemas jurídicos que as regeram durante sua longa evolução social.

Por outro lado, a partir do momento que o Estado deixou de se conformar com a instintiva e ilimitada oposição da força contra a força, chamando a si o poder de proteção aos direitos individuais, teve de abrir uma exceção, permitindo que o indivíduo o substituísse quando a debelação de injusto ataque seus direitos, in continenti

Resumidamente, o fundamento da excludente de antijuridicidade penal encontra respaldo no instinto de conservação do ser humano e no próprio direito positivo, quando contemplado como norma penal permissiva.

CONCEITO DE LEGÍTIMA DEFESA E ESTADO DE NECESSIDADE

Ambos são excludentes da ilicitude, todavia, na legítima defesa há uma repulsa da violência pela violência ditada pelo próprio instinto de conservação, enquanto no estado de necessidade, há um conflito de bens ou interesses que merecem igualmente a proteção jurídica, concedida a faculdade da própria ação violenta para salvamento de qualquer deles.

Além disso, no estado de necessidade há uma ação e, na legítima defesa, reação. Naquele o bem jurídico é exposto a perigo, nesta exposto a uma agressão. Só há legítima defesa quando se atua necessidade a ação é praticada ainda contra agressão justa, enquanto na legítima defesa à agressão deve ser injusta.

Assim, entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

Por outro lado, está em estado de necessidade, quem pratica o fato que a lei define como crime para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

EXCESSO NA LEGÍTIMA DEFESA E NO ESTADO DE NECESSIDADE

Um dos requisitos da legítima defesa e do estado de necessidade é a moderação na repulsa ou na ação violenta.

É certo que a lei não obriga que a defesa seja matematicamente igual à ação, justamente porque o estado emocional de quem se defende de inopinada e injusta agressão pode ir do medo ao terror, da cólera ao furor, além é claro do seu temperamento, educação, hábitos de vida, que poderão influenciar na proporcionalidade da reação do agente.

O excesso, precisamente por ser excesso, pressupõe a existência anterior da situação de legítima defesa ou estado de necessidade, isto é, trata-se de uma situação em que a pessoa se defende demais.

Na verdade, "excesso" significa "passar dos limites" de uma dessas causas eximentes, mas, para isto, será sempre necessário se ter estado, em algum momento, dentro deles.

Não se pode olvidar, ainda, que a superabundância dos meios no excesso tanto pode referir-se ao emprego de meio desnecessário, como ao uso imoderado dos meios necessários, sendo exemplo do primeiro caso o uso de revólver ao invés de um bastão e, do segundo, o uso imoderado do bastão ao golpear o agressor.

Por fim, é bom frisar que o juízo de antijuridicidade recai sobre a conduta típica, que compreende os aspectos objetivo e subjetivo da ação, desta forma, só se pode excluir a antijuridicidade se a vontade do agente dirigia-se no sentido de uso da justificação, conseqüentemente, o erro quanto à ocorrência de causa de exclusão da antijuridicidade é erro de proibição, que vai descaracterizar a culpabilidade.

CONCLUSÃO

O excesso na legítima defesa e no estado de necessidade foi sendo, paulatinamente, incluído na legislação brasileira, em razão da influência de outros códigos, notadamente o alemão e o italiano.

Tal instituto merece um estudo mais aprofundado e cuidadoso por parte dos doutrinadores e da jurisprudência, justamente porque o seu surgimento advém da desproporcionalidade do uso das excludentes de ilicitude, com extrema subjetividade.

Como dito alhures, existe uma flagrante incoerência no excesso culposo, mas poucos doutrinadores questionaram a sua existência.

Portanto, em poucas linhas, esta é a evolução histórica do excesso na legítima defesa e no estado de necessidade na legislação brasileira.

BIBLIOGRAFIA

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal – Parte Geral, 4ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

CARRARA, Francesco. Programa do Curso de Direito Criminal – Parte Geral, volume I. Campinas: LZN, 2002.

FERRI, Eurico. Princípios de Direito Criminal. Campinas: Russel Editores, 2003.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, 19a edição. São Paulo: Atlas, 2003.
Autor: Jeferson Gonzaga


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