Desenvolvimento Etnosustentado Para Comunidades Quilombolas - 3



Desenvolvimento Etnosustentado para Comunidades Quilombolas - 3

A construção de um plano nacionalde desenvolvimento etnosustentado para quilombos é um passo importante nas políticas reparatórias para o povo negro brasileiro. Sua implementação minimizará o sofrimento dos afros brasileiros que ainda resistem no campo, e poderá possibilitar o retorno ordenado de quilombolas e seus descendentes.

Vítimas do êxodo rural e do desemprego urbano, quilombolas desenraizados habitam acampamentos de sem terra nas beiras das estradas, cortiços, favelas, lixões e outras áreas insalubres do meio urbano. O retorno ao quilombo será a re-libertação e o resgate da alma negra brasileira, o reconhecimento e afirmação da identidade ancestral e a reconstituição da família negra perdida nos caminhos da injustiça. É uma forma eficiente e sem traumas para o Brasil desinchar os acampamentos de sem terra, com menores investimentos que qualquer tipo de assentamento de reforma agrária, já que os quilombolas são proprietários de grandes glebas de terra, necessitando apenas que o governo regularize seus títulos fundiários, e ofereça suporte e meios para o desenvolvimento.

Alem de já possuírem suas terras, os quilombolas formam comunidades rurais de caráter étnico, com tradições e valores ancestrais, formas de produzir e viver coletivo, e exemplares em sustentabilidade ambiental. Essas comunidades receberão de braços abertos seus parentes, dando o apoio e a solidariedade de irmãos, necessários para a fixação do homem urbano ao meio rural. Será mais fácil e mais barato para o país, o retorno dos desenraizados aos quilombos, que a fixação de trabalhadores urbanos sem tradição e raízes no campo, em assentamentos perdidos no espaço e no tempo, sem história e sem o apoio de uma coletividade.

O censo dos quilombolas

Para o Brasil conhecer o potencial de inclusão sócio econômica de uma política pública de intervenção nos quilombos, será necessário que o censo a ser levado a essas comunidades, pergunte as famílias quilombolas, quais são os filhos, netos, irmãos e sobrinhos que estão na cidade, a quanto tempo saíram da comunidade, quais são suas ocupações, suas idades, a situação sócio econômica atual, e se conhecem o interesse deles em voltar às suas origens. Outra pesquisa poderá ser efetuada no cadastro dos candidatos ao programa de reforma agrária, procurando saber se o mesmo tem origem em alguma comunidade negra remanescente de quilombo, quais são suas habilidades, e se tem disposição e interesse em retornar ao chão natal. Esses trabalhadores desenraizados e seus descendentes devem integrar uma lista especial, a ser contemplada nos programas de desenvolvimento dos quilombos, suprindo demandas de mão de obra necessária aos projetos que forem surgindo.

Tecnologia habitacional para os quilombos

O desenvolvimento nos quilombos deve respeitar a cultura local e ser plenamente democrático. O fato da maioria das comunidades terem resistido com integridade cultural as adversidades apresentadas ao longo da história, é mostra convincente da eficiência e sustentabilidade de seus saberes e fazeres.

A construção de taipa e telhado de palha, a base de materiais renováveis existentes na própria comunidade, é uma das formas tradicionais dos quilombolas construírem suas casas. Sabe-se que, após alguns anos, essas habitações perdem qualidade, deixando a desejar em conforto e salubridade para seus moradores. A substituição destas casas por construções em alvenaria e telhado de fibrocimento, porém, é uma forma invasiva insustentável, pois a grande maioria dessas populações não possui renda suficiente para adquirir os materiais e dependerão de paternalismo externo para terem acesso a esse modelo. Outro aspecto negativo é o baixo conforto ambiental no interior das habitações construídas com tijolo cerâmico e telha de fibrocimento, esses materiais não oferecem isolamento térmico adequado para as regiões tropicais quentes.

É essencial apresentar aos quilombolas maneiras de melhorar a qualidade e durabilidade das taipas e telhados, e introduzir novas opções e formas de construir. Existem inúmeras tecnologias de baixo custo disponíveis no viés da bio-arquitetura, em voga na construção de "eco-villages" em todo planeta, onde materiais locais de caráter renovável, biodegradáveis e de custo acessível, possibilitam belas e confortáveis habitações. Tecnologias artesanais a base de solo e fibras vegetais, ferro e cimento, solo e cimento, solo e cal, cimento e fibras vegetais, propiciam a construção de paredes, pisos, calçadas, telhas, telhados, caixas d'água, tanques de roupa, pia de cozinha, canaletas, cochos, fossas sépticas, filtros anaeróbicos para efluentes e muitos outros bens importantes para a vida rural. O mais importante é que as novas tecnologias sejam plenamente compreendidas, apropriadas e reproduzidas pelas comunidades locais.

Melhor que disponibilizar poucos milhares de habitações alienígenas e desconfortáveis a uma minoria quilombola, é enriquecer o saber local das comunidades, dando apoio através de cursos, assistência técnica e bolsas de materiais de construção, para que uma maciça maioria desses brasileiros possa por si mesma construir suas casas, o saneamento e outros confortos que necessitam ou desejam. Isso tudo sem negar o direito deles usarem alvenaria e outras formas construtivas, na medida em que decidirem por seu livre arbítrio e possibilidade.

Tecnologia agrícola para os quilombos

Muitos políticos, administradores e técnicos da área pública e dos movimentos populares se empolgam com as ofertas no campo da tecnologia moderna sofisticada. Acreditam e preconizam, simploriamente, a adesão e o acesso a essas tecnologias, como formas determinantes de se promover o desenvolvimento das comunidades indígena, cabocla e quilombola.

Algumas comunidades quilombolas podem almejar tratores para facilitar a lida diária, mas uma análise e um debate abalizado podem mostrar que tal tecnologia não é a mais adequada para aquele meio, e que o mesmo capital pode ser utilizado na aquisição de reprodutores bovinos, caprinos e eqüídeos e tecnologias de pequeno porte, como carroças e equipamentos a base de tração animal, pequenas carretas e cavalos mecânicos, pequenos e médios moinhos de farinha e cana de açúcar, fabriquetas de doce, equipamentos para pequenas irrigações e outros, poderão servir a mais pessoas, socializando recursos e condições para o desenvolvimento democrático da comunidade.

A tecnologia tem a ideologia de quem a preconiza

A tecnologia que se apresenta ao desenvolvimento da produção e ao conforto humano, nem sempre liberta e possibilita a igualdade e a fraternidade entre os homens.

A FUNAI introduziu nos anos 70, um programa de plantio de grãos em grandes áreas de cerrados arenosos das reservas xavantes, no vale do Araguaia. Esse grupo guerreiro destemido foi o até esta época, o maior entrave à invasão dos fazendeiros sulistas na região. Viviambem adaptados e auto-suficientes, eram notáveis pela saúde e força física que apresentavam. Suas aldeias eram bem estruturadas, populosas e lideradas por caciques notáveis, na defesa de suas terras e direitos.

A FUNAI levou tratores, adubos químicos e agrotóxicos para os xavantes saírem do "atraso" e da vida "selvagem", para adentrarem na "modernidade". A dita tecnologia moderna gerou novas relações de poder e dependência, levando à pulverização das aldeias, ao enfraquecimento das lideranças, à destruição das matas, a diminuição da água nos rios e fontes, a diminuição da caça, da coleta e da pesca, o que resultou em fome. O povo Xavante, outrora altivo e auto-suficiente, tornou-se cliente dos programas de cestas básicas do governo. O trator passou a ser uma necessidade para o transporte entre aldeias, povoados e áreas de caça.

Na mesma época e região, o INCRA assentou milhares de famílias de pequenos agricultores do sul do país, em glebas de 400 ha de cerrado e campos arenosos de baixa fertilidade, solos totalmente inadequados para o cultivo intensivo de grãos. Esses agricultores estavam sob forte tensão social no sul, pois não tinham áreas suficientes para plantar e manter suas famílias. A maioria, se valia da enxada e do fogo para plantar em suas terras férteis e não tinham, portanto, experiência e domínio da mecanização e dos insumos modernos. Mesmo assim, receberam do Banco do Brasil, financiamentos para compra de adubos, agrotóxicos e tratores de grande porte para época. O resultado foi catastrófico, com intoxicação de trabalhadores, morte de animais e peixes, e falência econômica da imensa maioria desses agricultores. Eles perderam suas terras, maquinas, veículos e economias oriundos da venda de suas propriedade no sul, tendo que amargar a volta a vida de peão, de meeiros e de bóias frias.

A quem serviu estas ações governamentais?

As propriedades falidas e desmatadas foram confiscadas pelo BB, postas a leilão e adquiridas por grandes fazendeiros a preços atrativos, para o semeio de braquiaria e criação extensiva de gado.

As indústrias e comerciantes de insumos e maquinários inadequados para aquela realidade, não perderam um tostão, pois as vendas eram casadas com os empréstimos do BB. Nada se comentou ou resultou em responsabilização criminal e financeira dos técnicos e dirigentes do INCRA, pela concepção e implantação desses projetos de assentamento. As empresas de planejamento rural e agrônomos que atestaram a viabilidade técnica financeira de cada projeto frente ao BB ganharam altas somas de dinheiro e em nada foram penalizados pelo prejuízo dos agricultores. Grandes fortunas e carreiras políticas foram geradas pela corrupção, falta de patriotismo e desonestidade induzida pela ação pública.

A perda de altivez e autonomia de um povo não tem preço, a contabilidade se perde no tempo e nas gerações, e até hoje, economistas não mostraram sensibilidade e capacidade para calcular custos relativos à danificação do meio ambiente e a degradação da vida humana, causadas pela irresponsabilidade e pela incompetência.

Esses exemplos são alerta para necessidade de responsabilidade e competência para os que atuam e desejam atuar nas comunidades quilombolas.

Valdo França - Engº. Agrº. Foi consultor daAssociação Nacional de Coletivos de Empresários e Empreendedores Afro Brasileiros, para assuntos de desenvolvimento sustentado, planejamento, projetos e gestão das áreas quilombolas no GTI QUILOMBOS do GF. Contatos (61)8144-8483 [email protected]skipe=valdofranca-

msn=[email protected]

Cursos e consultoria:

·"Comunicação, prevenção e solução de conflitos" para ongs, cooperativas, escolas, sindicatos, clubes, grupos familiares e empresas

·Planificação do Saneamento básico em fazendas, hotéis, residências e pequenas e medias cidades

·Agricultura sustentável, agro-floresta, prevenção e controle de incêndios florestais


Autor: Valdo França


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