A Representação Da Mulher Na Literatura árabe



Quando inicialmente, nos é apresentado a questão da mulher e suas representação na literatura árabe, logo nos vem à mente que essa representação se resume em sua essência no que está contido no Alcorão Sagrado. E essa imagem, da mulher árabe, mulçumana, logo nos vem à mente como uma mulher sofrida pela violência doméstica e é obrigada a viver debaixo de um véu por toda a sua vida. Nos é passada uma imagem de que a mulher árabe não estuda, não trabalha e nem desempenha um papel ativo na sociedade árabe como um todo. Ainda tratando da imagem dessa mulher árabe e mulçumana[1], poderíamos afirmar que essa imagem negativa se intensificou com o atentado de 11 de setembro de 2001 aos Estados Unidos, quando notamos um grande avanço de bibliografias que se prontificavam em analisar a sociedade árabe, e com essa "revolução bibliográfica" finalmente o Oriente se apresenta para o Ocidente, e nessa apresentação se mostra ameaçador através das suas minorias terroristas.

Diante dessa questão, tratar da mulher na literatura árabe se mostra como sendo a resolução de um desafio inovador e ao mesmo tempo prazeroso, pois toda essa imagem que nos é passada culturalmente é completamente desmistificada, e revestida de novos conceitos, conceitos que nos fazem aprender a lição de que devemos manter uma posição crítica diante das coisas que nos são passadas através dos diversos meios de comunicação que nos são disponíveis hoje. Antes do atentado de 11 de setembro, o Oriente estava distante de nós ocidentais e brasileiros, mas agora, ele se mostra cada vez mais perto, embora que ainda com impressões imprecisas e até mesmo obscuras. Por mais que queiramos nos situar distantes do Islã e da cultura árabe, devemos levar em consideração que os árabes ocuparam a Península Ibérica por mais de sete séculos, e portanto deixou suas impressões para os povos que habitariam aquela região posteriormente: os espanhóis e os portugueses, os dois grandes colonizadores da América. Mesmo diante de todo esse contexto, a imagem do árabe esteve presente no Ocidente vagamente, pela obra "As Mil e Uma Noites".

Antes mesmo de tratar especificamente da imagem da mulher na literatura árabe, nos dispusemos a trazer primeiramente um panorama geral da história da literatura árabe e seu desenvolvimento, abordando as principais escolas literárias onde pudemos perceber a abordagem da mulher, desde seu primeiro momento a partir do século V, até o século XX. Depois em traços gerais, o papel da mulher é exposto dentro do Alcorão Sagrado, levando em consideração que o Alcorão constitui-se como sendo uma obra literária árabe, tudo isso com o intuito de desmistificar a idéia de que a mulher mulçumana se encontra numa posição inferior, e portanto, submissa ao homem, e para isso contamos com a ajuda de Mohamad Ahmad Abou Fares em sua obra denominada Condição da Mulher na Religião Mulçumana[2]. E finalmente, procuramos abordar a obra do grande poeta árabe Majnoun Layla, buscando interpretar a posição masculina diante de sua amada, como ela é representada.

*EXPLANAÇÃO GERAL DA HISTÓRIA DA LITERATURA ÁRABE.

A literatura árabe passou por quatro grandes períodos, que se distinguem entre si, pelas diversas maneiras encontradas de sua abordagem temática. Essa distinção não se aplica somente aos quatros períodos principais, mas também às escolas literáriasque esses períodos comportam dentro de si.

1º Momento – Península Arábica nos Séculos V, VI e VII : esse período é caracterizado pelo surgimento da literatura árabe no período anterior ao Islã.Segundo Mansour Chalitta[3], a literatura árabe surgiu na Panínsula Arábica, mas não se tem notícia do momento exato do seu surgimento. Chalitta afirma que a literatura árabe já se encontrava bem desenvolvida no século sexto e a prática literária consistia na poesia e na prosa, praticada com muito rigor estético no que se refere às rimas, onde se manifestavam temas em torno da vida social de pessoas do deserto, que viviam numa paisagem árida à busca dos Oásis perdidos em meio ao deserto, como o amor, a coragem, a hospitalidade etc. Os principais autores desse período enumerados por Chalitta são Umru Al-Káis, Tarafa, Zuhair, Labid, Amru Bnu-Kulsum, Antar e Al-Haris Ibn-Hiliza, todos eles eleitos por um júri nos festivais anuais de Okás. Mas, antes do surgimento da literatura escrita, nos deparamos com a literatura oral, bastante praticada entre as tribos beduínas, pois os árabes daquela época valorizavama eloqüência, como podemos observar no trecho abaixo:

    "A literatura e, particularmente, a poesia estão profundamente enraizadas na tradição árabe. Se os primeiros registros literários são do século V, a "literatura oral", sem dúvida, é muito mais antiga: multimilenar. Entre os árabes, a eloqüência sempre foi valorizada: era, inclusive, uma condição exigida para se poder exercer a chefia da tribo".[4]

Ainda nesse momento nos deparamos com o surgimento da religião islâmica, fundada pelo profeta Mohamad, e através deste a unificação das tribos beduínas árabes. Para Chalitta, a maior obra literária desse período sem dúvida foi o Alcorão Sagrado[5], que determinou a formação das instituições que iriam constituir o Estado Teocrático mulçumano com sede em Medina. Nesse período a prosa ganha força e a poesia, mesmo ainda com muito prestígio, fica em segundo plano, pois a oralidade é valorizada com o gosto dos árabes pela sua própria História desenvolvida a partir das suas genealogias e das batalhas entre as tribos árabes antigas.

"Os árabes sempre deram destaque à história, pela genealogia de seus ancestrais. As narrativas das lutas entre as diversas tribos da Península Arábica enchiam as horas de ócio dos acampamentos árabes, perpetuando assim as figuras dos heróis do passado".[6]

Maomé não sabia ler nem escrever, recebia as mensagens inspiradas de Alá por meio de seu anjo Gabriel, que eram escritas em peles de camelos e em folhas de palmeiras, que após a sua morte, o califa Osman reuniu esses escritos no livro que hoje nós conhecemos.

2º Momento – Arábia e Síria nos séculos VII e VIII: com a morte do profeta Mohamad em 632, seus sucessores mantiveram o trabalho de manter o Estado teocrático islâmico de Medina. Mas, em 661 o califado foi conquistado por Moauiyat, que acabou por transferir a sede político-administrativo do Estado mulçumano para Damasco, e conseqüentemente Damasco se transforma num grande centro literário, o que não acabou com o que havia na Arábia, estando ambos coexistindo distintamente em seus gêneros literários.

"O centro político tornou-se também centro literário, mas o primeiro centro não desapareceu. E a literatura árabe passa a ter dois centros ativos".[7]

O centro literário que se encontrava em Damasco dava muita ênfase na poesia que se caracterizava em abordar temas ligados ao deserto, o fato é que o deserto não fazia parte do contexto social daquela cidade, ou pelo menos se encontrava distante. Esse tipo de poesia era formada pela imaginação do próprio poeta, que mesmo habitando numa cidade urbanizada estão com o seu coração no deserto. Além desse aspecto, a poesia de Damasco é definida por Chalitta como sendo bajulativa, pois se especializava também na evocação da figura do soberano, que era louvada poeticamente pela sua coragem e bravura comparadas a de um animal selvagem como o leão ou um tigre. Ainda assim, era um tipo de poesia rica, adornada por apetrechos figurativos que embelezavam o conteúdo dos poemas.

"Contudo, à falta de sinceridade e verdade, essa poesia possui, com inusitada abundância, a riqueza de imagens e de melodias suntuosas, e tamanha versatilidade na arte estilística que cada verso parece uma jóia cuidadosamente lapidada".[8]

A partir do pensamento de Chalitta exposto acima, podemos ilustrar a nossa argumentação e perceber que a poesia de Damasco se apresentava como sendo abstrata, mesmo sendo bela e rica em seu conteúdo. Chalitta descreve num momento de sua análise sobre esse período que bastava algum soberano erguer algum monumento, como um palácio por exemplo, e dezenas de poetas se erguiam competindo entre si para louvarem o monumento. Se algum animal do soberano morresse, (o que foi citado por Chalitta foi um asno) cinqüenta poetas se prontificavam em escrever poesia para chorarem o animal moribundo. Chalitta nos apresenta o nome de três poetas dessa corrente: Al-Akhtal, Al-Farazdak e Jarir.

Nesse mesmo período no centro literário da Arábia, a poesia se volta inteiramente para evocar o amor que se manifesta em duas correntes distintas: a primeira, procura demonstrar que o amor é simplesmente as aventuras com várias mulheres, nesse sentido o que importa seriam os breves relacionamentos sem nenhum tipo de compromisso com mulheres bonitas, o prazer do sexo, o desejo carnal e a sensualidade. Como o líder dessa corrente, Chalitta nos apresenta Omar Ibn Abi-Rabiha, e o descreve com sendo charmoso e galanteador, e sua literatura, como a de outros poetas dessa mesma perspectiva, devotam à várias mulheres. A segunda, manifesta-se como seguidora do amor romântico, por poetas que foram fiés à sua amada por toda a sua vida não só nos seus relacionamentos, mas também na sua literatura e na designação dos seus nomes, pois cada poeta dessa escola ao lado de seu nome original adicionaram o nome de suas amadas, como por exemplo Majnoun Layla (que quer dizer "o Louco de Layla"). Além desse último, podemos citar Jamil Bussaina, Quais Lubna, Kussaier Izza e Orua Afra.

Apesar desses dois centros literários existirem diversamente num mesmo período, podemos talvez afirmar que eram centros que vez ou outra viviam em interação. Tal hipótese pode se firmar no fato de ao analisarmos os poemas de Laila e Majnun, poemas nomeadamente românticos, apresentarem alguns elementos da escola de Damasco ao realizar certos elogios ao chefe da tribo do primeiro poemas. Mas, poderíamos considerar que a generosidade proselitista em relação a pessoas de destaque dentro da sociedade árabe, fosse algo cultural, já pertencente na cultura árabe.

"Para os probes ele era generoso – as portas de seu vasto tesouro estavam sempre abertas, e as cordas da sua bolsa estavam sempre desatadas. Era lendária a sua hospitalidade para com os estrangeiros."[9]

Esse segundo momento da literatura árabe foi muito importante, pois permitiu que a literatura não se detivesse num único pólo. Além disso, foi nesse período que a Expansão Árabe conquistou territórios importantes como a Península Ibérica em 711.

3º Momento - Bagdá, Córdoba e o mundo árabe, dos Séculos VIII ao XVIII: nesse período, o império árabe se encontra em efervescente expansão que vai da Ásia à Europa. Em 750 a dinastia Abássida assume o poder e depõe os Omíadas, e a capital se transfere para Bagdá. Diante desse vasto império, dois grandes focos literários emergem: o de Bagdá no Oriente e o de Córdoba no Ocidente. A literatura que se desenvolveu nesse período se encontra a todo vapor, pois os soberanos eram amantes, das artes das letras e da filosofia.

"Bagdá era ao mesmo tempo a capital das Mil e Uma Noites e a sede da casa da sabedoria. Sabia aprender e inventar, como sabia divertir-se. Lá eram concentradas as mulheres mais lindas e as riquezas mais preciosas de todo Oriente. Mas também os tradutores, poetas, escritores, poetas, filósofos, médicos, matemáticos, astrônomos e músicos mais dotados".[10]

Em Córdoba não era diferente, Chalitta afirma que esta era a cidade mais populosa de toda Europa e a capital européia da cultura. Mas os centros culturais não se resumiam apenas em Bagdá e Córdoba, mas vários outros centros cada vez mais cresciam, como na Arábia, na Síria, no Líbano, do Egito, na Tunísia, na Argélia e no Marrocos.[11]

Chalitta afirma que essa é a Idade de Ouro da literatura árabe[12], pois a própria cultura árabe se expande por diversos países, nesse sentido o império árabe adquire elementos culturais de diversas civilizações que habitavam naquele território, contribuindo para o desenvolvimento da sua literatura. É como se todas essas civilizações se mesclassem em uma debaixo das diretrizes do Alcorão Sagrado.

"A mistura de raças, o intercâmbio com civilizações e literaturas estrangeiras, orientais e mediterrâneas, e vasta tradução de vários livros antigos (notadamente gregos) abrem novos horizontes para a cultura árabe. Até o século XII, as grandes obras se multiplicam por toda parte. É a Idade de Ouro da literatura árabe.".[13]

A literatura, materializada essencialmente na poesia e na prosa, se torna mais flexível e não apresenta mais todo aquele rigor estilístico do segundo período. Os temas agora se voltam para a contemplação da natureza, especialmente na Espanha:

"Se queres ver a glória de Deus, então contempla uma rosa vermelha". [14]

A poesia cada vez mais perde espaço e prestígio para a prosa, mas ainda assim se mantém com bastante força. Os temas tradicionais também declinam para representar o contexto do próprio poeta e dos seus sentimentos abordando temas que estavam próximos ao poeta, diante disso os temas que abordavam os camelos e as coisas dos desertos foi cada vez mais ficando para trás. Essa transformação foi denominada por Chalitta como sendo uma verdadeira revolução literária, nomeando como líder dessa revolução Abu-Nauas.

Foi graças aos pensadores árabes dessa época que várias obras clássicas (gregas) foram traduzidas e preservadas para nós atualmente. Na prosa nos deparamos com o nomeado por Chalitta "Voltaire da literatura árabe", Al-Jahez no século IX. Nessa época a prosa se torna cada vez mais sofisticada e diversifica cada vez mais a sua temática.

"Devemos aos árabes a conservação da cultura grega e muitos aspectos culturais europeus inspiraram-se nos costumes árabes. Alguns consideram que a concepção da cavalaria, na Europa, a arte bélica desenvolvida em volta do cavalo, foi uma noção que veio do Islã".[15]

No século XII, observamos que o império árabe se vê invadido pelos bárbaros que os atacavam com furor. Chalitta afirma que foi um período de destruição: de um lado os tártaros, do outro os mongóis, e do outro os turcos. Chalitta chega a se perguntar se em meio a tanta desolação e ruína provocada pela invasão desses povos, a riqueza da literatura iria desaparecer, mas ao que parece a literatura árabe renasce em pleno século XIX, segundo ele.

4º Momento – Líbano e Egito nos séculos XIX XX: Nesse período, quando o Oriente Médio se liberta da dominação turca, e com profundas transformações marcando a Europa, a literatura árabe renasce, mas agora esta última se encontra influenciada pelo Ocidente.

"As influências que a marcarão mais profundamente serão doravante as das literaturas ocidentais, sobretudo a francesa e a anglo-saxônica, que não tinham sequer nascido quando a literatura árabe já era crescida e gloriosa.

Ontem, os povos árabes davam á Europa; hoje, tomam dela para poder dar-lhe de novo amanhã. É o ciclo das estações, da vida e das civilizações".[16]

A literatura árabe agora, não se limita apenas às terras do Oriente, mas encontramos escritores em plena Nova Iorque, São Paulo entre outras. Na prosa, nós percebemos que existe uma volta à obras literárias do passado árabe. Josnalistas, críticos, exagetas, configuram a sua contribuição literária a partir das obras árabes antigas, mas dotados de pressupostos do presente. Podemos citar a Abbas, Mahmud Al-Akkad,Ibrahin Abdel, Kader Al-Mazini, entre outros.

BIBLIOGRAFIA

CHALITTA, Mansour (org.). As Mais Belas Páginas da Literatura Árabe. Rio de Janeiro. ACIGI. .

MAIER,Félix. Adab Al-Arabi (Literatura árabe). 2006. Extraído de: http://www.webartigos.com/articles/521/1/literatura-arabe/pagina1.html

NIZAMI. Laila & Majnun: a clássica história de amor da literatura persa. Adaptação em prosa por Colin Turner. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed. 2002.

NASR, Helmi. Aspectos da Poesia Árabe Pré-Islâmica. Extraído de : www.hottopos.com/videtur2/nasr.htm




Autor: Juarlyson Jhones


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