DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM, UMA QUESTÃO DE PRIORIDADE.



*Ana Claudia A. de Souza


A questão ensino aprendizagem é algo que tem despertado meu interesse há alguns anos, principalmente no que tange ao fato de que muitas vezes a comunicação receptor-emissor no caso de professor e aluno não alcança o êxito esperado e o aluno não raramente permanece sem o domínio do conteúdo a ele repassado.
Quando nos questionamos a respeito das razões que levam a tal resultado, enumeramos algumas em nossa mente: falta de recursos para o ensino, escolas com espaço não apropriado à aprendizagem, desestrutura familiar, problemas fisiológicos e/ou biológicos que desencadeiam as dificuldades individuais, professores mal capacitados e mal remunerados, dentre outras tantas que são exteriores a nossa condição de educador.
Em alguns estudos realizados ao longo de 14 anos de experiência docente em todos os níveis escolares, foi possível observar que a historia se repete independente do nível em que esteja o aluno. Sempre um questionamento fica no ar: por que essas crianças sentem tanta dificuldade de aprender hoje em dia? Verificando o conteúdo estudado vemos que hoje, ainda permanece o mesmo currículo anterior, enxertado de algumas disciplinas novas que acompanham as necessidades atuais, mas, a essência ainda permanece. Em contato com livros didáticos vê-se repetidos textos e atividades e o livro permanece o mesmo, apenas com uma logística mais atraente e atualizada, muitos desses textos fazem parte do meu arcabouço pessoal, e os tenho ainda gravados desde os meus tempos das primeiras letras, significando que pouca mudança houve nos últimos trinta anos de ensino.
Posso ainda visitar a minha primeira escola e ver que a estrutura ainda é a mesma. Surge daí uma interrogação que necessita de resposta: se a educação ainda permanece a mesma, com raras mudanças, por que os alunos hoje mesmo aprovados não possuem conhecimento dos conteúdos ensinados pelos professores? O que mudou de lá para cá? Antigamente os alunos estudavam de março a junho e de julho a novembro apenas, e ao final do ano os que eram aprovados davam conta do conteúdo daquele ano e dos anos anteriores também. Hoje temos uma jornada de fevereiro a dezembro com aulas muitas vezes em tempo integral e quando começa o ano letivo na maioria das vezes já não se lembram de quase nada do que viram, sendo necessário ao professor semanas de revisão de conteúdo para então começar o novo ano letivo.
Pensando nos fatores advindos destas reflexões é possível parar um pouco e parafrasear o ilustre Paulo Freire quando nos diz que:

"Ao ir escrevendo este texto, ia "tomando distância" dos diferentes momentos em que o ato de ler se veio dando na minha experiência existencial. Primeiro, a "leitura" do mundo, do pequeno mundo em que se movia; depois, a leitura da palavra que nem sempre, ao longo de minha escolarização, foi a leitura da "palavramundo". (1988, p.9)

O fato de adentrar a escola era para a criança como penetrar num espaço totalmente novo, sem, contudo deixar de lado sua infância, embora não houvesse tantos espaços destinados a elas haviam, no entanto tempo para ser criança, assim a socialização acontecia no pátio da escola, no recreio livre onde se podia correr e brincar as brincadeiras preferidas era o momento do estudo da "palavramundo" (coisa que hoje quase não se vê), e na hora de estudar havia uma atenção voltada para aquele momento, não havia tantos casos de TDAH ( transtorno de Déficit de Atenção e Hiperativismo), e as outras dificuldades também não eram identificadas facilmente a menos que fosse alguma deficiência muito comprometedora que remetia o aluno a escolas especializadas no transtorno. Claro que havia as discriminações e muitas vezes mal-entendidos e falta de inclusão, etc, coisa que daria em si outro artigo. Mas quero referir-me aqui ao fato de que em meio a tantos contrastes e uma legislação tecnicista, a aprendizagem dos conteúdos ocorria.
Hoje a escola modernizou-se, os espaços são pensados para dar a maior condição de concentração e conforto, foram inseridas disciplinas atuais e de acordo com o tempo tecnológico que vivemos, os professores adéquam-se ao ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), aumentou-se os dias letivos e a permanência na escola, criou-se a Inclusão Social inserindo no contexto escolar pessoas segregadas, instituiu-se os Centros de atendimento a crianças com dificuldades de aprendizagem, psicopedagogos e psicólogos foram contratados, e o que vemos? Alunos que concluem o período escolar sem condições de passar num vestibular ou num concurso público, para alegria dos proprietários de cursinhos preparatórios para os que podem pagar, e tristeza dos que não tem condições de arcar com despesas extras e precisam ingressar no mercado de trabalho cuja solução é batalhar para entrar em um curso técnico e sair o mais rápido possível para ganhar a vida, ou quem sabe ainda vender DVDs piratas nas esquinas ou nas feiras livres...
O que acontece com o ensino aprendizagem? As coisas mudaram muito ao longo dos anos? A mudança melhorou a aprendizagem? A "repetência zero" está ajudando a criar um ensino de qualidade que possibilite uma aprendizagem ?anti-repentência?? São reflexões que precisam ser feitas a cada dia por educadores e governantes.
Tenho trabalhado com alunos de diferentes classes sociais e escolas variadas, publicas e particulares e a realidade tem sido a mesma, alunos desmotivados que não dão conta do conteúdo, que apresentam um quadro de dificuldades de aprendizagem muito acentuado chegando ao nosso Centro com atividades para realizar sem contudo dominar o conteúdo da mesma ou na maioria das vezes nenhuma noção do que é para ser feito. É como se durante o momento da aula se tratasse de qualquer assunto menos do que precisa ser realizado, ou se estes estivessem aéreos alheios ao que se passa em sala de aula.
Como Psicopedagoga não posso ignorar as diversas dificuldades que impendem o perfeito aprendizado e que se manifestam nas crianças: dislexias, TDAH, dislalias, etc, mas, ainda me questiono como está ocorrendo a "ensinagem", como está sendo trabalhado o conteúdo dentro da perspectiva de uma preparação para o futuro. Sei que há outras aprendizagens a serem compreendidas como o ensino dos valores (também em baixa), a socialização, o domínio das novas ferramentas tecnológicas de aprendizagem, dentre outras. Mas, precisamos reconhecer que nossos alunos têm pela frente vestibulares, provas de concurso, seleções de pós-graduações, e avaliações diversas que dependem única e exclusivamente do domínio do conhecimento cientifico e muitas vezes, especifico.
Sem perder de vista os fatores externos e internos de cada ser humano que dificultam a compreensão e fixação de determinado conteúdo, é preciso refletir sobre o papel do educador que antes de ser infalível é um ser humano que como qualquer outro está em constante reconstrução e, portanto, necessita a cada dia aprender e ensinar o que aprendeu como reforça Paulo Freire (1996) "Me movo como educador porque primeiro me movo como gente", a própria compreensão desta condição de Ser humano nos remete ao fato de que precisamos questionar nossas ações enquanto educadores, pensarmos o quanto destas dificuldades de aprendizagem se originam nas nossas "pedagogices", ou na frieza de uma educação bancária desprovida de relacionamentos, alheias ao fato de que cada pessoa ali inserida em sala de aula tem sua própria personalidade e que precisa ser levada em conta no processo de escolha das estratégias de aula, a cada momento estaremos atingindo determinado grupo em detrimento de outro e isto precisa ser compensado com mudanças estratégicas e variações de nossas ações.
A dificuldade de aprendizagem precisa ser combatida por um conjunto de alianças entre as figuras presentes no contexto escolar, do aluno, família, professores, gestores, profissionais de saúde emocional e física e principalmente dos governantes que precisam oferecer condições de trabalho para que se ofereça a melhor educação que se pode ter, criando não apenas melhores índices no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) internacional, mas, pessoas capazes de dar conta daquilo que aprenderam de fato e de verdade.



REFERÊNCIAS:

FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. 22 ed. São Paulo: Cortez, 1988. 80 p.

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. SP, 1996, Paz e Terra Coleção Leitura, 27ª ed. p.94.


Autor: Ana Claudia Almeida De Souza


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