História Triste



Aquele dia foi atípico, me envolvi e acabei esquecendo a minha consulta de rotina. Costumo dizer que os meus dias no sul são curtos e no norte são longos. Mas minha filha ligou da faculdade para me avisar do meu compromisso e se ofereceu para me acompanhar. Aceitei com alegria a sua oferta. Saímos de casa meio atrasadas e ficamos presas no trânsito. Notei que um senhor pedinte se aproximou do carro e como eu sou gato escaldado senti um certo receio. Minha filha avisou que o pedinte era pessoa da paz e me pediu dez reais que ela passou para ele e perguntou se estava tudo bem, recomendou que ele se alimentasse e se despediu porque os carros começaram a se movimentar. Me contou a história do pedinte que era um advogado com doutorado em Londres. Ele estudou Direito com a mãe de uma amiga de minha filha. Foi um aluno excelente, passou em primeiro lugar no vestibular e na formatura recebeu menção honrosa. No exame da Ordem dos Advogados ele foi brilhante. A mãe da amiga da minha filha não conseguiu passar no exame. Ele foi fazer doutorado em Londres logo após fazer o mestrado em São Paulo. Na volta fixou residência em sua cidade natal onde casou com uma colega de curso e trabalharam juntos. Da união nasceram dois filhos. O casal era muito feliz. Era uma união tão tranqüila que sua mulher não notou que ele estava esquisito. Só notou quando ele começou a ficar alterado. Estava tudo bem e do nada ele passou a ter visões. Não pode mais trabalhar, passou os negócios para sua mulher e equipe e foi se isolar em uma fazenda em Belém do Pará. A fazenda era de amigos de seu pai, ficou por lá seis meses e avisou seu amigo que estava retornando para casa. Nunca se soube o que aconteceu no caminho. Ele perdeu o rumo, de passageiro em transito ele passou para passageiro desaparecido. Iniciaram as buscas e deu em nada, até a polícia descobrir que ele se encontrava em uma aldeia indígena desmemoriado. Segundo o jovem índio que viu, na faculdade onde estava estudando, o retrato do homem branco procurado pela policia e como teve conhecimento de um homem perdido nas imediações da tribo, avisou a policia que foi até a aldeia de sua tribo e fez o reconhecimento. Segundo os índios ele era calmo e que estava se adaptando bem e era desmiolado. Ele voltou para casa e teve todo acompanhamento médico, psicológico e psiquiátrico. Ficou em tratamento durante um ano, se distanciou da família, não demonstrava qualquer tipo de emoção. Recuperou suas lembranças, sabe-se lá que lembranças eram estas, e não se adaptou mais à vida familiar, e não houve tratamento que desse um resultado positivo pra sua reintegração na sociedade. Certo dia pediu para sua mulher uma quantia em dinheiro, não foi muito. Sumiu e não foi localizado durante um longo tempo até ser encontrado e reconhecido por um padre na porta de uma igreja em São Paulo. Foi internado por uma temporada, novo tratamento, novos exames confirmaram que ele não fazia uso de drogas, não bebia, sempre foi abstêmio; fez todas as terapias. No hospital ele plantava e ajudava na cozinha. Todos foram se acostumando com sua presença silenciosa até ele fugir. A família nada mais pode fazer por ele, ele escolheu o caminho da mendicância. O detalhe estranho é que ele reconheceu a mãe da amiga da minha filha, e conheceu minha filha no fia que ela e a amiga levaram agasalhos enviados pela mãe da moça e desde aquele dia ele passou a ficar só naquele local próximo da residência de sua antiga colega de faculdade. Dormia em uma casa abandonada e esmolava no semáforo da esquina. Seus familiares são obrigados a assistir tanta desgraça sem poder fazer nada. Eles sentem-se impotentes e se tentam se aproximar ele foge aos berros pronunciando palavras desencontradas. Não deseja ajuda para voltar a vida em sociedade, mas é um louco manso que tira um chapéu imaginário para as senhoras e anda esfarrapado, mas não tira a gravata. Adora uma gravata nova. Os moradores do prédio próximo do sinaleiro sempre lhe dão de presente roupas e gravatas.

Autor: Nadia Foes


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