HISTÓRIA DA FILOSOFIA MEDIEVAL




Em sentido histórico, denomina-se filosofia cristã aquela que foi influenciada pelo cristianismo, predominou no ocidente, principalmente na Europa, no período que vai do século I ao XIV de nossa época (Rezende, 2005).
Os limites cronológicos da chamada Idade Média são imprecisos. Seu início pode ser atribuído ao edito de Milão (313), o batismo de Constantino (337) ou com a queda do imperador Romulo Augustulo (476). Em geral, o término da Idade Média é tido pelos historiadores como a queda do império do oriente, quando os turcos otomanos conquistaram Constantinopla, atualmente chamada de Stambul, em 1453.
A filosofia cristã compreende duas épocas distintas: a patrística, que vai até o século VIII, aproximadamente, e a escolástica, que vai aproximadamente do século X ao XIV. O problema central da filosofia cristã é o da conciliação das exigências da razão humana com a revelação divina. O modo de abordar e solucionar esse problema caracteriza as diferenças entre patrística e a escolástica.
O período denominado de Filosofia medieval é aquele em que a Igreja Romana dominava a Europa, ungia e coroava reis, organizava Cruzadas à Terra Santa e criava as primeiras universidades, em torno das catedrais (Chaui, 2002). Entretanto, a filosofia medieval não foi só de cristãos. Abrangeu pensadores cristãos, árabes e judeus. Foi um período com uma infinidade de elementos civilizatórios, como a formação de universidades, a valorização dos livros e bibliotecas, racionalização da fé e do exercício do poder. Foi um período que promoveu diálogo entre judeus, muçulmanos e cristãos com a filosofia grega e entre si.

1. FILOSOFIA CRISTÃ

1.1 PATRÍSTICA:
Durou do século I ao século VIII, aproximadamente (Cabral, 2006). Surge como resultado das ações dos apóstolos Paulo e João, e pelos primeiros padres da Igreja Católica Apostólica Romana, no sentido de associar e conciliar a teoria cristã com o pensamento filosófico dos gregos e romanos. Por meio desta conciliação, poder-se-ia convencer os pagãos e convertê-los às verdades da nova religião, o cristianismo (Chaui, 2002). Assim, a filosofia patrística tem uma tarefa evangelizadora; seu principal tema diz respeito à conciliação entre Fé e Razão, e o seu grande representante é Santo Agostinho.
SÃO JUSTINO (aproximadamente 165 dC), partiu do conceito de LOGOS para tentar uma ponte entre a filosofia pagã e o cristianismo. Logos é um termo grego, que significa razão, pensamento, inteligência, palavra. Logos é, então, a sabedoria divina que se revelou plenamente em Cristo. Já existia uma semente deste Logos antes de Cristo, pois os profetas e filósofos foram influenciados por ele, mas só se mostrou de forma parcial, pois sua completude se dá apenas após o advento do Cristo. Para Justino, o cristianismo é a continuação e complemento natural da filosofia grega (Rezende, 2005). TERTULIANO (n. 155 dC), diferente de São Justino, acreditava que existia uma oposição radical entre a razão dos filósofos e a fé dos cristãos. Para ele, os pensadores antigos apenas adulteraram a verdade, e criaram todas as heresias. SANTO AGOSTINHO (354-430 dC), filho de pai pagão e mãe cristã, nascido na Argélia; no início de sua vida aproximou-se da religião do pai, com forte tendência maniqueísta, e ao final de sua vida, aproximou-se da religião da mãe, chegando a ser o bispo da cidade de Hippo.Seu pensamento é baseado nos princípios filosóficos de Platão, daí a perspectiva humanista de seus escritos filosóficos. Segundo ele, Deus nos dá o livre-arbítrio, necessário para tomar decisões morais (Bergman, 2004). As decisões imorais consistem em não permitir que a graça de Deus guie nosso comportamento. Não há mal absoluto, pois tudo no mundo é criado por Deus que é bom; o que existe são ações desprovidas de Bem. Preferia a teoria platonista, buscando conciliá-la com os dogmas cristãos, onde o mundo das Ideias é substituído pela Cidade de Deus. Formulou o problema das relações entre razão e fé, estudados no período da escolástica.

1.2 ESCOLÁSTICA
O nome "Escolástica" deve-se ao conceito de "Schollas". Era o saber ensinado nas escolas, construídas a partir do movimento cultural de Carlos Magno. Estas escolas filosóficas seguiam dentro do controle da Igreja; assim a Igreja poderia ter o monopólio religioso e ideológico do povo (Nunes, 1986). Durou aproximadamente do século VIII ao XIV, englobou problemas da patrística e outros que são peculiares, como a prova da existência de Deus e da alma por meio da razão.
SANTO ANSELMO (1033-1109 dC), arcebispo da Cantuária, defendeu a supremacia da fé sobre a razão. Tinha o projeto de compreeder com a razão as verdades da Revelação ("Fides quaerens intellectum"). Buscou provar a existência de Deus pelo Argumento Ontológico; mas recebeu críticas desde a sua elaboração. Para ele, é necessário primeiro crer, para depois entender (Cabral, 2006). PEDRO ABELARDO (1079-1142 dC), embora mantendo o primado da Fé e da Revelação, mantém o campo livre para a pesquisa racional e a especulação. JOHN DUNS SCOT (1270-1308 dC), reagiu às teoria de Santo Tomás, buscou resgatar a teologia de qualquer intervenção do racionalismo. GUILHERME DE OCKHAM (1229-1350 dC) complementou a decadência da filosofia medieval cristão, pois escreveu a tese da separação não só da fé e Razão, mas também do poder do papa e do imperador, ou seja, entre Igreja e Estado. Assim, deixou o norte que será seguido pela filosofia moderna, que é a busca da autonomia da razão e pesquisa científica, desvinculando-se da religião (Rezende, 2005). TOMÁS DE AQUINO (1225-1274) foi o grande nome da filosofia escolástica. Buscou sintetizar Aristóteles e o cristianismo. Para ele, há dois tipos de conhecimento, sendo que um aprendemos pela fé, e o outro pela razão. Apesar de distinguir razão e fé, as utiliza em parceria, buscando uma prova para a existência de Deus. De Aristóteles, aproveitou a idéia da necessidade de um primeiro motor imóvel. O fato de os homens terem ideais morais, para ele, significava que deveria haver um ideal moral no universo. A sua teoria filosófica (tomiana) é a oficial da Igreja Católica desde aquele tempo. Conciliou razão e fé, mas deixou claro que, dentre as duas, a mais importante é a fé (Bergman, 2004).

2. FILOSOFIA ISLÂMICA
Também chamada de filosofia muçulmana, ou filosofia árabe. Tratarei da filosofia islâmica desenvolvida pelos árabes na península Ibérica.
O contato com o mundo grego e cristão levou os muçulmanos a agregar elementos de filosofia que explicassem sua fé. Este processo resultou numa "teologia muçulmana", denominada KALAN. O Kalan se inicia em Damasco e se desenvolve em Bagdá e Bassora. Tem duas correntes clássicas: uma ortodoxa (asaríes) e outra heterodoxa (mutazilíes). Os problemas mais discutidos são: a criação, desde o nada à eternidade do mundo; onipotência e onisciência de Deus e a liberdade humana; justiça divina; destino do pecador; imortalidade da alma.
Principais pensadores da filosofia islâmica: AL-KINDI (796-874), conhecido como "o filósofo dos árabes", conheceu a maioria das obras de Aristóteles, agregando conceitos aristotélicos à fé muçulmana e elementos neoplatônicos; para ele, a filosofia serve para dirigir a vida do homem em direção ao seu fim. ALFARABI (870-950), comentou várias obras de Aristóteles, mas sua mentalidade se mantém dentro do neoplatonismo; formulou um catálogo das ciências usando como base a proposta original de Aristóteles; comunicou-se sem dificuldade com autores de outros credos, cristãos, por exemplo. AVICENA (980-1037), médico e sábio, teve acesso às bibliotecas das cortes onde trabalhou; continua a orientação filosófica de Alfarabi, porém a supera em profundidade e vigor; realiza uma complexa interpretação da função intelectiva, classificando o intelecto em: entendimento agente separado (unido à esfera lunar) e entendimento passivo ou potencial (próprio de cada indivíduo); marca a escolástica cristã e influencia Tomás de Aquino. AVERRÓES (1126-1198), estudou direito, teologia, medicina e filosofia; Segue a tradição aristotélica e é conhecido como "o comentador", por seus muitos comentários às obras de Aristóteles; buscou restituir em pureza a doutrina de Aristóteles, violada pelos elementos neoplatônicos vigentes em seus predecessores; acreditava que a filosofia de Aristóteles era a verdadeira; formulou a teoria da dupla verdade, pois a verdade seria entendida na filosofia e expressa na teologia.

3. A FILOSOFIA JUDAICA
Até o século IV aC, a principal fonte do pensamento judaico foram as Sagradas Escrituras. Com a desaparição do profetismo, esta fonte foi preenchida pelo tradicionalismo, representado pelos fariseus e escribas. Essa perspectiva manteve-se até próximo do ano 70 da nossa era, quando Jerusalém foi tomada por Vespasiano. Entre os judeus mais ou menos helenizados, surge o problema da verdade revelada na Bíblia e a filosofia. A tentativa de conciliação dessas fontes de conhecimento foi mal sucedida, e a religião trancou-se no tradicionalismo novamente, até que, por volta do século VIII, as escolas da Babilônia entraram em contato com o Kalan.
Após o ano 70 surgiram grupos de comentadores judeus, que criaram o Mischiná, a quem lhe sucedeu o Talmud (espécie de enciclopédia judaica). A QABBALAH, desta época, é um tratado, escrito numa linguagem rebuscadamente misteriosa, que consiste numa espécie de teologia cósmica, influenciada pelo pitagorismo e gnosticismo, misturados com magia e taumaturgia. Sua origem parece ser uma reação à rigidez da Mischiná e do Talmud, ou uma reação do misticismo contra o racionalismo, uma concessão ao neoplatonismo contra o aristotelismo.
Os filósofos árabes foram os mestres dos filósofos judeus. Seus principais pensadores foram: ISAAC ISRAELI (865-955), primeiro nome da filosofia judaica, foi médico; teve influência neoplatônica, que interferiu profundamente em sua concepção emanatista da origem do mundo e da doutrina da alma. SAADIA BEM JOSEF DE FAYUNN (892-942), famoso por escrever o livro das crenças e opiniões, buscou constituir uma filosofia propriamente judaica, embasada em um acordo entre ciência e religião; acreditou que o mundo não é eterno (começou no tempo), e isso demonstraria por que o universo é finito, composto, misto de substância e acidente; foi crítico da teoria emanatista de Platão e combateu a idéia de preexistência da alma. SALOMÃO IBN GABIROL (1021-1070), conhecido por Avicebrón, teve influência neoplatônica; sua teoria influenciou filósofos cristãos (especialmente franciscanos), ao dizer que no topo do universo está Deus, e hierarquicamente, tudo o que está abaixo dele foi criado pela vontade dEle. MAIMÔNIDES (1135-1204), chamado de "o sábio judeu", buscou uma relação inteligível entre os preceitos judaicos e a filosofia clássica grega, por meio de um diálogo entre discursos dos sábios por um lado, e de Aristóteles (o príncipe dos filósofos), e outros Peripatéticos em geral, de outro; por viver em Córdoba, teve contato com as três tradições monoteístas, suas indagações médicas, teológicas e filosóficas, confluíram numa obra que extraiu argumentos que tramaram fé e razão, as narrações do Gêneses com a física Aristotélica; esta obra foi denominada "O Guia de Perplexos", que tem por principais objetivos esclarecer conceitos e identificar sentidos; buscou defender o uso da filosofia para explicar as escrituras. A maior contribuição de Maimônides foi sua filosofia prática (ética e política), que ele acrescenta aos temas do Direito e das Leis (temas privilegiados pela tradição judaica); para ele, lei e filosofia são inseparáveis, e a lei serve para alcançar o bem da alma e do corpo; toda lei teria sua causa clara e utilidade manifesta; acreditou que o ser humano era político por natureza, e as leis não seriam naturais, mas estariam em conformidade com a natureza; os melhores governadores de uma cidade seriam os profetas, pois a cidade fundada pela lei do filósofo seria inferior à cidade fundada por um profeta e governada por sua lei.

4. CONSIDERAÇÕES
A filosofia medieval, em especial a cristã, foi em defesa da fé e moralista. Mas ainda na Idade Média, pôde-se ver a decadência de instituições medievais, entre elas, a própria corrupção da Igreja. Erasmo de Rhoterdã escreveu (em 1509) o "Elogia à Loucura", onde criticou a situação decadente da Igreja Romana. A partir dessa crítica, associada a causas econômicas, sociais e políticas, inicia-se o processo de ruptura com a tradição teocêntrica medieval, denominado Humanismo (Nunes, 1986).

5. REFERÊNCIAS
BERGMAN, G. Filosofia de banheiro: sabedoria dos maiores pensadores mundiais para o dia-a-dia. Trad. Caroline Kazue Ramos Furukawa. São Paulo: Madras, 2004.
CABRAL, CA. Filosofia. São Paulo: Editora Pillares, 2006.
CHAUI, M. Convite à filosofia. 12 ed. São Paulo: Editora Ática, 2002.
NUNES, CA. Aprendendo Filosofia. Campinas, SP: Papirus, 1986.
REZENDE, A. Curso de filosofia: para professores e alunos dos cursos de segundo grau e graduação. 13. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA. História da Filosofia Medieval. Brasília: 2004.


Autor: Andressa S. Silva


Artigos Relacionados


A Teologia SimbÓlica Da PatrÍstica

O Que Foi A Filosofia Patrística.

HistÓria Da Filosofia

Santo Agostinho.

A Construção Do Espaço Medievo: A História Teológica

Filosofia: O Período Helênico E O Grego-romano.

Teologia