Privatização E O Princípio Constitucional Da Eficiência



Privatização de Empresas Públicas Exploradoras de Atividade Econômica e o Princípio Constitucional da Eficiência

Em seu livro, Curso de Direito Administrativo, Celso Antônio Bandeira de Mello escreve que, sobre o princípio da eficiência, não há nada a dizer pois, se trata por óbvio de algo mais que desejável. Entende ainda que a inclusão deste no texto constitucional nada mais é que um simples adorno, o extravasamento de uma aspiração dos que buliram no texto.O publicista explica que é um adorno, porque entende que o princípio é tão fluído e de difícil controle, que escapa do controle do Direito.

Poderíamos subestimar a importância da constitucionalização de um princípio, considerando-o um simples adorno?

Para o professor espanhol de Direito Constitucional Antonio Troncoso Reigada há sentido na constitucionalização do princípio da eficiência. Em seu livro Privatizacion, Empresa Publica y Constitucion, o professor defende que a eficiência fora da Constituição não tem o poder de afetar a legalidade do ato, mas quando se transforma em princípio constitucional deixa de ser apenas um critério formal do Direito Administrativo para passar a reger de fato as atividades públicas. Segundo ele, a natureza constitucional que é auferida ao princípio da eficiência faz com que o Estado efetivamente seja compelido à busca de uma administração eficaz. O que é especialmente importante, pois a principal característica da administração pública é justamente a ineficiência.

Antes do princípio da eficiência se tornar norma constitucional, a necessidade da busca pela eficiência na administração pública já era reconhecida pela doutrina e pelo STJ. No entanto houve a necessidade de constitucionalizá-lo. Seguindo o exemplo da Constituição Espanhola, a Emenda Constitucional n. 19/98, acrescentou de forma expressa a eficiência no rol de princípios que regem a administração pública, no artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil.

A Emenda entrou em vigor nove meses depois da promulgação da Lei 9.491/97, que reformulou o Programa Nacional de Desestatização, período em que o País passava por mudança estrutural na ordem econômica, tendo, conseqüentemente, grande necessidade de legitimá-la.

Desestatização não se confunde com privatização. Privatização é uma das espécies do gênero desestatização, ao qual também são espécies, a concessão e a permissão. As privatizações que tratarei neste artigo são as de empresa pública de exploração de atividade econômica. O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau em A ordem Econômica na Constituição de 1988 adverte que qualquer debate jurídico que ignore as distinções entre empresa pública que explora atividade econômica e a que presta serviços públicos, será inócuo, pois não fará a distinção do seu objeto.

A desestatização brasileira de longe é um processo isolado. Espanha, Malásia, Filipinas, Hungria, Japão, França e Inglaterra apesar de terem cenários políticos, econômico, jurídico e sociais bastantes diferentes previram a necessidade, mesmo que por motivos distintos, de privatizar empresas públicas. Na Espanha o plano de privatização foi idealizado justamente em face da busca de maior eficiência no desempenho das empresas, e o resultado, foi uma invejável recuperação econômica, como coloca Marcus Juruena Souto, em seu livro Desestatização: Privatização, Concessão, Terceirização e Regulação.

Tornar o Estado menos burocrático e mais eficaz através da privatização é um processo político, econômico e jurídico de extrema necessidade e importância no mundo contemporâneo. No entanto, é imprescindível que haja convergência entre os três processos, para que as privatizações cumpram efetivamente os objetivos desejados. Mas onde entra o princípio constitucional da eficiência neste cenário? Coincidência ou não o fato é que as empresas públicas que exploravam atividades econômicas, ao serem privatizadas tornaram-se mais eficientes e, conseqüentemente, trouxeram grandes benefícios ao País. No caso da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) o número de empregos que antes da privatização era de 11 mil, hoje é de 44 mil, gerando ainda outros 93 mil empregos indiretos.

No Brasil o processo de privatização começou nos anos 90, e pode ser dividido em cinco momentos diferentes. A primeira fase se deu com a promulgação da Constituição de 1988. Apesar de ter originalmente diversos pontos de caráter nacionalista e estatizante, a nova Constituição estabelecia que a ordem econômica e financeira seria fundada na livre iniciativa. A exploração direta de atividade econômica pelo Estado ficaria limitada aos casos expressos na própria Carta, ou os que envolvessem segurança nacional ou relevante interesse coletivo. Sendo assim, o papel principal do Estado na ordem econômica passava a ser agente normativo e regulador, cujas funções seriam de fiscalização e de incentivo a iniciativa privada, marcando assim, a passagem de Estado Empresário a Estado Regulador.

A segunda fase do processo de privatização começou em 1990 com o Governo Collor. Com forte discurso neoliberal e privatizante, quatro meses após a posse, o presidente promulgou a Lei 8031/90, instituindo o Programa Nacional de Desestatização. Dentre os objetivos decorrentes da implantação do Programa estavam a transferência de atividades indevidamente exploradas pelo Poder Público à iniciativa privada, a redução da dívida pública e o saneamento das finanças, a modernização do parque industrial e finalmente, fazer com que o Estado efetivamente se voltasse as suas atividades básicas. A intenção era a de promover um Estado que pudesse se voltar para os serviços públicos nos quais a sua presença fosse fundamental para a realização das prioridades nacionais, como saúde, segurança pública e educação, deixando a realização de atividade econômica à iniciativa privada. Nesta fase uma das privatizações mais importante foi a da Usiminas. A venda foi marcada por protestos em frente da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. A estatal que então apresentava altos déficits e era dependente do orçamento público, em 2005 contribuiu, pelo pagamento de tributos, com 3 bilhões de reais aos cofres públicos.

Na terceira fase do processo, de 1993 a 1995, as privatizações continuaram a acontecer, mas, apesar de terem sido feitas em maior volume que na primeira fase, o processo foi marcado pela indefinição dos rumos e incerteza sobre a sua prioridade na agenda, já que o presidente Itamar Franco, apesar de ter cumprido com as obrigações já iniciadas, era contra o processo. Como resultado do impasse político a regulamentação necessária para o desenvolvimento do programa ficou atrasada em relação ao processo.

É na quarta fase, com o governo Fernando Henrique, que as privatizações ganharam grande impulsão e apresentaram resultados significativos macroeconomicamente. O PND foi aprimorado com a Lei 9491/97 e as regulamentações saíram, em sua maioria, do papel. A Constituição foi emendada para dar viabilidade e amplitude ao processo, sendo que dentre as principais alterações houve a extinção de várias restrições ao capital estrangeiro e a flexibilização de monopólios estatais. Nesse período foram privatizadas várias empresas estatais federais e estaduais. Dentre as federais foram privatizadas empresas dos setores siderúrgico, petroquímico, metalúrgico, de fertilizantes e de telecomunicações. No âmbito estadual foram vendidos vários bancos.

Com o governo Lula, e início da quinta fase, as privatizações perderam o fôlego. Com discurso contrário as privatizações e alegações de que não as teria feito, foi o governo que mais colheu os frutos decorrentes delas. O governo Lula, no entanto lançou mão de outros meios de desestatização, como a concessão e permissão de obras e de serviços públicos. No início do primeiro mandato, o presidente Lula apressou a aprovação do projeto de lei que possibilita a concessão de terras da Amazônia por até 60 anos. Com a Lei de Concessão da Floresta a expectativa é de passar para a iniciativa privada, 13 milhões de hectares, visando à proteção da floresta amazônica.

Os debates em razão da desestatização, em especial das privatizações, são regidos, em regra, mais pelos sentimentos exacerbados de patriotismo, e pelo sentimento de perda de um patrimônio público, do que pela análise lógica dos seus resultados a longo prazo. Em uma pesquisa realizada pelo Ipespe/Valor, em outubro de 2006, revela que 70%, em um total de mil brasileiros, são contra a privatização.

No entanto, contrariando os discursos populistas e eleitoreiros, um estudo científico publicado em 2005, pela Fundação Getulio Vargas, compara os resultados de 13 empresas brasileiras antes e depois de serem privatizadas.

O resultado foi surpreendente. Nas mãos da iniciativa privada, fora do controle burocrático do Estado, sem regras rigorosas para contratação e demissão, compras e investimentos, essas empresas que antes eram deficitárias e algumas até em estado pré-falimentar, geraram milhares de empregos direitos e indiretos, pagaram bilhões de reais em tributos aos cofres públicos, aumentaram a qualidade da prestação do serviço e reduziram os preços destes.

O estudo demonstra que as empresas se tornaram muito mais produtivas, competitivas e eficientes, podendo deste modo contribuir com o País e a sociedade, ao invés de retirar dividendos do Estado.

Maria Silvia Bastos Marques que foi ex-diretora do BNDS e ex-presidente da CSN, é ávida defensora do processo de privatização. Para ela o processo foi um dos mais importantes impulsionadores do crescimento, da modernização do País e da inclusão social, sendo que a negativa da população ocorre por falta de esclarecimento dos benefícios resultantes do processo.

Ela demonstra que com as privatizações as empresas deixaram de ser deficitárias, para passarem a ter lucro, possibilitando o investimento de bilhões de dólares em proteção ambiental, modernização e qualidade dos parques industriais e das empresas. Investimentos fundamentais para o crescimento do País que, no entanto, seria inviável para o Poder Publico fazê-los sozinho.

Voltando nas palavras de Celso Antônio, o que me levou a inquietude ao lê-las, é que não acredito que a constitucionalização de um princípio, por mais óbvio que possa parecer ser, não tenha significância jurídica alguma.

Celso Antonio diz que a dificuldade de aplicação do princípio ao caso concreto leva-o a condição de abstrato e de difícil controle pelo Direito. Não concordo.

Concordo que não é fácil, mas pode sim ser aplicado e controlado de forma objetiva. A efetiva aplicação da eficiência vai além do imediatismo, deve vir através de medidas que requerem estudos elaborados e aplicações complexas, combinando os esforços dos três Poderes, dos Ministérios Públicos e dos Tribunais de Contas, cujos resultados terão impacto profundo nas riquezas do país e abrangerão toda coletividade. Ou seja, requer vontade. Vontade política e dos juristas para concretizar a vontade da Constituição.

A constituição impõe a realização do princípio da eficiência. A forma para encontrar os meios e os resultados mais eficazes para atos da administração pública poderia vir através de estudos encomendados pelo governo às universidades. Estudos científicos ajudariam a administração a tomar decisões de forma mais consciente. No caso das privatizações o estudo feito pela FGV comprova que as empresas públicas quando passadas à iniciativa privada trazem maior beneficio ao País do que quando ficam sob o comando da administração pública. A aplicação do princípio da eficiência compeliria o governo a continuar com as privatizações.

Mas por que a relutância do governo em continuar o processo de privatização para o restante das empresas públicas? Em artigo intitulado Quem tem medo das privatizações, André Franco Montoro Filho, ex-presidente do BNDES, sabiamente resume:

O verdadeiro patrimônio público não se confunde com o valor contábil de empresas estatais. A verdadeira riqueza de uma nação é sua capacidade produtiva. Quem efetivamente dilapida o patrimônio estatal é quem defende estatais deficitárias ou pouco lucrativas. Mais ainda, aqueles que, com administração desastrosas, aparelhamento partidário e corrupção, tornam nossas estatais menos produtivas.

O Brasil nunca teve tradição em respeitar suas Constituições. Mas é hora de termos coragem de fazer valer nossa Constituição.  

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 6ª edição. São Paulo, Saraiva, 2004.

FILHO, André Franco. Quem tem medo das privatizações. Disponível em: http://www.e-agora.org.br/conteudo.php?id=4559_0_3_0_C  Acesso em: 10 nov. 2006                          

GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 11ª edição. São Paulo, Malheiros Editores, 2006.

JUNIOR, Willian Eid; RIBEIRO, Marcos Poplauski; ROCHMAN, Ricardo Ratner. Análise do desempenho financeiro e operacional das empresas recentemente privatizadas no Brasil. Disponível em: http://216.239.51.104/search?q=cache:60dZjOeSNmoJ:www.econ....
Acesso em: 18 out. 2006

MARQUES, Maria Silvia Bastos. O ESTADO DE SÃO PAULO. Espaço Aberto pg. A2, 25 out. 2006.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 20ª edição. São Paulo, Malheiros Editores, 2006. 

MOLINO, Eduardo. Um balanço da privatização. Disponível em:
http://www.bndes.gov.br/conhecimento/publicacoes/catalogo/ocde.asp  Acesso em: 22 out. 2006 .

REIGADA, Antonio Troncoso. Privatización, Empresa Pública Y Constituición. Departamento de Derecho Público y Filosofia Del Derecho, Universidade Carlos III de Madrid, 1997. 

SOUTO, Marcos Juruena Villela. Desestatização: Privatização, Concessões, Tercerizações e Regulação. 4ª edição. Rio de Janeiro, 2001.


Autor: Larissa Guedes Teodoro de Souza


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