ADEUS, AMIGO!



ADEUS, AMIGO!

Zulu era o nome do nosso cãozinho de estimação. Nome de rei e fazia jus o danadinho a essa pequena honraria, pois era diferente dos outros cães. Nosso Zulu tinha porte elegante e comportamento de fazer inveja aos mais metidos cães das cortes européias da era medieval. Quando promovíamos um churrasquinho de final de semana para os nossos amigos, lá estava o Zuzuca - apelido carinhoso, pelo qual meus filhos o chamavam ? a receber os convidados. O pequeno poodle com nome e gestos de rei era o primeiro a receber os nossos amigos, que logo se tornaram íntimos do pequeno príncipe negro de pelos macios.

Além de esperto e muito inteligente, Zuzuca, como todos os cãezinhos de sua raça, era muito traquina, principalmente nos seus primeiros aninhos de vida. Que o diga minha esposa, ao deparar-se de vez em quando com o pé da mesa roído, lençóis rasgados e roupas dos meninos na grama, sem falar nos xixis na porta da geladeira e no pé do fogão. Minha mulher ficava uma fera, esbravejava e dizia que a qualquer momento daria fim ao elétrico peralta. Mas era só da boca pra fora, pois no fundo ela também o amava.

Mas essas passagens ficaram apenas nas nossas lembranças. Ontem, Zuzuca nos deixou para sempre, vítima de um pedaço de pão embebido em veneno para ratos. Uma fatalidade, terrível fatalidade que abalou toda a família.

A tragédia aconteceu justamente no dia do aniversário do meu filho caçula. Acordei mais cedo para levar o Zuzuca ao Pet Shopping, afinal ele era o recepcionista oficial das festinhas e não poderia fazer feio. Haveria de estar impecável, com perfume de primeira, penteado da moda, com direito a escovinha e uma impecável gravata de seda, que já havia se tornado sua marca registrada. Pois é, desci as escadas de casa apressado, ansioso para preparar o Zuzuca para a festa, mas percebi algo estranho, pois não vi o danado à porta da cozinha abanando o rabinho, como sempre fazia. Nesse dia, ao invés do rabinho abanando, pedindo o seu biscoito cream craker, como religiosamente fazia todas as manhãs, deparei-me com uma cena triste, muito triste. Lá estava Zuzuca agonizando, língua para fora, com a boca em espumas. Gritei desesperado o seu nome e percebi um olhar de intensa dor, mas estranhamente senti também um quê de dignidade naquele olhar, que não parecia pedir socorro, parecendo tratar-se, na verdade, de um olhar de despedida, despedida sincera que mesmo nas piores horas só ocorrem com os verdadeiros amigos. A sensação de despedida logo foi confirmada por um último latido, fruto de um esforço sobrenatural do meu pequeno rei, que fez questão de dar o último cumprimento ao seu grande amigo.

Minha mulher, inconsolável, se perguntava como seriam as suas tardes sem o pequeno diabinho, pois os meninos vão para a escola, eu, para o trabalho e ela, agora, não teria mais a doce companhia do inesquecível Zuzuca. Meu caçula, o aniversariante, gritava aos prantos que aquele era o pior aniversário de sua vida e o meu filho mais velho teve, talvez, a reação mais forte entre todos nós. Só a muito custo consegui conter o seu choro.

Também chorei, mas escondido; alguém tinha que passar força para a família naquele momento de dor e essa tarefa me cumpria, sem machismo, mas me cumpria, principalmente porque o estado emocional de minha mulher estava bastante abalado.

Aos poucos, os convidados foram chegando e eu tive que recebê-los, sozinho, afinal, o recepcionista oficial nos deixou, foi-se para sempre. Descanse em paz, Zulu. A festa de ontem também foi pra você. Nós te amamos muito.
Autor: Sander Dantas Cavalcante


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