Causas do crime



Toda a historia da humanidade, em qualquer período ou tempo, relata a necessidade dos agrupamentos humanos em estabelecer normas, regras ou princípios de conduta e leis escritas, admitidas pela sociedade como necessárias, ordenadas e impostas juridicamente. É obvio que nem todas as sociedades admitem leis escritas, mas que as tem estabelecidas em comum acordo com seus membros.
As leis são feitas mediante necessidade social de organização e com intuito de evitar conflitos de interesses, o seu objetivo principal é a ordem e a paz social. Segundo Lima (1960, p.109) "as leis são feitas para organizar a vida em sociedade; para regular a ação das pessoas; para dirimir os conflitos de interesses, os dissídios que surgem na vida prática: destinam-se, pois, a manter a paz, a harmonia entre os homens". Sendo que as leis são as respostas encontrada pela sociedade, em comum acordo, para inibir o crime ou evitá-lo.
Por crime entendemos toda conduta atípica praticada pelo ser humano que é danosa para a ordem social e tipica pela previsibilidade em lei instituída. Em sentido vulgar, o crime nada mais é que um ato de violência contra a sociedade, o Estado de direito e a norma moral. Materialmente, o crime é uma ação praticada ou tentada que se proíbe e que se procura evitar por meio de pena legal, por apresentar requisitos de culpabilidade para quem pratica o ato ilícito. Ainda nesse sentido, a materialidade é o fato ocorrido, que por si só aponta a realização de uma ato ilícito.
Cada sociedade define o que é considerado crime com base nas leis estabelecidas, o que não significa que certo crime em um país será considerado como tal em outro. Como é o caso da bigamia e do incesto que são considerados normais em certos países asiáticos e penalizados com ato ilícito em outros países. Essa analise que se faz de uma ação para considerá-la incorreta e punível em lei depende da cultura de cada sociedade. O que significa que as leis são baseadas em conceitos morais culturalmente valorizados, o que nem sempre entra em acordo quando comparados com certos acontecimentos dentro da sociedade. Desse modo, a evolução do pensamento por meio das ciências possibilitou que certos atos fossem compreendidos como ilícitos e outros antes reprováveis passaram a ser entendidos como lícitos. Sendo o crime uma realidade, a necessidade de compreensão do ato criminoso e do seu agente levou estudiosos de varias áreas do conhecimento a tentar explicar o porque do crime e porque da pratica do mesmo.
É trivial que convivemos em uma sociedade violenta e conflitiva. Essa condição conflitiva pode ter sido uma resposta encontrada pelo ser humano diante das dificuldades impostas pela natureza, pelo meio que o cercava, e com isso mudou e transformou o meio natural segundo a necessidades de sobrevivência, o que se deu com o sedentarismo.
Da condição de transformador do meio natural, passou ele a modificar a si mesmo diante dos problemas e das dificuldades que começaram a surgir com os aglomerados humano, com a formação de cidades e com o estabelecimento da propriedade privada.
Os meios de produção foram primordiais para o crescente numero de pessoas nas cidades e essa explosão demográfica favoreceu o surgimento de bairros pobres e outros classificados como ricos. A diferenciação social se faz sentir na posse e no consumo que acontece aceleradamente até os dias atuais.
O consumo por sua vez, evidenciou as diferentes condições financeiras e a divisão de classe social. O ser humano nesse contexto se leva acima da sua condição primeira de animal e se diferencia dos demais animais. Sigmund Schlomo Freud (1856 ? 1939) em sua obra "O futuro de uma ilusão" diz que o ser humano regulou sua existência com a natureza por meio da necessidade de sobrevivência e logo necessitou regular as ações entre os homens.

"por um lado, inclui todo o conhecimento e capacidade que o homem adquiriu com o fim de controlar as forças da natureza e extrair riqueza desta para a satisfação de suas necessidades humanas; por outro, inclui todos os regulamentos necessários para ajustar as relações dos homens uns com os outros e, especialmente, a distribuição da riqueza disponível. " (FREUD. 1978 , p. 88)


Essa regulação não aconteceu de maneira harmoniosa porque os conflitos surgiram dos contrários que se manifestaram entre necessidade de sobrevivência e de transformação do que era natural para o que poderia ser comercial, obviamente que no primeiro momento o foco estava apenas voltado para a sobrevivência que tomou outros moldes e se tornou acumulo de riqueza produzida. Com a criação dos meios de transformar a natureza em riquezas que poderiam se acumular nas mãos dos detentores dos meios de produção, surge a divisão social baseada no acumulo de riquezas e na venda da força de trabalho como mercadoria, e é certo que a desmotivação do trabalho como meio de sobrevivência também aparece nesse cenário.
Se havia os detentores dos meios de produção evidente que existia e existe os produtores, os que trabalham na transformação do natural em objeto comercial. Nessa situação, havia também, os que nada produzia e nada acumulava ou que desistiam de tentar sobreviver se deixando explorar, e com isso podiam conflitivamente tentarem contra a ordem estabelecida pelas normas que já se faziam presente como meio de ordenar a sociedade. Na mesma obra Freud (1978 , p. 88 ) conclui que "toda civilização tem de se erigir sobre a coerção e a renúncia aos instintos." Nesse sentido os instintos de sobrevivência e a constante busca por organização conduzirá a constituição social.
Não podemos afirmar que os crimes serão causados apenas por motivos socioeconomismos, outros fatores serão de suma importância. Freud deixa claro que a coerção e a renuncia aos instintos foram necessárias para erguer e manter as civilizações. Por essa ótica a causa dos crimes seriam os instintos? Se olharmos o ser humano como uma animal entenderemos que ele é dotado de instintos como Eros e o Instinto de morte (Thánatos).
Eros estaria ligado as pulsões de vida, tudo aquilo que nos causa afeto e prazer, mas que são conflitantes por que pode não serem realizados. E thánatos está relacionado a agressividade que poderá estar voltada para si mesmo e para o outro. Embora pareçam opostos, eros e thánatos se fundem, e só tem fim com a morte física do indivíduo. Na mitologia grega Eros, o deus do amor e da sensualidade; Thánatos, o deus da morte. Supomos o indivíduo que se sente rejeitado pela sociedade em que ele está inserido, este mesmo indivíduo pode ser contrario a ordem social por necessidade de expor a sociedade sua ira e culpá-la por sua desgraça prevista em reprovações legais. Assim sendo, o ser humano praticaria crimes por está em conflito constante consigo mesmo em busca do que lhe causa prazer e tentando evitar o que lhe proporciona dor. Os que praticam crimes são os que não conseguem prazer por outro meio que não por meio instinto de morte, mas que em certa medida passa a possibilitar prazer no ato praticado. O sofrimento então passa a ser prazeroso, mesmo que os riscos possam ser perigosos. O sofrimento aqui exposto está relacionado a o conhecimento da reprovação e a punição pela pratica do que é considerado ilícito pela sociedade, ou seja, o criminoso sabe que será punido e mesmo assim pratica o que é considerado ilícito, o que é crime.
Porém, é necessário que se entenda que o crime planejado e o crime em vias de conclusão não possibilitam ao autor reflexão critica e realista sobre o ato que se está praticando, é apenas após o crime concluído que o criminoso se percebe como praticante de uma ação proibida e repudiada pela sociedade e, reprovável e punível pelo Estado.
O crime surge na consciência do indivíduo como possível de ser praticável, e movido por certo grau de ansiedade ou emoção o ato é realizado. A consciência do criminoso se limita a expor as possibilidades da realização e justificar o ato por meio da emoção sentida, isto é, o indivíduo se justifica para poder cometer o ato criminoso. Esta ação de auto justificação pode ser considerada uma atitude egoísta, mas ainda quando ela desconsidera completamente a vitima e todos os demais que ele atingirá por meio do crime realizado.
O egoismo é uma característica que se pode generalizar em relação a todo e qualquer criminoso, ou seja, todo criminoso é um ser egoísta. Além de egoísta o criminoso também sofre de egotismo, que é a tendência que ele tem de se considerar melhor que as outras pessoas em algum sentido, e se assim não fosse o crime seria rejeitado mesmo diante de emoção demasiada ou crise de ansiedade. Para alguns o criminoso não é egoísta, é sim um revoltado. Não é possível considerar o criminoso como revoltado, porque suas ações não são contra um regime politico ou por mudanças em setores da sociedade. Suas ações é contra a sociedade organizada e sem relação com ideologias fundamentadas.
O criminoso não nasce criminoso, essa ideia de criminoso inato é determinista e sem sentido quando confrontamos com a ideia de crime sendo a soma de fatores físicos, psíquicos e sociais. Se alegarmos que todos somos capazes de cometer crimes, mesmo assim não estaremos concordando com o inatismo, porque é necessário que haja uma situação, pressão emocional proveniente dessa situação, condições físicas para praticar o ato e condições psicológicas para responder a os estímulos externos.
O crime só existe se existir sociedade que classifique um ato como ação criminosa, para que isso ocorra é preciso que, em algum momento, certos comportamentos sejam entendidos como prejudiciais em algum sentido. Sendo assim não existe possibilidade do ser humano já nascer programado para viver em dada cultura e, antes de nascer compreender a cultura da qual fará parte e se auto organizar para adotar comportamentos contrários aos que essa cultura preza. Doutro modo, não é possível o inatismo como fonte de atuação na concepção do crime porque o ser humano é constituído socialmente e não nasce pronto, se afirmarmos que algumas pessoas nascem predispostas ao crime como argumento em defesa do inatismo criminoso estaremos concordando que o meio nada tem de influente na constituição moral e social do indivíduo, de igual modo precisaríamos admitir que igual ao criminoso que já nasce para o crime os demais membros sociais já nasceriam para suas funções sociais. Sem sombra de duvida essa concepção inatista é descuidada e inconsequente. O ser humano é livre para escolher e para se escolher, não há determinação para seu futuro que não esteja relacionada as suas ações, suas atitudes e seu comportamento no meio em que vive. Sartre diz que o homem é aquilo que ele projeta sobre si mesmo com vista a seu próprio futuro.

[...] queremos dizer que o homem, antes de mais nada, existe, ou seja, o homem é, antes de mais nada, aquilo que se projeta num futuro, e que tem consciência de estar se projetando no futuro. De início, o homem é um projeto que se vive a si mesmo subjetivamente ao invés do musgo, podridão ou couve-flor; nada existe antes desse projeto; não há nenhuma inteligibilidade no céu, e o homem será apenas o que ele projetou ser (Sartre, 1987, p. 9).


Sobre essa ótica concluímos que o delinquente se escolhem como tal, mesmo que o meio social seja inóspito ou acolhedor, mesmo que as oportunidades sejam favoráveis para que o crime não aconteça, isto é, se a sociedade em que um indivíduo está inserido oferece oportunidades tanto para a pratica do que é ilícito quanto para a vida em concordância com as leis e o indivíduo opta por uma ou outra esta opção não é outra coisa se não o ato de se escolher. Escolher ou rejeitar como opções possíveis, são fenômenos da consciência que se faz no mundo e não fora dele por meio da liberdade, como diz Merleau-Ponty (1999, p. 607) " somos conduzidos a conceber a liberdade como uma escolha continuamente renovada". Renovada na concepção do ser ou apenas pensada como renovada, a liberdade não destrói a concepção que o ser tem de si, ela justifica e privilegia essa concepção do ser, Merleau-Ponty (1999, p. 593) diz ainda que "Nossa liberdade não destrói nossa situação, mas se engrena a ela: nossa situação, enquanto vivemos, é aberta, o que implica ao mesmo tempo que ela reclama modos de resolução privilegiados(...)". Desse modo o criminoso é o que escolhe ser e faz visualizando-se no presente com vista em justificações sobre os atos praticados, não há imposições para que alguém queira ser ou se torne criminoso, o que há são escolhas no tempo que se privilegia sobre as ação praticadas ou em vias de realização.
Até aqui compreendemos que o criminoso é um ser humano que se busca prazer em situações que conduzem a uma autodestruição moral que é justificada por pensamentos egoístas e baseada em comportamentos dados ao egotismo. Não há inatismo na condição criminosa, na mente do praticante de delitos, o que existe de fato são escolhas conscientes sobre uma ação a ser praticada pelo indivíduo em detrimento de emoções ou ansiedade considerável, o que não isenta o autor da sua obra e tão pouco das punições preparadas para comportamentos desviados do que é previsto em leis instituídas em comum acordo com a sociedade. Diante de tudo surge alguns questionamentos que exigem argumentação, questionamentos como: Mesmo que o crime seja punível por lei em respostas a sociedade, porque ainda ocorrem crimes? Sendo o criminoso consciente que seus atos serão reprovados porque ainda os pratica? O que tem o Estado com o aumento ou inibição do crime?
O Estado é comummente entendido como uma instituição politica, jurídica que ocupa um território definido e que é reconhecido por outros Estados, possui leis escritas e é dirigido por um governo. O que deveria ser apenas a parte final do que de fato deveria ser o conceito de Estado passa a ser a parte inicial em decorrência de erro de compreensão, o que causa confusão e distanciamento dos membros da sociedade para com os poucos que passam a representar a sociedade como Estado. O Estado não existiria sem que os seres humanos não decidissem por sua existência, então o Estado é a sociedade, e não uma figura etérea que se teme e que não se toca, tão pouco uma instituição publica localizada em um local fixo.
O Estado não pode ser pensado fora dos membros da sociedade, dos seres humanos que constituem a sociedade, quando isso ocorre acontece destituição da sociedade do poder sobre si mesma e assim as figuras superpoderosas do Estado toma conta do imaginário popular tornando a sociedade frágil e sem poder sobre o ela mesma e sobre o Estado.
O Estado, então, é a sociedade que se organiza politicamente, juridicamente, em território definido e reconhecido por leis estabelecidas e aceitas coletivamente. Os crimes são ocorrências que se reprova pelo Estado por serem contrários ao que é concordado pela sociedade como comprometedores da ordem social.
Mesmo sendo reprovável e punível os crimes continuam acontecendo em grande proporção em alguns Estados enquanto em outros são quase inexistentes. O que nos leva a concluir que as leis são contraditórias e flexíveis em alguns Estados enquanto em outros são elas rígidas ao ponto de não permitirem contradições ou desmoralizações. Quando um Estado legitima o homicídio como crime, mas no momento de julgar o homicídio supervaloriza a flexibilização das penas por respeito ao criminoso como ser humano dotando-o de direitos, a vitima do homicídio é desequilibrada no outro prato da balança da justiça. O homicida tem seus direitos resguardados e com isso a resposta ao crime é positiva para o criminoso e negativa para a contenção do comportamento que poderá vir a acontecer por outro membro da sociedade. Não que o Estado deva tirar do criminosos todos seus direitos, mas que precisa se impor por penas que não se flexibilizem em favor do criminoso. Quando um Estado se curva em beneficio de argumentos a favor da dignidade do criminoso, o mesmo Estado diminui a condição da vitima que representa a sociedade desmoralizada. Se o Estado não possui leis firmes e bem definidas a sociedade sofre com a proliferação assustadora dos crimes. O erro principal está na condição do crime ser entendido pelo prejuízo causado a alguém, quando o crime causa prejuízo a vitima, a moral do Estado e as leis valorizadas pela sociedade, assim deve-se entender que a vitima é o Estado desrespeitado, a tentativa de desmoralização das leis e um atentado contra alguém, a própria vitima. Por essa ótica o Estado se regula e se faz respeitar, de outro modo a crescente onda de violência contra o Estado é a representação de um Estado que perdeu sua moral como sociedade e como Estado de direito.


Referencia Bibliográfica

FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão. São Paulo: Abril Cultural, 1978. FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. São Paulo: Abril Cultural, 1978. Lima, João Franzen de, Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 1, 4ª edição, Rio de Janeiro, Companhia Editora Forense, 1960. SCHOPENHAUER, A (2001) Sobre o Fundamento da Moral. Trad. Maria Lúcia Cacciola. São Paulo: Martins Fontes.
_______. (2002) Aforismos para a Sabedoria de Vida. Trad. Jair Barboza. São Paulo: Martins Fontes.
SARTRE, J-P. 1987. O Existencialismo é um Humanismo. 3ª ed., São Paulo, Nova Cultural, 1-32. (Coleção Os Pensadores).
Merleau-Ponty, Maurice. Fenomenologia da percepção. [tradução Carlos Alberto Ribeiro de Moura]. - 2- ed. - São Paulo : Martins Fontes, 1999.
Autor: Chardes Bispo Oliveira


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