Genesofia



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Vô Lilinho, depois de aposentado,
só usava camisa Hering branca
e calça azul de amarrar com cordão,
chinelo de couro e bigode,
para alisar detidamente
sempre do meio para fora,
penteando-o
com o polegar e o indicador
em movimento inverso e simétrico.

Quando me via, perguntava:
?tudo azul??,
e sempre estava tudo azul.
.
Vô Filinho, por sua vez,
ia de camisa social de manga curta,
tipo US Top ou lisa,
calça com vinco, sapato de couro.
Barrigudo, careca lisa, rosto limpo,
gestos largos,
sempre me perguntando se eu já
fechava a porta para ir ao banheiro.

Eu, com uns cinco anos,
ficava brincando pela venda,
bebendo guaraná, jogando sinuca
com taquinho
e banquinho para dar altura
próprios, pastel de queijo
ou carne, cavalinha frita salgada
da Vó Marcela, misturando
fubá com arroz com milho com feijão
com as conchas nos cochos.

Chegava dona séria,
os pinguços ficavam quietos,
o Neném, o Fi do Burro,
o vô me chamava lá dentro
e me pedia para subir no balcão
e mostrar os documentos
para as donas.
Eu subia pela balança
e tirava para fora,
as donas riam,
os pinguços gargalhavam
e o vô vinha zangando:
?ô menino, desce daí!".
Depois abria outro guaraná...

A gente pensa que não,
a filosofia passa pela carne.

O Vô Lilinho, com diabetes,
comia frutas de seu próprio pomar,
adorava seu mamão docinho.
A Vó Dundinha, um amor,
se compadecia com os pedidos dos passantes
e dava mamões.
Um dia, o vô quis comer seu mamãozinho,
mas os últimos maduros
não estavam mais no pé.
Ao fim da investigação,
concluiu a máxima:
"A Dundinha é simpática
e dá os mamões,
eu sou antipático,
mas como meus mamões".
E tome amaciamento de bigode.

Tudo é azul,
inclusive atrás das portas
que a gente fecha.

04.04.2011

Autor: Roberto Jr Esteves Siqueira


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