Da Filosofia à Informática



1. A Máquina de pensar

O homem, na sua capacidade de criação, faz surgir uma máquina que executa as instruções que lhe são fornecidas; no entanto, mostra-se ainda insatisfeito, porque sua máquina não pode tomar iniciativa. Contudo, para submeter essa máquina às necessidades do homem, os cientistas tentaram tirar vantagens das possibilidades dela. Assim, todos que convivem com as máquinas atuais reconhecem que elas vão além do que se espera, por duas razões: o cálculo que produz efeitos inesperados, considerando a limitação humana em torno da matéria, e a soma de informações que a máquina explora e que permite relacionar muitos dados complexos e descobrir conexões surpreendentes.

Antes, com as grandes máquinas de guerra e de construção, o homem reproduzia e amplificava fenômenos naturais (carneiro mecânico, cavalo de força, etc.). Agora, com as máquinas modernas e técnicas da eletrônica e dos circuitos integrados, as máquinas se miniaturizaram (chips), revelando uma rede microscópica de ligações e de canais combinados por processos complexos que depositam grande quantidade de matéria, uma sobre a outra.

Se, no início do século XX, o confronto entre o homem e a máquina se equiparava corpo a corpo, hoje o conflito ocorre entre capacidades mentais. Como os computadores são constituídos de grande número de componentes eletrônicos reunidos de formas tão complicadas torna-se impossível ao usuário ter o conjunto em mente a cada instante.

Para facilitar o acesso aos computadores, o homem procurou um equivalente ao cérebro, na ordem do pensamento, comparando a máquina a um órgão dotado de capacidades lógicas, que, por serem imateriais, só fazem transformar seqüências de signos (textos), independente da base em que estes estão escritos.

Nesse sentido, toda comunicação com as máquinas e todo comando se realizam por meio de instruções expressas por frases de um texto. A conquista da máquina volta-se para a concepção de uma linguagem comum entre homem e máquina, eficiente e breve, para convir a ambos. Assim, as ordens são transmitidas rapidamente, sem rodeios e sem ambigüidades. Com exceção de sua realidade material, as máquinas modernas têm também uma realidade abstrata, de ordem lógica, matemática e lingüística, uma realidade imaterial.

Inicialmente, pensava-se que o computador era coisa de matemáticos e que só servia para demonstrar teoremas. O campo dos jogos de inteligência (xadrez, dama, etc.) foi visto como algo próprio das inteligências frias, calculistas, abstratas, conquistadoras, dominadoras. Hoje seu uso popularizou-se mais entre os comunicadores, escritores, pesquisadores e intelectuais. E, mesmo com seu sucesso, a máquina não colocou em questão a superioridade do homem. Ao contrário, a sua concepção provocou estudos matemáticos e psicológicos, revelando que o confronto entre homem e máquina, ao invés de reduzir o homem, mostra o que nele há de irredutível: sua capacidade de pensar.

2. As Profissões da Era da Comunicação

Entre as profissões intelectuais há sempre uma parte de atividades que pode ser automatizada pela máquina. Médicos, arquitetos, engenheiros, financistas, etc., utilizam computadores para tarefas administrativas, diagnósticos, estabelecimento de causas de acidentes, redação de contratos, análise de rochas, controle de centrais nucleares, etc. Grande parte das competências humanas pode ser formulada em termos lógicos e simulada no computador (engenharia do conhecimento). Esse computador é então a máquina inteligente com a qual o homem pode se comunicar através da linguagem escrita. Ela interpreta textos e reage a eles, respondendo a coisas que o homem há muito tempo procurava conquistar: dotar as máquinas do domínio da linguagem. Hoje, elas já são capazes de compreender textos não ambíguos, listar sumários médicos que descrevem o estado dos pacientes, traduzir manuais dos usuários e dar ordens a robôs. Mas, sem jogo de palavras, nem polissemia ou poesia.

Se o homem percebe o mundo através dos sentidos (olfato, paladar, tato, audição e visão), a máquina só não consegue ainda abordar a questão do gosto e do odor. Utilizando visão, audição e tato, a máquina já realizou muitos trabalhos. Há máquinas comandadas pela voz humana, emitida por outra máquina e há as que identificam timbre de voz humana e fazem imitações. Mas, elas ainda não podem tirar o emprego dos que usam a palavra como meio de sobrevivência: atores, apresentadores de rádio, dubladores de filmes, pregadores, cantores, professores, políticos e outros. Até o presente, o computador só consegue pronunciar textos sem inflexão, sem calor, sem emoção. As máquinas podem também reconhecer objetos no interior de uma imagem, podendo reconhecer o texto manuscrito, por exemplo. Ultimamente, já se experimenta a leitura automática de cheques, estabelecendo correspondência entre valor em números e valor em letras. Assim, o texto que está sendo escrito pode ser analisado, permitindo fácil comunicação escrita com um computador através de uma tabela gráfica.

Quanto à visão, as máquinas não se limitam a analisar imagem, elas também criam imagens artificiais (realidades virtuais). Essas realidades virtuais visam reproduzir, na ausência de determinados objetos, suas sensações táteis, gestuais, visuais e auditivas. Mas, a inteligência artificial não se apresenta apenas no aspecto tecnológico, e sim, também no aspecto científico que constitui hoje objeto de estudos universitários e de pesquisas teóricas.

Cadoz (1997: 9), a respeito da representação integral em uso na realidade virtual, afirma:

Ainda que todas as conseqüências desta expressão não sejam concebíveis instantaneamente, ela contém tudo, nada está escondido. O computador é apenas um meio de representação, o mais universal que o homem elaborou. O que é novo é o grau de integralidade da representação que lhe permite atingir e o uso que dele podemos fazer. O que não mudou é que só se trata de representação; as pinturas parietais do paleolítico superior eram também representações, elas utilizavam técnicas elaboradas para a época e tinham um papel preciso na vida e funcionamento das comunidades pré-históricas.

É possível perceber que as invenções do pensamento humano, a linguagem, os artefatos, a técnica e a cultura têm uma história e que, há muito tempo, bem antes do surgimento da eletrônica, já era desejo do homem fabricar máquinas que raciocinam.

Pascal (1623-1662) com sua máquina de calcular, efetuava mecanicamente adições, subtrações e outros cálculos aritméticos. Leibniz (1646-1716) acreditou que uma máquina pode raciocinar e criou o encadeamento de proposições elementares para efetuar adições, sendo o precursor da Inteligência Artificial. Para ele, existiam ligações de pensamento com tal grau de evidência que uma máquina poderia descobri-las. Leibniz concebia o pensamento como redutível de cálculo e que tudo na natureza procede segundo um cálculo sobre sinais do universo físico ou de raciocínios. Para colocar isso em evidência, Leibniz criou um estudo destinado a analisar o pensamento em termos algébricos: a lógica matemática.

No século XIX, Charles Babbage (1792-1871) e George Boole (1815-1864), retomaram os estudos de Pascal e Leibniz, interessados também em construir uma máquina de calcular. Babbage iniciou a máquina analítica capaz de converter expressões em processo de cálculo automaticamente. Boole retomou o projeto de matematização da lógica de Leibniz e concebeu um formalismo algébrico que permitia resumir as figuras da lógica identificadas pelos filósofos antigos e medievais.

Segundo Ganascia (1997), bem antes do século XIX o raciocínio era visto como uma sucessão de operações formais que possibilitavam passar de um conjunto de proposições a outro. As diferentes modalidades de raciocínio eram numeradas e classificadas sob forma de figuras, os silogismos. A partir daí, os lógicos da Antigüidade e da Idade Média classificavam todas as figuras que conheciam para distinguir as corretas. A Lógica passava pela aprendizagem de todas essas figuras. Com a formalização de George Boole, essas noções abstratas tornaram-se inúteis; as fórmulas ficaram mais simples a ponto de hoje serem comumente ensinadas nas escolas. O formalismo de Boole tornou desnecessário memorizar todas as figuras dos lógicos antigos e medievais. Esse cálculo é usado para conceber os circuitos eletrônicos das máquinas modernas.

3. Cultura humanista X Tecnicismo universal

Essa história continua com William Stanley Jevons (1835-1882) que retomou os estudos de Boole sobre a Lógica e as leis do pensamento para materializá-las. Também, com base na máquina analítica de Babbage, ele construiu em 1870 um piano lógico, com interferência lógica, era a máquina de pensar. Assim, os fundamentos da máquina inteligente estavam postos. O princípio era: as leis do pensamento (lógica) matematizáveis; e a máquina analítica capaz de mecanizar as leis do pensamento.

Ao contrário do que se pensa, o caminho da formalização da Lógica à Inteligência Artificial foi imenso, demorado e difícil. Primeiramente, a Lógica sofreu grandes alterações de suas origens. Da Grécia antiga ao século XIX seu objetivo era analisar a argumentação, o que a colocava ao lado da gramática e da retórica. Com a formalização, ela se tornou objeto de estudo dos matemáticos e filósofos como Frege, Hilbert e Russel. Eles procuraram descrever a atividade matemática em termos matemáticos criando uma teoria da demonstração, com base nos axiomas de Euclides e com a ajuda do sistema simbólico.

No início do século XX, o homem depois de alterar a lógica clássica e formular a lógica matemática, partiu para o estudo do raciocínio das máquinas. Alan Turing (1936) tenta descrever, em termos gerais, a atividade das máquinas digitais. Ele estudou o comportamento dessa máquina com ajuda dos sistemas simbólicos da matemática. Comprovou que o comportamento de uma máquina é tão imprevisível que ela não deixa transparecer a sucessão das instruções elementares que lhe deram origem. Também, que a dificuldade do homem de determinar a origem do comportamento das máquinas é o maior obstáculo para os homens encarregados de programá-las.

Depois da invenção da máquina de pensar, lógicos, economistas, psicólogos, especialistas em eletrônica e cibernética reuniram-se para criar um novo ramo de estudo: a Inteligência Artificial, visando reproduzir comportamentos inteligentes com a ajuda de uma máquina. Em 1956, Herbert Simon e Alan Newell afirmavam que sua disciplina iria transformar o trabalho, mudar a vida e mudar o mundo. Ao lado do desenvolvimento da Inteligência Artificial, um grande projeto de tradução automática também nasceu. Vários estudos foram financiados nos EUA e na Europa, nas décadas de 60 e 70. Em 1957, Newell e Simon pretendiam reformar a psicologia cognitiva através da informatização das teorias psicológicas de Marwin Minsk e Roger Schank, baseadas nos estudos da memória, para conceber novos modos de organização dos conhecimentos nas máquinas. Mais tarde, com maturidade e compromisso, a Inteligência Artificial, já reconhecida e institucionalizada, procurou unificar diferentes abordagens informáticas para abrir novas possibilidades, criando as redes de conexionistas ressurgidas da antiga Cibernética de Norbert Wiener (1948).

Ainda na década de 40, biólogos, físicos e especialistas em eletrônica, inventaram um modelo do sistema nervoso (neurônios formais) capaz de simular fenômenos da aprendizagem para compreender os fenômenos cognitivos ou uma simulação do material biológico no qual tomavam forma.

Em 1980, o aprofundamento nas técnicas dessas ligações provocaram uma retomada de interesse pelas abordagens conexionistas. Atualmente, essas redes de conexão intervêm em várias atividades cognitivas (percepção visual e auditiva) adotando comportamentos inteligentes originados da Filosofia e que hoje fazem parte da Inteligência Artificial. Graças a essa circularidade, os primeiros trabalhos da Inteligência Artificial têm estimulado os pesquisadores de outros domínios da Informática. Contudo, vale lembrar que as modernas bases de informações foram originadas dos resultados de pesquisas sobre a organização dos conhecimentos antigos. Por isso, o conhecimento só tem sentido se pensado como processo de interpretação do passado no presente, pois ele é inacabado, está sempre em movimento, prevenindo o homem contra o totalitarismo.

Nesse sentido, Ganascia (1997:87-88), em seus estudos sobre Inteligência Artificial, faz um breve retorno à História, situando o papel da máquina na época da Revolução Francesa e sua repercussão social:



A informática não é propriamente uma ciência social, mas, desde a origem, seus desafios têm-se ligado intimamente aos desafios sociais. Para que nos convençamos disso, lembremos que lorde Charles Babbage, o homem que está na origem da moderna noção de computador, era, antes de tudo, um economista. Os objetivos que perseguia no início do século XIX, quando imaginava sua máquina analítica, são reveladores: ele se interessava, em primeiro lugar, pela organização e divisão do trabalho, em particular, do trabalho intelectual. a sua inspiração vinha da França, o que não é habitual em um inglês. Para compreender sua dimensão social, reportemo-nos aos dias que se seguiram à Revolução, à época em que a nação francesa, exaltada, queria a todo preço, por todos os meios, escrever com tinta indelével uma página na história do mundo. Os fatos militares lhe valeram, como se recorda, um grande, mas às vezes funesto, renome em toda a Europa. depois, com o tempo, apagaram-se as conquistas territoriais. Mais nobre, mais discreta também, a obra científica permaneceu. A ela se deve, entre outras coisas, o sistema decimal, o metro e as divisões administrativas.



Muitos governantes, pela repercussão dos resultados da Revolução Francesa e em nome da economia, sacrificaram a cultura humanista tradicional para beneficiar o tecnicismo universal. As línguas grega e latina foram derrotadas. O francês passou a ser ensinado durante muito tempo como língua de comunicação, e os humanistas protestavam contra o desafio da língua morta e contra a máquina. Assim, outra luta se travou: as armas retóricas dos antigos contra a bandeira do pensamento algébrico e cifras da economia dos modernos. Havia o risco de a cultura humanista tradicional ser esquecida com prejuízo para a humanidade; o que se daria pela substituição da cultura clássica por uma formação técnica, de dimensão instrumental.

Conclusão

Atualmente, a ciência é uma atividade social com várias faces, pois o pesquisador contemporâneo não está só. É preciso conviver com uma nova atitude diante do saber, por três razões: o conhecimento não pode ser pensado independente da racionalidade, tem caráter inacabado e possui uma dimensão operacional que implica uma prática. Portanto, a acumulação de informações e a especialização do saber não devem conduzir à fragmentação do pensamento, porque revelam ligações com as ciências cognitivas como a Informática, a Biologia, a Psicologia, a Lingüística, a Filosofia, a Lógica, a Antropologia, a Etnologia, a Sociologia, a Economia ... e todas as que buscam compreender o homem em sua capacidade de pensar, escolher e decidir.

Por essas razões, na seqüência deste trabalho procuro mostrar os aspectos que influem na aplicação do conhecimento racional, como processo e numa dimensão pragmática, a partir do papel da universidade em relação ao ensino da Língua Portuguesa, envolvendo a Filosofia, a História, as Leis e a Metodologia Aplicada ao ensino da língua no país.

Aqui o ensino da Língua Portuguesa através da produção de texto é considerado, no seu discurso e na sua prática, especificamente voltado para o papel da universidade e do profissional de Letras em relação à sociedade e ao mercado de trabalho. Para isso, traço um perfil do aluno de Letras e sugiro a articulação dos conteúdos da disciplina de Língua Portuguesa com os da Lingüística, bem como conteúdos essenciais para uma metodologia da produção de textos, visto que os aspectos literários dos textos devem ser incluídos no processo de produção nas aulas de leitura e escrita. Acrescento também a relação que a universidade tem com o Ensino Fundamental e com o Ensino Médio, por ela ser responsável pela preparação do professor, do técnico, do intelectual e do pesquisador.

Bibliografia





CADOZ, Claude. Realidade Virtual. Tradução de Paulo Goya. São Paulo: Ática, 1997. (Série Domínio).

GANASCIA, Jean-Gabriel. Inteligência Artificial. São Paulo: Ática, 1997. (Tradução: Reginaldo C.C. de Moraes- Série Domínio).




Autor: Djalmira Sá Almeida


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