TANATOLOGIA: BIOÉTICA, ENFERMAGEM E A MORTE DA CRIANÇA



1. INTRODUÇÃO

"A morte é algo que não pode ser descrito, pensado, nomeado, algo frente ao qual não se encontram palavras (...). A própria palavra MORTE não dá conta do que ela seja: cada um de nós tentará enganchá-la em outras palavras, que expressam ideias, fantasias, crenças. Termos tais como FIM, PASSAGEM, ENCONTRO, PARAÍSO (...), tentam aproximar o indivíduo de um esboço de explicação. Mas estas palavras são pobres para descrever o muito que se imagina e o tão pouco que se sabe (...). É isso o que nos aterroriza, o não saber."
(Cassorla, 2003)

2. DEFINIÇÃO

TANATOLOGIA seria, grosseiramente falando, o estudo da morte. É uma disciplina ainda embrionária, mesmo na atualidade. Tem como escopo o estudo do processo de morrer e, secundariamente, prestar assistência aos pacientes com expectativa de vida limitada, aos familiares e aos profissionais de saúde que cuidem deste paciente.
Pode-se dizer que "busca ajudar as pessoas a compreender o processo de morte e morrer" (Rosário, 2007).
Por que as pessoas evitam falar sobre a morte? Por que têm medo de pensar a própria morte? Quando o ser humano passa a refletir sobre a própria morte, começa a ver a vida como grande oportunidade de ser feliz. Tem-se, então, que modificar-se, rever valores e repensar verdades. Segundo Santos (2007), "Não é a morte em si que nos incomoda, mas sim o fato de nos depararmos com a dificuldade de viver bem. (...) Pensar sobre a morte é pensar sobre a vida e responsabilizar-se pelo seu ser hoje, aqui e agora."

3. O MEDO DA MORTE

De acordo com Almeida e Nascimento (2007), o sentimento de medo está presente em todas as fases da vida humana e a experiência deste medo se constitui em mortes diárias, tenham os homens consciência disto ou não. O homem morre a cada respiração, a cada apego, a cada fuga, a cada perda, a cada dia quando dorme, a cada crença de que abre mão.

3.1 DIMENSÃO FÍSICA
Começa na concepção e vai até os seis meses de idade, fase do desenvolvimento em que todo o registro é sensorial. O objetivo deste período é crescer com saúde e segurança. O medo desta fase, assim, é o de danos que possam ameaçar a vida física.

3.2 DIMENSÃO EMOCIONAL
É o segundo estágio do desenvolvimento humano, vai dos seis meses aos seis anos. O propósito desta fase é relacionar-se, amar e ser amado. O medo básico desta fase é o abandono e a rejeição.

3.3 DIMENSÃO INTELECTUAL
Estágio do desenvolvimento compreendido entre os seis anos e a adolescência, onde o homem busca o aprimoramento do pensamento e da racionalidade. O propósito desta fase é compreender a si mesmo e ao mundo. O medo característico desta fase é, portanto, o medo do desconhecido, do insondável e do inquestionável.

3.4 DIMENSÃO ESPIRITUAL
Estágio do desenvolvimento que tem início na adolescência e continua até momentos antes da morte física. O objetivo desta fase engloba a vontade se saber ouvir a voz interior, ainda que muitas vezes nos vários níveis de inconsciência, com o propósito de alcançar a unidade. Assim, o medo desta fase é o de submeter-se. O homem encara a submissão como humilhação, fraqueza e perda.
Não é preciso aguardar a proximidade da morte física para o homem entrar em contato com estes medos. Morte e vida passam a ser um único aspecto, um continuum, quando o ser humano é um ser inteiro, uno.

4. MODALIDADES

A maior abrangência de informações sobre a morte tem trazido à população geral e também entre os profissionais de saúde, uma confusão relacionada aos termos técnicos que englobam a abreviação da vida e suspensão dos tratamentos médicos (Pereira et al, 2oo8). De acordo com Pessini (2001), o processo de abreviação da vida pode ser dividido nas seguintes modalidades:

4.1 EUTANÁSIA ATIVA: Ocorre quando há um acordo entre médico,família e paciente com o objetivo de terminar com a vida do último. Seja por meio de uma droga letal ou da retirada de aparelho de respiração, a interferência de outra pessoa é ativa.

4.2 EUTANÁSIA PASSIVA: Ocorre quando o médico ou qualquer pessoa do convívio do paciente lhe provê todo o material necessário ao suicídio, mas não realiza ativamente o ato final.

Tanto a eutanásia ativa quanto a passiva são legalmente proibidas no Brasil e legalizadas em alguns países europeus, como a Holanda.

4.3 DISTANÁSIA: Ocorre quando opta-se pela persistência em um tratamento que não curará ou melhorará o estado de saúde do paciente. É considerado antiético. Esta prática prolonga uma dor e pode ser comparada à tortura. Assim, é a obstinação terapêutica em que a tecnologia médica é usada para prolongar penosa e inutilmente o processo de agonia e morrer.

4.4 ORTOTANÁSIA: Ocorre quando, deliberadamente, suspende-se o tratamento de uma doença incurável que só prolongaria o sofrimento do paciente. É a atuação correta frete à morte (Pessini, 2001), a abordagem adequada diante do paciente que está morrendo, implica garantir a este paciente sua dignidade e individualidade.

4.5 MISTANÁSIA: Ocorre normalmente fora das instituições hospitalares. Trata-se de uma morte miserável, antes da hora. É uma categoria que nos permite refletir sobre o fenômeno da maldade humana. Divide-se em três situações:

  •  A grande massa de doentes e deficientes que, por motivos políticos, sociais e econômicos, não chegam a ser pacientes, pois não conseguem ingressar efetivamente no sistema de saúde médico;
  •  Doentes que conseguem ser pacientes para, em seguida, tornarem-se vítimas de erro médico por imprudência, imperícia ou negligência;
  •  Pacientes vítimas de má-prática por motivos econômicos, científicos e sociopolíticos (morte em experiências científicas, laboratoriais e farmacêuticas-, pelo tráfico de entorpecentes, abuso sexual, latrocínio, etc.).


5. PRECEITOS BIOÉTICOS

Das várias posições bioéticas, a mais tradicional e melhor aceita é a corrente principialista, iniciada por Potter na gênese da disciplina, na década de 1970. Esta corrente baseia-se em princípios que têm a capacidade de nortear a conduta ética em cada sociedade, num período de tempo determinado. Dentre os princípios, os essenciais são a benevolência, a não-maleficência, a autonomia e a justiça. (Silva, 2011).

5.1 BENEFICÊNCIA E NÃO MALEFICÊNCIA: Estes princípios, sintetizados desta forma, dentro da tradição filosófico moral, simbolizam o "fazer o bem". É uma manifestação de benevolência, pretende evitar danos corporais e mentais. Remete à tradição hipocrática e supõe que maximizar o bem do outro implica diminuir o mal.

5.2 AUTONOMIA: Princípio que eleva em primeiro plano a liberdade do paciente, capaz de construir regras para si mesmo com base na razão. Remete à tradição kantiana da filosofia moderna, que creditava confiança no homem racional. Reflete a capacidade de autogoverno.

5.3 JUSTIÇA: É o princípio que propõe a imparcialidade na distribuição dos riscos e benefícios, considerando as desigualdades (sociais, morais, físicas e financeiras), a dignidade da pessoa e a recusa a qualquer tipo de violência. A justiça é um princípio que vem sendo desprestigiado, mas que tem importância fundamental na resolução das questões burocráticas.
Quando o homem estuda bioética, em especial a tanatologia, percebe que as soluções não são simples, e nem poderiam ser definitivas, e que, ao contrário, são complexas e necessárias para a proteção do próprio homem e de sua qualidade de vida no planeta.

6. ENFERMAGEM E A CRIANÇA QUE MORRE

A enfermagem é a categoria de profissionais de saúde que passa mais tempo ao lado dos pacientes e, naturalmente, cria mais vínculos afetivos com os pacientes.
A morte da criança é menos esperada do que a de um idoso. A criança em iminência de morte tem necessidade de atenção, afeto e apoio dos pais e de outras figuras de afeto, incluindo os profissionais de enfermagem que mantêm vínculo afetivo com esta criança (Silva, 2008).
Na verdade, a morte transcende o processo físico-biológico, pois trata-se da extinção de um ser humano, uma criança que carrega em si angústias, medos e esperanças (Silva, 2010).
Apesar de, talvez, não conseguir organizar esta idéia em sua capacidade de raciocínio, esta criança espera da equipe de enfermagem compreensão de seu momento de sofrimento e desconhecimento. Tal situação pode tornar-se um peso para a equipe de enfermagem, caracterizando a síndrome de Burnout. A fim de prevenir esta consequência, a vivência da morte de crianças deve ser trabalhada pela equipe de enfermagem em reuniões com especialistas e grupos de auxílio na vivência deste processo.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tanatologia é a ciência que estuda a morte e seus processos intrínsecos. Desde a concepção o homem, como ser complexo que é, teme a morte em suas dimensões física, emocional, intelectual e espiritual. Dentro da tanatologia, parte da bioética, a morte é dividida em modalidades, segundo critérios de decisão pela abreviação da vida. Divide-se em: eutanásia ativa, eutanásia passiva, distanásia, ortotanásia e mistanásia. O limiar de separação entre estas modalidades nem sempre é muito claro.
A bioética pode valer-se de princípios para nortear as condutas éticas com relação ao processo de morte do paciente. Os princípios são: beneficência, não maleficência, autonomia e justiça.
A equipe de enfermagem é a que mais se apega às crianças que morrem e devem trabalhar esta carga emocional com o intuito de evitar a síndrome de Burnout.

8. REFERÊNCIAS

ALMEIDA, CF e NASCIMENTO, MFC in CLEMENTE, APP E PIMENTA, WJD. Tanatologia. Lavras: UFLA/FAEPE, 2007.
CASSORLA, RMS in KOVÁCS, MJ. Educação para a morte: Desafio na formação de profissionais de saúde e educação. São Paulo: Casa do Psicólogo/FAPESP, 2003. P. 13.
PEREIRA, FS et al. A humanização da assistência prestada pelo enfermeiro no processo de morrer. Monografia. Rio Verde (GO): Faculdade Objetivo/ Instituto de Esnino Superior de Rio Verde, 2008.
PESSINI, L. Distanásia: até quando prolongar a vida? São Paulo: Centro Universitário São Camilo ? Loyola, 2001.
ROSÁRIO, APT in CLEMENTE, APP E PIMENTA, WJD. Tanatologia. Lavras: UFLA/FAEPE, 2007. p. 07.
SANTOS, AS in CLEMENTE, APP E PIMENTA, WJD. Tanatologia. Lavras: UFLA/FAEPE, 2007.
SILVA, AS. A criança que morre. Disponível em: . Publicado em: 16/11/2010.
_____. A enfermagem frente à morte da criança: alternativa para alívio das tensões. Disponível em: . Publicado em 29/07/2008.
_____. Bioética. Disponível em: . Publicado em: 16/11/2010, atualizado em 14/03/2011.


Autor: Andressa S. Silva


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