Uma Leitura Analítica Sobre O Tempo No Livro XI, Da Obra Confissões De Santo Agostinho



Uma leitura analítica sobre o tempo no livro XI, da obra confissões de Santo AGOSTINHO.

*Wagner Alves Guedes (USJT)

Nada é mais perigoso do que uma idéia quando se tem apenas uma.

Émile-Auguste Chartier

Resumo: A busca e a reflexão sobre as questões do tempo, são almejadas por muitos. Vários dos maiores pensadores adentraram nesse assunto, buscando reflexões e entendimentos quanto ao funcionamento desse mecanismo, dessa forma, gerando controvérsias e teorias como resultados. Dentre os grandes pensadores, certamente Agostinho de Hipona merece destaque, dado, a riqueza existente em sua obra Confissões (Inaugurando a literatura confessional), Livro XI, onde, o filósofo questiona o que é o tempo, suas divisões, a forma de medição e o tempo como certa distensão.

Debruçar sobre a leitura do livro XI de Confissões, é sem dúvida uma porta de entrada para um princípio de entendimento das questões relativas ao tempo. A narrativa em primeira pessoa, a interioridade, a memóriae a sua interligaçãocom o tempo, são algumas das características centrais do pensamento agostiniano encontradas nesse trabalho, o qual, intui uma releitura analítica da questão.

Palavras-Chave: Tempo, Medição, Distensão, Santo Agostinho, Reflexão.

*Iniciou seu MESTRADO em FILOSOFIA na PUCRS, transferindo-se posteriormente para a USJT de São Paulo, onde, no momento está dando continuidade aos seus estudos. Possui graduação em LETRAS, LICENCIATURA pela Universidade São Marcos, PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURAS BRASILEIRAS, PORTUGUESAS, LINGUÍSTICA E LÍNGUA PORTUGUESA também pela Universidade São Marcos, além de ter cursado PÓS-GRADUAÇÃO EM DOCÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR pela Universidade Metropolitana Uni - FMU em São Paulo.

-I-

AGOSTINHO DE HIPONA E O TEMPO

Aurelius Augustinus nasce em 354 na cidade de Tagaste, localizada ao norte da África. Estuda em Madara e Cartago, porém, somente leciona em Roma e Cartago, onde descobriu a mística das doutrinas de Platão e reconverteu-se ao cristianismo, sua religião de infância. Isso, após ter passado pelo maniqueísmo e ceticismo. Até então, viveu uma vida de prazeres, em 388, retorna á África onde funda uma comunidade religiosa, sendo consagrado bispo de Hipona.

Entre 398-399, Agostinho escreve uma das mais importantes de suas obras, Confissões, a qual, foi considerada autobiográfica e marcante no quesito da história do pensamento doutrinário cristão. E é no seu livro XI que interagimos com suas indagações sobre o tempo. Apesar de narrar seus extravios, seus erros e seus pecados, a intenção é mostrar sua mera e simples exitência, se comparada com a onipotência e a misericórdia de Deus.

Agostinho coloca por meio de sua filosofia, várias questões; dentre as quais, as muitas dúvidas que intrigam a humanidade, como por exemplo: haveria alguma questão maior que a do tempo? Adentrar nesse raciocínio, seria sem dúvida abrir uma porta para a perplexão. Essa problemática sempre foi assunto para vários pensadores, dentre eles: Parmênedes, Heráclito, Demócrito, Platão, Aristóteles, Isaac Newton, Leibniz, Kant, Hegel, Albert Einstein, Henri Bérgson, Martin Haidegeer entre outros. Mas foi Agostinho de Hipona que de forma sublime e diferenciada, colocou-nos frente a frente com indagações nunca dantes pensadas. Sua vida, seus pensamentos e seus estudos, são sem sombras de dúvidas revolucionárias na temática. Determinado ao questionamento, afirma: Que assunto mais familiar e mais batido nas nossas conversas do que o tempo? Quando dele falamos compreendemos o que dizemos. Compreendemos também o que nos dizem quando dele falamos.(AGOSTINHO, 1999, pg.322)

Nota-se em toda a obra Confissões, que Agostinho enfatiza as relações existentes entre Deus e o tempo, remetendo-nos a idéia de que "Deus não é o tempo" , concluindo de que o tempo se inicia com a criação.

Num misto de fé e razão, questiona o que é verdadeiramente o tempo, perguntando quem poderá explicá-lo clara e brevemente? E introduz em seu pensamento: Se ninguém me perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei.(AGOSTINHO, 1999, pg.322)

-II-

A medição do tempo e outras considerações

Em seu excerto, posiciona-se contrariamente à medição do futuro, uma vez que ele ainda não aconteceu, continua valendo-se do mesmo critério ao posicionar-se em relação ao tempo passado, o qual, em suas reflexões já não existe, portanto, não se pode medir. Segundo Agostinho, tal fato torna-se uma problemática se partirmos do pressuposto de que tudo em relação a pretérito, presente e futuro nos são dados como ensinamentos e medições referenciais desde nossa infância, então, como não dizer que há essas três medições do tempo? O filósofo indaga : Atrevo-me a declarar sem rodeio de contestação, que, se nada sobreviesse, não haveria tempo futuro e, se agora nada existisse, não teríamos tempo presente.

É importante ressaltar que Agostinho clama por Deus incansavelmente, por vezes pedindo-lhe esclarecimentos e orientações para seus questionamentos. A exemplo, em uma passagem pede ao onipotente: Se existir coisas futuras e passadas, quero saber onde elas estão(AGOSTINHO, 1999, pg.328).

Em sua retórica, o filósofo nos faz pensar que o que passou e que não existe mais, obviamente seria tempo passado, o que virá e que ainda não existiu, embora se suponha ser resultado e conseqüência do presente, tempo futuro, contudo, deixa-nos a questão: quando inicia e quando termina o presente?

Atrevo-me a declarar sem receio de contestação, que, se nada sobreviesse, não haveria tempo futuro e, se agora nada existisse, não teríamos tempo presente (AGOSTINHO, 1999, pg.322).

Agostinho baseando-se em experiências pessoais que tem em sua mente, conclui que na verdade não há tempo passado, tempo presente e nem tempo futuro, mas acha próprio dizer que há presente das coisas passadas, presente das coisas presentes e presente das coisas futuras.(AGOSTINHO, 1999, pg.328).

Por vezes insiste na afirmativa de que não se pode medir o que não existe, servindo como exemplo o passado e o futuro. Em um suplico a Deus, o pensador cita os termos "memória", "narrativa" e "vestígios", palavras utilizadas por diversos outros filósofos, pensadores e cientistas como objetos de estudo para a questão do tempo.

Ainda que se narrem os acontecimentos verídicos já passados, a memória relata, não os próprios acontecimentos que já decorreram, mas sim as palavras concebidas pelas imagens daqueles fatos, os quais, ao passarem pelos sentidos, gravaram no espírito uma espécie de vestígios. (AGOSTINHO, 1999, pg.326).

-III-

o tempo É uma CERTA DISTENSÃO

O filósofo discute sobre o que diz o homem quando afirma que o tempo é parte integrante de um processo matemático-científico dado ao movimento do Sol[1], da Lua e dos astros, porém, reflete sobre uma ficcional parada do Sol e suas conseqüências, ou seja, parando o Sol, o tempo também cessaria?

Em sua seqüência de indagações, Agostinho reflete no caso dos movimentos dos astros e da terra (translação[2] e rotação[3]), ao pressupor um movimento abrupto por quaisquer motivos, fazendo com que haja uma aceleração do ciclo, ou seja, o que levaria vinte e quatro horas, ser feito em uma hora, assim, teríamos um dia? Para sua resposta, o bispo de Hipona recorre novamente aos conhecimentos cristãos da igreja, ao citar o episódio bíblico de Josué, o qual, por meio de uma oração, fez parar o Sol a fim de que pudesse concluir um combate vitorioso, nesse caso, afirma Agostinho, que o Sol estaria parado, mas o tempo caminhava[4] normalmente.

O bispo de Hipona também coloca em sua reflexão o tempo psicológico, que tem como explicação referencial, à impressão do antes e depois. Podemos trazer essa sensação ao século XXI, por meio do exemplo de que quando estamos posicionados em uma fila, a qual, devemos esperar por alguma coisa que requeira "algum tempo", a sensação de espera de minutos, remete-nos a sensação de horas em aguardo. Já em sensações prazerosas do cotidiano, como um "simples descanso de domingo", o dia inteiro "parece voar frente a nossos olhos". No conceito de tempo há dois elementos : um transitório (sucessão) e outro permanente (duração). O tempo psicológico não é mais do que a percepção dessa sucessão contínua no campo da consciência com aspecto de localização e de anterioridade.[5]

-IV-

NOVA TEORIA SOBRE O TEMPO

Ainda em relação à medida do tempo, Agostinho clama novamente a Deus, tendo como objetivo uma orientação para um melhor entendimento dessa problemática. Nesse momento, insiste no modo pelo qual se pode medir o tempo.

Acaso minha alma não vos engrandece ao declarar-Vos, com verdade, que meço os tempos? Efetivamente meu Deus, eu meço-os, e não sei o que meço. Meço o movimento de um corpo com o tempo. Não poderei eu medir o tempo do mesmo modo? Ser-me-á possível medir o movimento de um corpo enquanto ele perdura, e quanto ao corpo leva em chegar de um lugar a outro sem que meça o tempo em que se move?

Comque posso medir o tempo? E com um espaço mais breve de tempo que calculamos outro mais longo, do mesmo modo que medimos o comprimento de um caibro com o côvado? Igualmente vemos que , pela duração de uma sílaba breve se avalia a de uma sílaba longa, e afirmamos que a duração de uma é dupla de outra. Assim medimos a extensão de um poema pelo número de versos, a grandeza dos versos pela dos pés, a dos pés pela duração das sílabas, as sílabas longas pelas breves, e não pelo número de páginas [...].

Para Santo Agostinho o tempo é composto dos elementos de transitoriedade e de permanência, ou seja, de sucessão e duração, além de não ser um movimento de corpos. Na verdade, dado todas as reflexões sobre a questão, o filósofo não pode chegar à outra conclusão senão a de que o tempo é uma distensão.

Pelo que pareceu-me que o tempo não é outra coisa senão distensão; mas de que coisa o seja, ignoro-o. Seria para admirar que não fosse a da própria alma. Portanto, dizei-me, eu Vo-lo suplico, meu Deus, que coisa meço eu, quando declaro indeterminadamente: "Este tempo é mais longo do que aquele", ou quando digo determinadamente "Este é duplo daquele outro?" Sei perfeitamente que meço otempo,mas não o futuro, porque ainda não existe. Também não avalio o presente, pois não tem extensão, nem o passado, que não existe. Que meço eu então? O tempo que presentemente decorre e não o que já passou? Assim o tinha dito eu.(AGOSTINHO, 1999, pg.334)

.

-V-

PARA ALÉM DOS TEMPOS

A inteligência dada aos pensamentos agostinianos vai além das expectativas, sua retórica é surpreendente, a exemplo, partindo do referencial de que o tempo foi iniciado com a criação, fica aos homens a pergunta: O que fazia Deus antes de criar o céu e a terra? (AGOSTINHO, 1999, pg.338-339) ou também: Como veio a mente a idéia de fazer alguma coisa, já que antes nunca fizera nada? (AGOSTINHO, 1999, pg. 339). Consciente, sua resposta pessoal para questões como essas, é a de que Deus não lhes deu a capacidade para esse entendimento. Concedei-lhes, Senhor, a graça de pensarem bem no que dizem e de saberem que não se emprega o advérbio "nunca" onde não existe o tempo. Por conseguinte,dizer que "Deus nunca fizera nada" não é o mesmo que afirmar que Deus, em nenhum tempo criara coisa alguma? Que eles vejam que nenhum tempo pode existir sem a criação, e deixem essa linguagem oca (AGOSTINHO, 1999, pg. 339).

-VI-

CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES

O pensamento agostiniano referente às questões do tempo, resultou em vários trabalhos e considerações por parte de outros pensadores, assim como Paul Ricoeur:

Para Agostinho, só podemos medir o tempo quando ele passa. Não medimos o futuro que não é ainda, nem o passado que não é mais, nem o presente que não tem duração, mas é na passagem, no trânsito, que é preciso buscar ao mesmo tempo a multiplicidade do presente e seu dilaceramento. É preciso pensar o tempo como circundado pelo nada, para pensá-lo começando e terminando, assim como a voz humana que "começa" e "acaba" em meio ao silêncio. Nesse sentido, o movimento da alma será descrito como tensão, divisão dolorosa entre passado, que é memória, e futuro, que é esperança. Dispersão temporal que só pode ser unificada na eternidade de Deus. A atenção (attentio) surge então como a intensidade do presente – tempo da narrativa – que nos salva da dispersão infinita: uma centelha divina, uma presença de eternidade que atravessa a temporalidade humana e que torna possível o recolhimento do disperso. É nessa dialética de eternidade e temporalidade, recolhimento e dispersão, memória e esquecimento, ser e nada, que se dá a experiência do tempo e do sentido na linguagem. A experiência humana é herança e Agostinho encontra na experiência de narrar, de contar o tempo, de recolher os fragmentos do vivido em um discurso, algo da estabilidade divina (Ricoeur, 1995, pg. 13).

CONCLUSÃO

Talvez um dos maiores problemas nas discussões sobre o tempo, seja o seu uso rotineiro e prático, ocultando questões não resolvidas. Na obra Confissões, livro XI, Santo Agostinho parece não se limitar somente na compreensão do tempo, valendo-se de seu espírito em clamor e súplica, tenta uma sintonia com Deus em busca de uma solução inteligível para as questões do tempo.

O pensador consegue em sua obra conferir uma fusão entre sentido religioso e um pensamento adequado, buscando de toda forma uma compreensão para a problemática. Conclui que não poder medir o tempo futuro pela sua simples inexistência, idem para o tempo passado e quanto ao presente, como poderia medi-lo uma vez que não há espaço?

Agostinho se propõe a investigar os problemas da memória e do tempo,o livro XI não aspira, exclusivamente, a uma compreensão geral do tempo ou da eternidade, mas visa também, a compreensão da finitude, a mutabilidade e a temporalidade enquanto qualidades que se aplicam ao homem, mas sobretudo, aspira um mecanismo compreensível de como medir os tempos.

Fontes

Internet:

Mundo dos Filósofos: www.mundodosfilosofos.com.br/agostinho.htm

Santo Agostinho: site de autoria de Sandra Elisa que traz uma série de trabalhos acadêmicos dedicados à literatura.

OSA (Ordem de Santo Agostinho)

Acesso em 06/06/2008 as 08:00h

História e Ciência: Em torno de Santo Agostinho http://historiaeciencia.weblog.com.pt/arquivo/006542.html

Acesso em 07/06/2008 as 18:00h

Bibliografia:

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofando: Introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 2002.

AGOSTINHO, Santo, Tradução de J. Oliveira Santos, S.J., e A. Ambrósio de Pina. S.J., Confissões,

Editora Nova Cultural Ltda., São Paulo, Brasil, 1999.

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 1995.

JAPIASSÚ,Hilton e MARCONDES, Danilo, Dicionário básico de filosofia.Rio de Janeiro.Jorge Zahar Ed.2006

RICOEUR, Paul. (1995). Tempo e narrativa. Campinas: Papirus.SANTO Agostinho. "De Magistro". In: Santo Agostinho, São Paulo: Abril Cultural, 1973, Coleção Os Pensadores.


[1] Erastóstenes afirmava: "O tempo é o curso do Sol".Igual teoria se atribui a Platão no livro Timeu.

[2]Translação da Terra é definido como o movimento elíptico que a Terra realiza ao redor do Sol. Esse movimento elíptico, juntamente com o eixo de rotação da Terra, é responsável pelas estações do ano.

[3]A rotação da Terra é o movimento giratório que a Terra realiza ao redor do seu eixo, no sentido anti-horário para um referencial observando o planeta do espaço sideral sobre o pólo Norte . Seu período - tempo que leva para girar 360 graus (uma volta completa) é de 23 horas 56 minutos 4 segundos e 9 centésimos. (23h56m04,09).

[4] Santo Agostinho pretende distinguir o tempo astronômico do tempo metafísico e do tempo psicológico. Aqui refere-se ao astronômico.

[5] Extraído da nota de rodapé da obra Confissões, excertos de Santo Agostinho. Confissões. SP. Editora Nova Cultural, 1999.


Autor: wagner guedes


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