A METAFÍSICA E AS OUTRAS CIÊNCIAS



I. A METAFÍSICA E AS OUTRAS CIÊNCIAS

Dizer que "todas as ciências são mais importantes do que essa (metafísica), mas nenhuma lhe é superior" estamos implicando (não forçosamente, mas naturalmente) necessariamente uma certa análise relacional e diferencial da Metafísica em relação as outras ciências. Vamos agora fazer essa dissertação que ilustra não só a relação da metafísica com as demais ciências, mas também o que torna a metafísica superior ou menos importante que as outras ciências.

1.1. DIFERENÇA ENTRE METAFÍSICA E AS OUTRAS CIÊNCIAS

Na verdade todas as ciências são diferentes umas das outras, tanto no seu objecto quanto no seu método de estudo, tanto na sua orientação científica quanto na forma como procura explicar a realidade, tanto na sua aplicabilidade quanto na sua excelência. Mas se há uma coisa que elas têm de comum é a sua utilidade para a pessoa humana, por isso é que um único fenómeno pode ser objecto de variadíssimos olhares e perspectivas científicas; por exemplo o fenómeno homem: a Psicologia se interesse pelos seus fenómenos mentais ou referentes a psiqué, a Sociologia estuda-o enquanto em relação com os outros, a Medicina trata do seu bem estar, a Metafísica trata das suas causas últimas, etc. Nesse contexto todas as ciências, incluindo a metafísica, devem conviver num clima de simbiose contínua, pois, os estudos feitos por uma ciência podem ser útieis para entender determinados fenómenos estudados por outras que se escapam ao rigor do método destas.

Apesar dessa contínua simbiose, como mais acima ficou claro, as ciências diferem-se umas das outras incluindo a própria Metafísica, e a diferença da Metafísica com respeito as outras ciências é muito mais acentuada não só pelo seu método (e, segundo Baptista Mondin (2004, p.74), "a investigação metafísica para ser séria, fecunda e concreta, exige o emprego de três métodos: fenomenológico, o indutivo e o dedutivo" ) mas também pela excelência do seu objecto de estudo: o ser enquanto ser; e de acordo com o dicionário de Nicola Abbagnano (2003, p. 660), a "Metafísica é a ciência primeira por ter como objecto o objecto de todas as outras ciências, e como principio um principio que condiciona a validade de todos os outros". Além disso, o conhecimento metafísico é radicalmente racional, crítico e abstrato, assente na pesquisa das causas últimas e mais universais da realidade; contrariamente, as outras ciências que estudam as causas particulares e mais próximas da realidade; o que quer dizer que à Metafísica não só lhe interessa o concreto como fazem as outras ciências, mas também lhe interessa, acima de tudo, o lado abstrato e universal do real.


1.2. O QUE TORNA A METAFÍSICA MENOS IMPORTANTE QUE AS DEMAIS CIÊNCIAS

Porque estamos num mundo descartável, onde a falsificabilidade das ciências impulsiona a mobilidade e a descartabilidade dos conhecimentos, dos meios de produção e, consequentemente, dos produtos gerados, logo o conceito de importância obedece a estes padrôes ideológicos. Tudo por causa de uma geração que banalisou e abandonou aos braços do ridículo tudo o que não pode ser demonstrado empiricamente ou tudo que se escapa aos sentidos humanos.

Neste horizonte de percepção, os frutos da Metafísica parecem tornar-se pseudo-soluções para os problemas que se apresentam à realidade, uma vez que não são demonstráveis empiricamente tão pouco são úteis, e do ponto de vista da falsificabilidade, por serem universais e abstractos, tornam-se indiscartáveis e ao mesmo tempo inúteis, pois só os conhecimentos descartáveis (falificaveis e mutáveis) podem gerar ciência e produtividade, segundo a consciência actual.

Falando em produtividade, parece ser esse um outro aspecto que torna a Metafísica menos útil do que as outras ciências, uma vez que se fazermos um giro utilitarista veremos que cada uma delas proporciona algo produtivo e prático para o bem estar individual e social do ser humano, já os produtos da obra Metafísica não parecem ser claros ou perceptíveis ao homem do senso comum ou, como quiz Platão com a alegoria da caverna, ao homem iludido e ofuscado pelas sombras da realidade, enquanto habitante voluntário ou involuntário da caverna.

As outras ciências produzem alimentos, tecnologias, saúde, telefones, políticas económicas ou jurídicas, iphones, computadores, indumentárias, entretenimentos, tecnologias, modas, beleza, frigoríficos, etc., já a Metafísica parece estar muito distante de produzir tais coisas, logo, se nada disso e tantas outras coisas a Metafísica é capaz de produzir, então resulta que ela é a menos importante dentre as ciências. E isso é verdade se levarmos o debate desde este ponto de vista; contudo, pensamos nós que a coisa melhora para a Metafísica e fica menos linda para as demais ciências se formos a levar a análise desde o ponto de vista da excelência do objecto de estudo de cada ciência. Mas essa análise fica para o ponto seguinte.
Mas podemos compreender ou refutar facilmente o que acima se disse se tentarmos perceber importância da Metafísica no diapazão da seguinte citação de São Tomas ( p. 84):

"As [ciências] teóricas, isto é, especulativas, diferem das práticas segundo a sua finalidade. O fim das especulativas é a verdade: elas pretendem o conhecimento da verdade. O fim das práticas é a obra, porque, embora pretendam conhecer a verdade, não a procuram todavia como fim último. Se, portanto, a sabedoria ou filosofia primeira não é prática, mas especulativa, seguir-se-á que corretamente deverá ser dita ciência da verdade. Mas porque muitas são as ciências especulativas que consideram a verdade, como a geometria e a aritmética, é necessário em seguida mostrar que a filosofia primeira maximamente considera a verdade, por causa de que é considerativa das primeiras causas."


1.3. O QUE TORNA A METAFÍSICA SUPERIOR AS DEMAIS CIÊNCIAS

Utilizando aqui o conceito de superioridade como sinónimo de primazia e excelência, temos a dizer que não obstante as demais ciências sejam tudo ou produzam tudo o que mais acima discorremos, a metafísca ocupa o auge da cientificidade e, como consequência disso, a primazia e privilégio sobre todas as ciências: "o privilégio de prioridade atribuida a Metafísica decorre, neste caso, do caracter privilegiado do ser que é seu objecto: é o ser superior a todos e do qual todos os outros provêm". (Abbagnano, 2003, p. 661). Assim por ter como objecto de estudo o objecto de todas as outras ciências não pode de modo algum a Metafísica ser menos excelente ou inferior que as outras ciências. E mesmo que todas as ciências tenham em vista o alcance da verdade, de facto, elas a buscam desde o ponto de vista particular, ou seja, elas procuram esta ou aquela verdade, desta ou daquela coisa; já a Metafísica busca a verdade como tal, a verdade como realidade unversal, portanto, a verdade última de todas as coisas, aquela que os métodos das ciências positivas não ousam buscar; sobre tal assunto São Tomás escreve (p. 84): "... a filosofia primeira maximamente considera a verdade, por causa de que é considerativa das primeiras causas."

Enfim, poderiamos dizer como conclusão, como dizia um professor meu, a Metafísica serve como orientadora ou guia das demais ciências, pois, é ponto mais alto do saber humano, ou como diziamos mais atrás com Nicola Abbagnano, "Metafísica é a ciência primeira por ter como objecto o objecto de todas as outras ciências, e como principio um principio que condiciona a validade de todos os outros".

BIBLIOGRAFIA

ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Victor Civita, 1984.
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 4. Edição.São Paulo: Martins Fontes, 2003.
MONDIN, Baptista. Introdução a Filosofia.15. Edição. Paulus, 2004.
DE AQUINO, Tomás. Comentário à Metafísica de Aristóteles (condensado). http//: baixarpdf.net
KOSING, Alfred. A Questão Fundamental da Filososfia. Lisboa: Editorial Avante, 1977

Autor: Pedro Nkosy Samuel


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