Elas falam...



Elas falam...

Há muito tento fugir ao tema: ? O mundo visto de uma cadeira de rodas?. Indagado acerca deste assunto, respondeu-me um professor: ?Para Shopenhauer não tem diferença?. Pensativo, afastei-me.
Passado algum tempo, decepcionado, reconsiderei: ?Claro, ele não experimentara!?. Percebi neste instante a imensa empreitada que me esperava. Queria eu criar um mundo diferente?Enxameavam as idéias... Um rebuliço invadiu-me. Foi quando... Pensei em minha filha e sua voz ecoou em mim: ?Pai! Traga a minha cadeira?!Desde então tenho andado com elas. E como se não bastasse, além da minha filha, também a cadeira agora me leva. Descobri que se quisesse mesmo saber como é o mundo visto de uma cadeira de rodas, teria que ? sentar-me? numa. Não é fácil. Comigo aconteceu assim...
?Pai! Traga a minha cadeira?. Enquanto atendia a seu pedido, invadiu-me uma forte emoção. Pensei... é agora. Ali..., eu e ela, a caminho do ser que lhe dá vida... Sentido... Cadeira feito pernas... Ferro feito músculos... Rodas feito articulações... Braços que apóiam... Assento feito colo... Enfim, embalado por esses pensamentos, tomei coragem e falei: Tenho inveja de ti. Silêncio. Sereno, repeti: tenho inveja de ti.
Para minha filha, dona cadeira, és extremamente importante. Sempre solícita a transportá-la. Contigo ela nunca se zanga, também pudera, cumpridora consciente do teu papel, não extrapó-las... Sempre a seu alcance... Vou te confessar: Por momentos te invejo. Pensas que não percebo o olhar que ela lança a ti, quando vens a seu encontro?Ah! Penso na tua ventura, dona cadeira, ao tomar sobre si essa mente... Juntas, abrindo caminhos, nesse caudaloso pântano dos pobres seres de pernas que se arrastam... Vítimas da síndrome do reducionismo... Asfixiados pelo insuportável cheiro de mofo, oriundo das letras mortas, que jazem em livros, presentes em prateleiras, e ausentes na consciência prática da convivência... Pensas que não sei da s confidências confiadas a ti?Deixe-me falar-te uma coisa, baixinho, para que ninguém escute: É possível arranjar-me um lugarzinho em ti? Ela se remegeu toda e levantando as rodas da frente, fez um sinal que sim.
Pronto. Compreendi naquele instante que não seria uma tarefa..., mas enfim, pensei: ? Se eu quero saber como é o mundo visto de cadeira de rodas, é preciso, sobretudo refletir acerca do ser que se derrama sobre uma, dando-lhe vida... . O que implica essa relação...?Inserir-me nesse contexto, pois não posso tirá-la da cadeira, sob pena de ver ao mundo, apenas ?sentado?... Confortavelmente só... Estranhamente sozinho... Apresentou-se-me então o primeiro problema: encontrar um local para sentar-me, sem incomodá-la... Foi quando, ouvi: Pai! Traga a nossa cadeira!Surpresa. A minha filha já havia reservado um lugar. Era ao lado dela!
Chegou o grande dia. À entrada recebi um informativo em que estavam escrito algumas ?regras? de convivência:
? Nunca olhe para mim e se veja, isto tornará nossa convivência impossível;
? Não ceda ao impulso de idealizar um mundo para mim, o mundo já existe;
? Não espere um lugar especial, não acredito em ? especialidades?;
? Os olhos serão nossos faróis, mantenha-os abertos para que nos guiemos por eles;
? Sorrisos só o necessário; às vezes os sorrisos fáceis escondem as lágrimas edificadoras;
? Não tenha medo, sentado, vemos as pessoas muito grandes, mas é só ilusão;
? Acostume-se com a incontinência. E lembre-se de conter-se;
? Lembre-se: ?Permito-lhe uma temporada, não abro mão da minha privacidade;
? É obrigatório auferirmos o peso de sua ?bagagem, pois não suportamos excesso. Traga só o necessário;
? Se enjoar no começo da viagem, não se preocupe. É por que em vez de andar, eu vôo...
A cada observação, uma reflexão. Percebi que não era a cadeira que estava presente; e sim, eu estava ausente. Que os pais quando se afastam de seus filhos; algo ocupa aquele espaço. A minha filha apóia-se numa cadeira, outros nas drogas. Se seu filho anda. Tem uma ?marcha perfeita?,ótimo.Entretanto não esqueça, ?a mais perfeita marcha é a das idéias?. Pense nisso!!!
Quanto ao mundo; aprendi que não existe um mundo, e sim ? o mundo?. E que ele não é visto; é vivido. E o olhar diferente?Está nos olhos da mente... E Shopenhauer?Ah!Assino em baixo. ?A vontade é a essência do mundo. ? E quanto às cadeiras??!!Aprendamos com elas. Elas falam!!! E nossos filhos, também.

Autor: Afonso Rocha Sombra


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