O PRINCÍPIO DA INTRANSCENDÊNCIA NO DIREITO PENAL
Dentre as atuações do Estado, o constituinte foi cauteloso em especial com o Direito Penal, devido à suas fortes conseqüências, que atingem até a liberdade, direito fundamental em um Estado Democrático de Direito. A maior parte dos princípios constitucionais diz respeito à ação penal, e no artigo 5º, os princípios basilares do Direito Penal foram devidamente expressos. As suas formulações foram embasadas em um mecanismo de controle penal voltado para os direitos humanos. Todos possuem notável importância, e dentre eles, um merece reconhecido destaque. Tal princípio está previsto no art. 5º, XLV da CF, que declara:
"nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;"
Trata-se do Princípio da Intranscendência, que preconiza a impossibilidade de se propor ou estender os efeitos da pena para terceiros que não tenham participado do crime. Também denominado princípios da personalidade da pena ou da pessoalidade, a sua aplicação no caso concreto é bastante extensiva, assim como suas conseqüências.
Prima face, este princípio que garante que somente quem atuou no crime será por ele responsabilizado, não cabendo a privação de liberdade para quem não concorreu ao tipo legal. Esta é uma clara vitória no Direito Penal, visto que, nos primórdios, "as penas corporais, pecuniárias ou infamantes poderiam atingir todo o grupo social, ou ainda os familiares do condenado" como afirmou Corrêa Shecaira.
A personalidade da pena pauta também a extinção da punibilidade pela morte do réu, (Mors Omnia Solvit). Uma vez que venha a falecer, claro fica a extinção da privação de liberdade do agente. Entretanto, caso haja pena de multa, a mesma não pode ser retirada do inventário, pois estaria atingindo não mais o agente, mas sim os seus herdeiros, transcendendo a pena à terceiros não envolvidos. A punibilidade, qualquer que seja a sua forma, estará extinta com a morte do condenado.
Entretanto, há uma decorrência ainda mais prática do princípio da pessoalidade, que atinge sua faceta mais polêmica: o Auxílio Reclusão. Tal auxílio é assegurado pela Previdência Social aos dependentes do segurado recluso, com o objetivo de assegurá-los um sustento mínimo. Muitos são contrários à essa medida, alegando ser um "benefício" à pessoa do preso. Com mais cautela, analisa-se: o detento, ainda que recluso, possui a fruição de suas necessidades mais fundamentais, comida e abrigo, fornecidas pelo Estado. Entretanto, os que dele dependem diretamente, não mais podem contar com a renda mínima imprescindível para o sustento, uma vez que o mesmo se encontra privado de sua liberdade, impossibilitado de prover a família.
Ora, se os dependentes do condenado fossem deixados à própria sorte, estaria firmada uma pena indireta aos mesmos, infração óbvia ao princípio aqui analisado. O auxílio tem como alvo prover a mínima dignidade aos dependentes, visto que os mesmos não mais possuem o arrimo que os sustentava, e tão pouco possuem perspectivas de subsistência. Obviamente que, sem tal auxílio, eles estariam sofrendo uma punição por um crime que não concorreram.
Percebe-se a necessária cautela em cada aplicação do Princípio constitucional da Intranscendência. Por se tratar de uma gloriosa conquista do Estado Democrático de Direito, a menor restrição ao mesmo, além de inconstitucional, seria um lamentável retrocesso para a sociedade. Renné Ariel Dotti sintetiza a importância e simplicidade do princípio: "sendo a pena o ?efeito? de uma ?causa? determinada e consistente no delito censurável na pessoa do autor, somente contra este deve recair a sanção".
Autor: Júlia Borges Evangelista
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