O Ensino Da Língua Portuguesa No Brasil: Unidade / Flexibilidade



1. Legislação e Objetivos do Ensino de Língua Portuguesa.
O Parecer 853/71 da Lei 5692/71, emitido pelo C.F.E., determina como objetivos do ensino da Língua Portuguesa:
A Língua Portuguesa será encarada como o instrumento por excelência de comunicação no duplo sentido de transmissão e compreensão de idéias, fatos e sentimentos e sob a dupla forma oral e gráfica, o que vale dizer: leitura, escrita e comunicação oral (...).
Com base nos termos desse parecer, Fregonezi (1996) resume em um gráfico as habilidades que cabem ao ensino de língua.

FALAR OUVIR LINGUAGEM ORAL

ESCREVER LER LINGUAGEM ESCRITA

TRANSMISSÃO COMPREENSÃO

EMISSOR RECEPTOR

Vários autores discutem os problemas enfrentados no ensino. Fregonezi (1996), ao tratar de conteúdo programático, descreve a Língua Portuguesa como objeto de estudo específico de uma disciplina curricular (...) e (...) como instrumento para aprendizagem de outras disciplinas (...).
Para ele, esse duplo aspecto provoca o não-discernimento por professores e pedagogos da essência do seu objeto. Diz ele que é o treinamento das quatro habilidades específicas (falar, ouvir, escrever e ler) o objetivo do ensino da Língua Portuguesa. No entanto, equipes pedagógicas e professores voltam suas atenções ora para o ensino do uso da língua, ora para o estudo sobre a língua, posições completamente opostas que requerem tratamento diferenciado.
Fregonezi traça um panorama da evolução das instruções oficiais do conteúdo programático da Língua Portuguesa, de 1942 a 1986, e comprova que essas normas começam com determinações rígidas e nos dias atuais se transformam em total flexibilidade.
A Portaria Ministerial n.º 170/1942 determinava a Programação Oficial de Língua Portuguesa e assuntos dos textos a serem estudados, série por série. Em 1951, professores do Colégio Pedro II elaboravam a programação oficial e a Portaria Ministerial n.º 966/ 1951 mandava adotá-la em todo o país.
Outra Portaria de 1951, a n.º 1045, mais tarde, lançou os planos de desenvolvimento dos programas mínimos, com sugestões metodológicas, indicações de textos para leituras, de exercícios de linguagem oral, de redação, e questões gramaticais e de vocabulário.
Com a Lei 4024/1961, desaparece a rigidez dos programas do ensino do Português. O Conselho Federal de Educação tinha a competência para organizar e distribuir as disciplinas obrigatórias de cada curso. Junto com as instruções vinham também recomendações quanto ao desenvolvimento da Expressão Oral, Expressão Escrita e Gramática Expositiva.
Nas duas primeiras séries ginasiais deveriam ser escolhidos para leitura textos simples, em prosa e verso, descritivos e narrativos, de valor literário de autores brasileiros dos dois últimos séculos. Na terceira e quarta séries ginasiais deveriam ser estudados não só os textos descritivos e narrativos, mas também dissertativos de prosadores e poetas modernos brasileiros e portugueses. Para a Gramática Expositiva, as recomendações eram de ensino prático, com exemplos extraídos de textos. Partia-se da oração para o estudo das classes de palavras, ou seja, o ensino da gramática priorizava o texto e, gradativamente, partia das unidades maiores para as menores.
Com a reforma baseada na Lei 5692/71 foram mais profundas as transformações que ocorreram no ensino da Língua Portuguesa. Mudou o estudo da língua, sua denominação para Comunicação e Expressão sob a forma de Área de Estudos englobando Língua Estrangeira, Educação Artística e Educação Física. Daí, então, cada estado do Brasil passou a elaborar suas propostas de ensino. A flexibilidade dos conteúdos permitia a cada professor a reflexão sobre a realidade de sua escola e de seus alunos, e a escolha dos conteúdos e seqüenciação das atividades. Cada professor decidia o que ensinar e como ensinar. Isso se faz presente na introdução da Proposta Curricular do 2º Grau da Coordenação de Estudos e Normas Pedagógicas:

A seqüência e o detalhamento dos conteúdos por série dependem do conhecimento da realidade dos alunos, suas necessidades e aspirações, e o professor, consciente de que não lhe cabe apenas executar atividades, mas também definir ações, não deve abrir mão desse espaço de definição, permitindo que outros decidam por ele (C.E.N.P., 1986, p.8).

Fregonezi ao discutir acerca da unicidade de objetivos e a pluralidade de programas quanto ao ensino de Língua Portuguesa, compara nossa situação com a de Portugal que, embora destaque a idéia de flexibilidade, ao contrário do Brasil, os programas são nacionais. Nos anos 70, a situação funcional do profissional de Letras no Brasil não era a melhor. A presença do livro didático veio salvá-lo em meio a um número excessivo de aulas, à falta de tempo para atualização, a leituras e preparo de aulas. Conteúdo selecionado, textos fragmentados, com questões já resolvidas e atividades de gramática e redação já determinadas. Isso resulta na acomodação do professor e adoção deste tipo de livro. E a programação de conteúdos, com o argumento das Propostas Curriculares depende do conhecimento da realidade dos alunos, de suas necessidades e aspirações. É seguida, cegamente, com base na realidade do professor e do mercado do livro, ignorando-se o aluno, sua realidade e aspirações.

2. Os Conteúdos nas propostas curriculares

Ao descrever a situação dos professores de Língua Portuguesa, dos anos 70 para cá, Fregonezi mostra sua rejeição relativamente à obrigatoriedade do livro didático:


... os livros didáticos nem sempre apresentam uma uniformidade quanto à programação selecionada. Como os objetivos do ensino da Língua Portuguesa são habilitar o aluno a falar, ouvir, ler e escrever, os autores desses manuais ora fazem uma opção por um, ora por outro objetivo. Alguns livros apresentam apenas propostas de redação, outros de leitura, outros ainda optam por treinar a linguagem escrita. Outros privilegiam as atividades orais. E para a fixação dos conteúdos que a direcionam à descrição do funcionamento do código lingüístico, os livros apresentam também uma diversidade no tratamento. O sistema lingüístico é descrito tomando-se como modelo de descrição algumas correntes lingüísticas – uns livros selecionam, o estruturalismo, outros o gerativismo.... Ou ainda por vezes, o conteúdo selecionado por algumas séries didáticas refere-se à Teoria da Comunicação.

Os conteúdos de ensino, nas novas propostas curriculares dos estados, já possuem caráter obrigatório em nível de estado, mas com a abertura para peculiaridades locais, em nível de município: os Parâmetros Curriculares Nacionais já trazem o conteúdo e os programas, na sua essência, com os eixos básicos das áreas e disciplinas. Os problemas que surgem em decorrência dessas dicotomias: unidade/pluralidade, uniformidade/diversidade, obrigatoriedade/flexibilidade passam a ser maiores e têm a ver com a metodologia. Porém, pensando em como fazer para acompanhar a Modernidade, levanto as seguintes questões:
Como preparar os professores para as mudanças? Como encarar o estudo das tendências ideológicas, diante do surgimento de um novo livro didático? De que modo serão analisadas as tendências pedagógicas referentes ao ensino da língua? Como deve ser a participação do professor de Língua Portuguesa na seleção dos conteúdos, na elaboração de projetos e na sua execução? Como fica a situação dos professores de Redação, diante dos conhecimentos específicos de outras áreas, se as propostas nacionais de ensino (Fundamental, Médio e Superior) preconizam a inter, multi e plurirrelação entre as disciplinas para preparar o cidadão autônomo e competente?
Talvez o livro didático seja um mal menor diante da especialização de conteúdos que afastam o aluno do saber. Atualmente o professor de Língua Portuguesa não é só professor de Gramática, nem só de Literatura nem só de Redação, muito menos das três modalidades de estudo da língua, mas um profissional preocupado com o saber global, com conhecimento de Cultura Geral, suficiente para tratar do saber como um todo, como ciência, sem dividir em pedaços os programas, nem separar conteúdos por série muito menos de acordo com a classe econômica e social do aluno.
Em se tratando de reflexões sobre o ensino da Língua Portuguesa no Brasil, concordo com Fregonezi quando afirma: o livro didático não habilita o aluno para as quatro habilidades de falar, ouvir, ler e escrever, mas, na falta de um professor preparado, de uma escola com livros, de administradores que valorizam projetos do professor e do aluno, considero que o livro didático ainda é um álibi para enfrentar as contradições que existem no interior da escola, incompatíveis com a agilidade que exige a Modernidade.

BIBLIOGRAFIA

FREGONEZI, Durvali Emílio. O ensino da língua materna e a formação do professor de Língua Portuguesa. Boletim do C.C.H., n. 11. Universidade Estadual de Londrina, 1986.
FREGONEZI, Durvali Emílio. O ensino da língua materna – as variedades lingüísticas: uma visão teórica. Santos: Estudos Lingüísticos XV, 1987.
FREGONEZI, Durvali Emílio. O Ensino de Língua Portuguesa: Reflexões. Londrina: Editora da UEL, 1996.

Autor: Djalmira Sá Almeida


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