Duvide De Tudo



Duvide de tudo. Ou usando uma forma mais catedrática de dizer a mesma coisa: "de omnibus dubitandum est". Assim repetia René Descartes, e inclusive, diz o Mario Sabino que até o Diogo Mainardi quando era mais novo pichou esta frase em uma parede. Não duvido, a frase é boa. E ainda é tão atual quanto nos anos de Descartes ou nos anos da adolescência do Mainardi, apesar desses dois períodos não terem nenhuma relação…

Mas apesar do que se possa imaginar, eu não mencionei esse mote, somente para citar Descartes ou a entrevista do Mario Sabino. Na verdade lembrei da frase ao ouvir no rádio uma declaração no mínimo infeliz do Coronel Marcus Jardim sobre as incursões da Polícia Militar na Vila Cruzeiro. Conforme me dizia o noticiário, a polícia teve que travar um longo tiroteio para derrubar um muro construído por traficantes que estaria impedindo a atuação de agentes de saúde no combate à dengue dentro da comunidade, assim como estaria servindo de foco da larva do mosquito — "A PM é o melhor remédio contra a dengue. Não fica um mosquito em pé. É o SBPM. O melhor inseticida social" — dizia o coronel comemorando a morte dos nove traficantes. Claro que não demorou a aparecer um monte de ONG's e órgãos humanitários para declarar todo o repúdio à polícia militar carioca. A primeira vista, a declaração do coronel Marcus Jardim de fato parece ser digna de todo o repúdio. Só lamento não ter sido demonstrado repúdio maior para a infantilidade demonstrada pelas declarações feitas pelos humanistas de plantão. Explico-me.

Conforme consta no Globo de hoje, Tim Cahill da Anistia Internacional de Londres, afirmou que as frases do coronel reforçam a percepção de que a polícia não compreende o seu papel na sociedade. A diretora da ONG Justiça Global, Sandra Carvalho, também deu uma declaração bem parecida onde afirmou que as declarações do coronel Jardim mostram que ele vê a segurança pública como "uma operação de limpeza social em que cada pobre da população tem que ser extirpado". O que para meu espanto, os brilhantes humanistas parecem não perceber, é que ao contrário do que eles declararam, a PM carioca compreende o seu papel na sociedade muito melhor do que a própria sociedade demonstra ser capaz de compreender, e portanto melhor que todas as ONG's e instâncias da anistia internacional.

Toda pessoa que já presenciou alguma ação da polícia no Rio de Janeiro tem plena consciência da sua ineficácia. Não por incompetência pura e simples, não pela maldade ou tirania inerente às forças policiais como alguns insistem em devaneios esquerdistas. A consciência desta ineficácia pode ser entendida simplesmente como uma questão de prioridade social. A segurança não é prioridade na nossa cidade. Assim como nunca foi no resto do estado do Rio de Janeiro como um todo. Não é prioridade para o nosso governo, nem para a população, por mais absurdo que isso pareça. Se fosse diferente, buscaríamos em algum momento nossas responsabilidades, ou pelo menos iríamos admitir nossa própria hipocrisia e passividade, ao invés de continuar ruminando o que os jornais nos alimentam. Mas ao invés disso, sempre preferimos gastar nosso tempo em debates ideológicos e inúteis. Cito como exemplo, o recente sucesso de bilheteria e pirataria: o já tão citado e comentado Tropa de Elite. Pouco depois da estréia do filme não faltaram pessoas acusando o filme de ser fascista, acusavam o diretor de incitar a violência e a tortura, assim como diversas outras mazelas que novamente algumas ONG's — que de não-governamentais só tem a sigla, diga-se de passagem — logo se mobilizaram a apontar como contrárias ao famoso bom tom. Isso apenas demonstra como nós cariocas e brasileiros em geral, estamos despreparados para qualquer debate. Se avistamos algo que nos mostra alguma versão diferente da história, logo todos correm para recriminar o sujeito como se ele estivesse pregando a favor do que ele expôs. Ah, se esconder os fatos fizesse a realidade mais tolerante… A vida seria mais doce.

Já fazem muitos anos que todos sabem que a polícia carioca é violenta, que tortura, que mata desnecessariamente. Também sabemos que o nosso sistema penal é cruel, injusto e imoral. Todos sabem que existem pessoas presas sem julgamento. Todos sabem que existem pessoas que estão presas apesar de já terem cumprido suas penas. Mesmo assim preferimos repetir à nós mesmos que temos um sistema penal justo, uma polícia e uma sociedade serena e imparcial. Não é por menos que toda vez que algum fato mais grotesco aparece no noticiário, todos tem que fingir horror. Nestes momentos todos são obrigados a lembrar por alguns minutos do caos instaurado, e automaticamente tem que responder com clamores de justiça. Mesmo que ninguém lembre de nada no mês seguinte.

O filme Tropa de Elite, assim como a aparentemente estranha declaração do coronel Marcus Jardim só retratam um fato conhecido e notório — apesar de ainda tão negado — A polícia é sim, um inseticida social. Reprime quando a turba faz pressão. Toda vez que arrastam uma criança por alguns quarteirões, alguém tem de ser preso para satisfazer os pais sedentos por justiça. Quando queimam um jornalista vivo, alguém tem que ser punido para acalmar os outros jornalistas. Quando esfaqueiam um turista, a polícia tem que punir de forma exemplar para manter a nossa imagem nas graças da opinião internacional.

Ou seja: Toda vez que algum membro de pedigree da nossa sociedade é abatido ou fica muito assustado, alguém tem que pagar. E a polícia faz isso de forma exemplar! Sobe o morro sob fogo estupidamente cerrado, aguenta tiros de munição de arrebentar tanque, aguenta explosões de granada e lança míssil, e muito, mas muito, tiro de fuzil com bala traçante. Tudo isso apenas para evitar os excessos da turba. Para satisfazer nossos medos. Quando a polícia sobe a Vila Cruzeiro e mata nove traficantes, ela não faz isso por que gosta. Faz isso por que para conter uma explosão ainda maior de violência, é preciso dizer pra outros bandidos que não se pode matar qualquer um o tempo todo. Que apesar da justiça convencional ser ineficaz, existe "outra justiça", existem "outros tribunais". E as milícias, infelizmente demonstram entender essa necessidade muito melhor que nossos governantes. E é justamente por essa má distribuição de prioridades na nossa justiça que o problema se agrava. E é aí que violência pura e simples abre a porta para o reacionarismo e para a imoralidade. O que a Anistia Internacional e boa parte das ONG's não parecem dispostas a se perguntar, é porque nossa sociedade prefere mais violência para tentar sanar o problema.

Enquanto isso, todo mundo reclama. Sem nem sequer uma vez se esticar para tentar ver a relação promíscua entre a nossa própria omissão e o estado de violência geral. Sempre temos que separar a violência "deles" da "nossa", E o engraçado é que todo mundo quer exatamente o que o coronel afirmou: o extermínio de todos os marginais. O fim de todo o mal pelo massacre dos inimigos do estado. Contanto é claro, que não tenha um parente na lista, ou que não tenha que saber como as coisas foram feitas.

O maior pecado do coronel Marcus Jardim, não foi ser reacionário, ele não está sozinho. Seu maior pecado foi jogar na cara de toda a sociedade o quanto ela é reacionária e violenta. E isso ninguém vai perdoar. Pelo menos até o próximo mês, quando ninguém mais lembrar do assunto.


Autor: Conselheiro Acácio


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