A Dinâmica Da Exclusão Digital Na Era Da Informação



Nos últimos anos temos vivenciado uma grande transformação em nossa sociedade. Muitos autores tratam o período em que vivemos como a Era da Informação. Outros termos como, Era do Conhecimento, Sociedade da Informação e Economia da Informação são freqüentemente empregados e todos designam o mesmo fenômeno. A principal característica dessa nova era é sua multidimensionalidade, porque estão envolvidas nas novas dinâmicas sociais, modificações em diferentes esferas: tecnológica, econômica, política, educacional e cultural.

O surgimento da Era da Informação, suas implicações e desdobramentos futuros constituem fonte rica para pesquisas. O tema suscita calorosas discussões e facilmente arrebata defensores e opositores quando são considerados os impactos que as TI vêm exercendo na sociedade e principalmente quando tratamos da aprendizagem e do mercado de trabalho.

Entre aqueles que defendem o uso das novas tecnologias de informação temos o sociólogo Castells (1998), que considera positivo o papel das novas tecnologias de informação na geração do conhecimento e na maior velocidade na troca e difusão de informações dentro da estrutura da sociedade. Segundo o autor, uma das áreas que se beneficia mais intensamente do desenvolvimento dos novos recursos é a educação, tendo em vista que as TI - Tecnologias de Informação ampliam a capacidade das pessoas de progredir em seus conhecimentos, criar riqueza e utilizá-la mais sabiamente que as gerações anteriores. Levy (1998) também é um aficionado pelas novas tecnologias. O autor ressalta a interação entre as novas tecnologias da informação e a educação. Nesse ponto ele constata o papel das novas tecnologias intelectuais, que ampliam, exteriorizam e alteram muitas das funções cognitivas humanas; e da maior facilidade de reprodução e transferência de informações, do aumento da memória, das simulações, entre outros, que acabam por aumentar o potencial de inteligência coletiva humana.

Por outro lado, alguns estudiosos sobre o tema consideram questionáveis alguns aspectos da Era da Informação, principalmente o fato da tecnologia não ser acessível a todos. O acesso às novas tecnologias é comprovadamente restrito a uma pequena parcela da população, o que torna limitada a capacidade das tecnologias de informação de contribuir de forma significativa e igualitária no aprendizado, na educação e na geração de oportunidades iguais em um mercado de trabalho que sofre um acelerado processo de reformulação.

Baggio (2000) argumenta que o ingresso da humanidade na era da informação é um fato, mas pouco acessível ao grande público. Segundo o autor, agora temos uma infinidade de soluções digitais, cada dia mais surpreendentes e avançadas. Entretanto, se esse conhecimento acumulado não é compartilhado, corremos o sério risco de ver ampliado o abismo que separa os ricos dos pobres. Em um mundo cheio de pobreza e grandes desigualdades sociais é difícil imaginar que a informação possa ser amplamente difundida e que possa beneficiar a sociedade como um todo.

O próprio Castells (1998) afirma que na era da informação, algumas das características marcantes do capitalismo: desigualdade, pobreza, miséria e exclusão social se apresentam de forma evidenciada. Pensar em exclusão digital, de fato, não significa meramente pensar na falta de equipamentos ou sistemas computacionais de informação acessíveis à população, trata-se também de um processo de exclusão social, econômica e cultural.  Conforme Schwartz (2000), a exclusão digital não significa somente deixar de ter acesso a bens eletrônicos como computadores, internet, telefones celulares e televisores via satélite, mas sim, continuarmos incapazes de pensar, de criar e de organizar novas formas, mais justas e dinâmicas, de produção e distribuição de riqueza simbólica e material.

O perigo da exclusão digital ainda é mais alarmante em países como o Brasil. A partir de dados do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Baggio (2000) discute sobre o mundo da tecnologia, que também se configura, segundo o autor, como uma forma de exclusão social. O Brasil tem milhões de pessoas incapazes de ler e escrever. Mais assustador ainda deve ser o número de analfabetos e destituídos digitais, despreparados e sem mínimas condições para viver e interagir com as máquinas.

A informação como mercadoria

A partir dos anos 70, conforme Aun (2001), passamos a vivenciar o surgimento de uma nova ordem mundial, regida principalmente pelo liberalismo econômico e pelo avanço tecnológico. Essa versão atualizada do capitalismo tem como pilares de sustentação as novas TI e o processo de globalização econômica. A nova Era Informação provoca o surgimento de novas relações econômicas, sociais, políticas, educacionais e culturais, apresentando como principais características a escala planetária, o tempo real, o anonimato e a descentralização.

Segundo a autora, a informação, esse novo componente econômico, social, cultural, educacional e político, uma mercadoria imaterial e incorpórea que passa a ser o novo alimento das relações de poder dentro da ótica capitalista.

Segundo Dosi (1998), apud Castells (1998), estudos vêm comprovar uma estrita relação entre a criação e difusão do conhecimento, a competitividade, a produtividade e a acumulação. A informação gera conhecimento e este sustenta as novas relações de poder no mundo atual. A inexistência de interação entre as inovações tecnológicas e sua conseqüente aplicação aos valores humanos e sociais leva a um aprofundamento ainda maior dos desníveis econômicos e sociais, gerando processos de exploração, exclusão e dominação.

Os chamados bens informacionais não são realmente de domínio público como muitos defensores das tecnologias de informação acreditam. Conforme Aun (2001), de fato, têm-se a impressão de que a informação está mais acessível ao grande público tornando os cidadãos mais independentes. Muitas vezes essa facilidade de acesso é divulgada como acesso à cultura e à educação, mas na verdade essa acessibilidade trata-se de mais uma atividade ligada ao consumo dentro da ótica capitalista. 

A função do acesso à informação no sentido de possibilitar a inserção do indivíduo em aspectos culturais, econômicos e sociais não se concretiza. A criação e a comercialização de informações encontra-se restrita a um número seleto de detentores, que as retêm ou as comercializam conforme seus interesses. Mantêm-se dessa forma as relações de poder já existentes, porém no contexto atual, a informação é o bem passível de ser transformado em capital. Por se tratar de um bem imaterial, o conhecimento produzido continua retido na sua origem. Aquele que gera a informação continua dominando todo o seu processo.

Dentro do novo conceito de economia mundial, a idéia de consumidor (de informação) torna-se ainda mais refinada e divide essa nova sociedade em três grupos: o dos produtores, o dos consumidores e o dos não produtores e consumidores (excluídos).

A EXCLUSÃO DIGITAL COMO PROCESSO ECONÔMICO E SOCIAL

Muitos dos defensores dos avanços introduzidos pela evolução das tecnologias de informação têm como principal ponto de vista as questões técnicas, tais como ampliação das redes de cabeamentos, aumento da velocidade de transmissão, desenvolvimento de inteligências artificiais, comercialização de equipamentos e serviços. Quando o tema da exclusão digital é considerado, muitos desses defensores continuam presos ao conceito material do problema.

De acordo com Schuwartz (2000), o grande equívoco está no fato das atenções estarem concentradas em indicadores quantitativos como número e distribuição territorial de equipamentos, sistemas físicos de conexão, etc.; ao invés de serem avaliadas as questões mais substantivas, que não são resolvidas apenas pela tecnologia, pois dependem do uso e das políticas que cercam a tecnologia e lhe dão conteúdo. Segundo o autor, o maior risco, com a disseminação de redes de informação, é o de se observar apenas a reprodução dos padrões de aceitação política e de passividade intelectual que predominaram nas relações da sociedade.

(Levy, 1998) também afirma que o propósito do desenvolvimento dos recursos computacionais e das redes não é mais o de desenvolver máquinas cada vez mais capazes de processar e até mesmo de tomar decisões, mas sim, a inteligência coletiva, isto é, a valorização, a utilização otimizada e a colocação em sinergia das competências, imaginações e energias intelectuais, independentemente de diversidade qualitativa e de sua localização para o bem da sociedade.

As dimensões sociais, econômicas, políticas e culturais das novas tecnologias da informação, como anteriormente tratadas, passam a despertar maior interesse de pesquisadores e estudiosos do assunto. Castells (1998) analisa as relações de consumo e de produção para determinar as origens da exclusão digital. Nesse processo são igualmente identificadas as relações que levam a desigualdade, pobreza e miséria. As grandes desigualdades sociais, a má distribuição de renda e a falta de políticas de educação são consideradas pelo autor como as principais razões para a exclusão digital. De fato, é difícil imaginar um amplo acesso aos recursos da rede em países onde os esgotos correm a "céu aberto" e pessoas tem rendimentos financeiros inferiores ao mínimo aceitável para sobrevivência.

A introdução da nova ordem mundial ainda vem acentuar mais as desigualdades sociais e econômicas, principalmente em países em desenvolvimento. O número de pessoas vivendo em condições miseráveis tem aumentado significativamente e as desigualdades econômica e social têm-se tornado mais críticas. De fato, muitos pesquisadores apontam o crescente desemprego, a queda dos valores salariais e os processos de terceirização como reflexos da automação e da migração dos recursos da produção para o investimento financeiro, somente viável após a implantação da rede global, interligando os mercados de capitais.

Castells (1998) ainda vem apresentar pontos de análise relacionados a essa exclusão digital que suscitam a reflexão, no que diz respeito, ao processo de empobrecimento e desemprego. A exploração do trabalho acontece de forma mais intensa após o surgimento das TI, derrubando o mito de que a redes tornariam mais fácil o modo de vida da sociedade. O exemplo do setor bancário no Brasil ilustra bem essa realidade. Milhares de trabalhadores que acreditavam numa melhoria do ambiente de trabalho com o auxílio das tecnologias, acabaram desempregados; e os que restaram viram-se obrigados a trabalhar com um nível maior de atribuições e responsabilidades. Grande parte daqueles que perderam seus empregos dificilmente tiveram acesso às tecnologias e à rede novamente. Verificamos então a existência de uma espécie de círculo vicioso: a exclusão digital gerando exclusão social e vice-versa.

CONCLUSÃO

Tentar refletir sobre esse círculo vicioso de exclusões foi o desafio maior proposto neste artigo. Conclui-se que aqueles que estiverem desconectados da rede estarão em última análise fora do mercado. A exclusão digital pode ser também entendida num contexto mais amplo, não somente individual, mas de um grupo ou mesmo de um país. Aquele que estiver fora do mercado, dificilmente terá acesso à rede.  Qualquer pessoa ou grupo que possa ser uma fonte de valor permanece conectado à rede, mas a partir do momento que perde esse valor pode ser facilmente desconectado e dificilmente terá a chance de um uma nova reinclusão.

Castells (1998) chama esses grupos excluídos de "o 4º mundo". Segundo ele, essa categoria seria composta por aqueles que perderam seu valor dentro da sociedade informacional capitalista, por causa da pouca contribuição que eles podem oferecer ou pelo fato de não serem potenciais consumidores. Esses desconectados acabam por ser socialmente excluídos. Ao mesmo tempo os socialmente excluídos não têm acesso à rede por sua pouca capacidade de geração e consumo de informação e conhecimento, sendo, portanto, excluídos dela.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AUN, Marta Pinheiro. Antigas nações, novas redes: as transformações do processo de construção de políticas de informação. 2001. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) IBICT/ECO, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2001, p.42-68.

CASTELLS, Manuel. Information technology, globalization and social development. In: Conference on Information Technologies and Social Development, 1998, Geneva.

DOSI, Giovanni et alter em CASTELLS, Manuel. Information technology, globalization and social development. In: Conference on Information Technologies and Social Development, 1998, Geneva.

LEVY, Pierre. Cybercultura. Educação e Cybercultura. http://portoweb.com.br/pierrelevy/educaecyber.html. Acessado em 11/06/2003.

SCHWARTZ, Gilson. Exclusão digital entra na agenda econômica mundial. Artigo publicado na Folha de São Paulo em 18/06/2000, São Paulo.

BAGGIO, Rodrigo. A sociedade da informação e a infoexclusão. Ci. Inf., Brasília, v. 29, n. 2, p. 16-21, maio/ago. 2000.

Autor: Marcos da Silva Araújo



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