quem é o criador de todas as coisas?



Quem é o criador de todas as coisas segundo Santo Agostinho?



O texto a seguir, tem por objetivo tentar explicar de onde vem o mal segundo Santo Agostinho. Para tanto, acreditamos ser necessário, contextualizar tal problema, com a intenção de ajudar o leitor a entender melhor seu significado. Em segundo lugar, não se pretende da conta aqui, das teses Agostinianas, assim, tal estudo será introdutório, uma vez, que sabemos da riqueza existente na obra ou nas obras desse teólogo e filosofo. Bom, Santo Agostinho, viveu entre os séculos IV e V (354-430) da nossa era, ou seja, d. C. em tal Época, ocorria às chamadas heresias que provocavam, por sua vez, "guerras religiosas extremamente sangrentas". Além das chamadas heresias, acontecia também a institucionalização da Igreja católica no ocidente. Nesta época, havia varias seitas Entre as quais podemos citar, por exemplo, o maniqueísmo . É nesse meio turbulento que se encontra Agostinho, que vive como padre em Hipona e depois se torna bispo dessa cidade. Os confrontos religiosos nessa ocasião eram frequentes, confrontos com os quais Agostinho necessita lidar, como por exemplo, os donatistas e os maniqueístas que viviam em guerras com a Igreja católica que por sua vez, tinha Agostinho no comando. Agostinho era extremamente sábio, quando havia necessidade de agir com objetivo de resolver problemas doutrinários, atuava como um verdadeiro mestre. Quando por exemplo, os donatistas disseram que ele não era digno de ocupar o assento episcopal ele lhes respondeu: "mas quem sou Eu? Teria eu dito que sou um novo messias conhecedor de todas as coisas"?
Partindo do pressuposto que iremos procurar de onde vem o mal, necessariamente somos obrigados a admitir que o mal exista, caso contrario, teríamos uma contradição já a primeiro momento desse texto. Mas será que o mal existe para Santo Agostinho? Se chegarmos à conclusão que o mal existe, teria ele um autor? Se Tiver ele um criador quem é? Talvez seja o homem seu criador, ou será que é Deus? Ora, para Santo Agostinho não foi Deus quem criou todas as coisas? Mas se Deus é infinito, bom e justo como pode ele ter criado algo que não seja bom, então foi o homem, mas sendo Deus quem criou todas as coisas, foi ele também quem criou o homem. Logo, parece também não ser o homem o criador do mal, uma vez, que ele também é uma criação de Deus. Então, "qual é a origem do mal"?

Será que o mal existe: vejamos. Segundo Santo Agostinho o homem corre o risco de cometer equívocos. E por que o homem pode engana-se? Em importante momento das confissões, podemos ler que Para Santo Agostinho, o homem erra sem desejar. O que lhe faz cometer tal erro é o medo que sente. Mas medo de que e de quem? Segundo Santo Agostinho ninguém ama o mal. Mas como o homem é às vezes dominado pelos bens matérias que são belos. (mesmo sendo falsos e passageiros). Santo Agostinho diz serem tais bens O motivo que arrasta o homem para o mal, mas esses objetos quando comparados aos bens divinos não valem apena. Porém, apesar desses bens não valer apena, diz Agostinho, o homem os deseja ardentemente, a tal ponto de não pensar nos meios que usará para obtê-los, por exemplo, alguém que possui o poder pode fazer qualquer coisa para continuar dominando, como um ditador que não quer perder o poder jamais. Assim, esse ditador fará tudo para continuar no comando, não levando em consideração nada que o ameasse. Tendo em vista que aquele que comanda tem medo de perder tal autoridade, combate rigorosamente qualquer coisa que o deixe inseguro. Talvez se possa citar, por exemplo, Nero . Ora, Nero, ordenou que sua mãe fosse executada porque suspeitava que ela houvesse participado de uma conspiração para tira-lo do poder. Pois bem, mesmo no caso citado aqui, parece que Santo Agostinho diria que o ditado supracitado não amava em hipótese alguma esse mal que cometeu as pessoas, sobretudo a sua mãe, mas o motivo de ordenar tais maldades seria o medo que sentia de perder o poder. Vejamos o momento em que Agostinho diz isso: "Alguém matou um homem. E por quê? Ou porque lhe amava a esposa ou o campo, ou porque queria rouba para viver, ou porque temia que lhe tirasse alguma coisa, ou finalmente porque, injuriado, ardia no desejo de vingança. Quem acreditará que cometeu o homicídio só por deleite, se até Catilina , aquele homem louco e crudelíssimo, de quem se disse ser perverso e cruel sem razão: "o receio", diz o historiador, de que o ócio lhe entorpecesse as mãos e o espírito? Por que fim procedia ele assim? Evidentemente, para que, exercitando no crime, alcançasse depois de tomada a cidade de Roma, as honras, o poder e a riqueza, libertando-se do medo das leis e da dificuldade em que o lançara a pobreza da herança e a consciência do crime. "Logo, nem mesmo Catalina amou seus crimes, mas aquilo por cujo fim os cometia". (Agostinho. 1973, P. 51).
A citação a cima deixa claro que para Santo Agostinho os homens não gostão dos atos maldosos que praticam, mas os usam para atingirem o fim desejado. Mas, esse fim não seria também um mal? Ora, os objetos adquiridos em tais ações são fruto do mal praticado. Logo, parecer ser também um mal. Essa é uma objeção que me parece possível, pois talvez seja digna de contra- argumentar estes argumentos. Porém, a pena de Agostinho é muito poderosa. Logo, difícil de ser refutada. Em importante nota das confissões (81), lê-se, que a razão pela qual o homem é conduzido ao crime, é o fato desse lhe enganar. Assim, parece que para Agostinho quando o homem pratica o mal, pensa estar praticando o bem. Mas segundo Agostinho, a casos nos quais os jovens praticam atos estranhos por puro prazer ou divertimento. Agostinho cita como exemplo uma ação feita por ele (Agostinho) em sua juventude. O acontecimento narrado por Agostinho é o seguinte: Passando certo dia por um local no qual havia árvores com frutos, resolver pega-los e atira-los ao vento. No entanto, diz Agostinho, não havia nenhuma necessidade de praticar tal ato, o fez simplesmente por vontade. Cito Agostinho que diz isso melhor: "aqueles pomos eram belos; mas não foram esses que a minha alma depravada apeteceu, pois tinha abundância doutros melhores. Colhi-os simplesmente para roubar. Tanto é assim que, depois de colhidos, os lancei fora, branqueando-me só na iniquidade com cujo gozo me alegrara". (Agostinho. 1974, P. 50).
Parece-me possível a partir da citação anterior, afirmarmos que para Santo Agostinho o mal existe, resta sabermos quem é seu criador. Se admitirmos que Deus seja o criador de todas as coisas, necessariamente, somos obrigados a afirmar que é Deus o criador do mal, caso contrario, teremos uma contradição Lógica. Esta argumentação se sustenta, mas somente a primeiro momento, ao mergulharmos no texto de Agostinho, veremos que tal afirmação é insuficiente para está prova. A partir de agora vamos tentar explicar porque esta argumentação não possui bases solidas. Bom, é verdade que para Santo Agostinho Deus é o criador de todas as coisas que existe, mas ao criar o homem, diz Agostinho, Deus lhe de a liberdade de Escolha, o que Agostinho chama de: "livre-arbítrio". Tendo em vista que o homem possui liberdade, ele pode escolher entre uma coisa e outra, ou seja, ele pode optar entre fazer o bem ou o mal. Assim, parece não ser Deus o criador do mal, senão o próprio homem, pois este possui liberdade de escolha. Vale conferir o que diz Agostinho a seguir: (...) "ó Deus verdadeiro que criastes não só as nossas almas, mas também os nossos corpos, e não só nossas almas e corpos, mas ainda todos os seres e todas as coisas (...). erguia-me para a vossa luz o fato de eu saber tanto ao certo que tinha uma vontade como sabia que tinha uma vida. Por isso, quando queria ou não queria uma coisa, tinha a certeza absoluta de que não era outro senão eu quem queria ou não queria, experimentando cada vez mais que aí estava a causa do meu pecado". (Agostinho. 1973, P. 131).
Uma das coisas que Santo Agostinho estudou muito foi esta questão do mal, pois o grau de complexidade desta questão é grande: Ora, como poderia um ser perfeito que criou tudo bom ter admitido à existência do mal em sua criação, ou seja, no homem. Para tentarmos entender está complicação, veremos o seguinte. Segundo Étienne Gilson, tudo que Deus criou possui três perfeiçoes, a saber, medida, forma e ordem. Cito Gilson a seguir: "Para sair do embaraço, basta constatar os atributos universais que fazem as coisas criadas serem boas. Qualquer que seja a substância que consideremos, espiritual ou corporal Deus lhe conferiu a medida, a forma e a ordem (modus,species,ordo). Assim, dado que toda natureza consiste em três perfeiçoes, toda natureza é boa por definição". (Gilson. 2006, PP.272-273).
Tais afirmações vista acima dizem respeito às coisas em seu estado natural. Diz Gilson. Quando se trata de males morais as regras são outras, pois agora temos a atuação do homem, cujo ressudado dependerá do bom, ou do mau uso que ele fizer do livre-arbítrio. "Ora, o uso do livre-arbítrio está á disposição do próprio livre-arbítrio. Fonte de toda ciência, a razão conheci a si mesma; conservadora de todas as lembranças, a memória lembra-se de si mesma; mestra de todas as coisas de que dispõe livremente, a vontade livre é igualmente mestra de si mesma. Logo, dela, e só dela, depende o mau uso do bem que ela é". (Gilson. 2006, P. 277).
O que faz com que o homem faça mal uso do livre arbítrio, dado por Deus, segundo Gilson é o orgulho. Para Gilson o homem deseja ser autossuficiente, e ao tentar ser totalmente independente, cai em erros que se soubesse obedecer não os cometeria. Segundo Gilson foi este o pecado praticado por Adão, ou seja, o pecado original, uma vez, que para Santo Agostinho o erro original, foi obra do livre-arbítrio. Assim sendo, quando Adão e Eva disseram que foram obrigados a comer algo proibido, teria sido na verdade seu orgulho que fez com que eles colocassem a culpa em terceiros. Cito Gilson. "A serpente me seduziu", e eu comi este fruto; o orgulho busca reportar a outrem o crime do qual é responsável; a transgressão voluntaria da ordem acusa a si mesma no momento preciso em que ela tenta se desculpar". (Gilson. 2006, P.285).
São por estes motivos que Santo Agostinho acredita ser o pecado original obra do livre-arbítrio. Assim, ao comer o fruto proibido tanto Adão quanto Eva desobedeceram a uma vontade superior, e usaram sua própria vontade que é livre. Logo o autor de tal pecado é o próprio homem, e não podemos responsabilizar Deus por isso.
Como já visto neste texto, para Santo Agostinho o homem às vezes pratica o mal sem saber, ou seja, se engana pensando que este é um bem. Outo motivo que segundo Agostinho leva o homem a erra, é o desejo de ser importante e de adquirir, por exemplo, bens matérias. É importante ressaltar, que Deus não criou o homem mal, diz Agostinho, mas está herança veio do primeiro homem, ou seja, De Adão. Uma Vez adquirida tal herança, o homem tenta liberta-se, mas não consegui, e o que foi um erro de Adão, espalhou-se para todos os homens como um grande mal, pois se transformou em natureza. A citação a seguir esclarece estes fatos: "As duas consequências do erro original, ao qual Agostinho sempre associa ao mencioná-las, são a concupiscência e a ignorância. Dado que esses dois vícios tinham sido excluídos por Deus da natureza humana tal como ele havia concebido, pode-se dizer sem exagero que, pela vontade má do primeiro homem, a natureza humana encontra-se mudada. O mal que tinha sido em Adão apenas um erro, propagando-se até nós, tornou-se o mal de uma natureza. Uma natureza viciada e viciosa a partir de então substituindo uma natureza boa". (Gilson. 2006, PP.286- 287).
Além do livre- arbítrio que responsabiliza o homem por suas ações, tirando de Deus qualquer responsabilidade, Agostinho afirma, ainda, que tudo que Deus criou é bom, ao contrario, o mal é aquilo imperfeito e não pode ser obra de Deus. Ora, Agostinho não pode admitir imperfeição na obra de Deus, se assim fosse, teria que dizer ser o universo imperfeito. Segundo Gelson, há dois princípios na metafisica de Agostinho, que provam não ser o mal obra de Deus, a saber, tudo o que existe é por natureza bom, o mal seria a falta, ou seja, aquilo que não é. "todo ser é um bem; todo bem é obra de Deus, que tem simultaneamente o Ser e o bem supremos; ao contrario, toda falta tende ao não ser de onde o que não é Deus tira sua origem. Assim, pode- se encontrar a razão suficiente para a introdução do mal nesse mundo ao considerar apenas a única natureza do bem, pois, como vimos, o erro original foi uma simples defecção" (Gilson. 2006, P.290). Esta interpretação de Gilson é interessante, pois, como sabemos, Agostinho é um leitor dos textos Platônicos, os quais lhes chegaram através de Plotino. Em tais textos existe a ideia de quer o mal é apenas a ausência de bem, o que Agostinho parece está de acordo, ou que a escuridão é ausência de luz. (...) "afastava-me da verdade com a aparência de caminhar para ela, porque não sabia que o mal é apenas a privação do bem, privação cujo ultimo termo é o nada". (Agostinho. 1973, P. 63).
Assim, Agostinho diz que o homem perdeu aquilo que Deus lhe deu, ou seja, a natureza do bem, porém, isso não significa que tudo está perdido, o homem pode ter o que perdeu de volta. É importante ressaltar que para errar, o homem não precisou de Deus, uma vez que possui o livre- arbítrio, mas para reestabelecer seus dons ele necessita de Deus. Mas qual será o meio pelo qual o homem poderá ter o bem que perdeu? Bom, Para Agostinho o homem se salva pela graça. Esta graça não pode ser adquirida por meios de ações praticadas pelo homem posteriormente, ou seja, depois da queda, quando o homem caiu no pecado, ao contrario, diz Agostinho, a graça é algo gratuito dado por Deus ao homem. A citação a seguir esclarece melhor está questão: "Para o homem, portanto, a aquisição da graça é uma condição necessária para a salvação. Alguns creem obtê-la por meio de suas boas obras, mas isso é inverter indevidamente os termos do problema. A graça não seria gratuita, ou seja, não seria graça, se fosse possível merecê-la. Ora, o começo da graça é a fé. A fé ocorre antes das obras; não porque as dispense e as suprima, mas, ao contrario, porque estas decorrem dela". (Gilson. 2006, P. 292.).
Na citação a cima Gilson deixa claro, que o homem depende de Deus para sua salvação, pois por si só, não é capaz de livra-se do erro original herdado de Adão. E ainda, as obras existem ante da fé, pois, é com a fé que se adquire as obras. Assim, segundo Gilson, fé é em Agostinho é sinônimo da graça, uma vez, que é o inicio desta. (...) acabamos de ver que a fé é o começo da graça; logo, ela já é a graça (...). (Gilson 2006, P. 293.) Está dependência que o homem tem de Deus para obter a graça segundo Agostinho, deixa de imediato, espaço para uma objeção, que é a seguinte: se o homem é incapaz de livra-se do pecado original, só Deus, como já vimos, poderá salva-lo deste mal adquirido. Ora, se Deus atua com objetivo de resgatar este homem, parece possível dizermos, que neste momento, o homem não é completamente livre, ou seja, Deus interfere em seu livre- arbítrio. Vejamos o que segundo Gelson, diz, Agostinho a este respeito: (...) "Deus infalivelmente obter de nós, sem modificar nossa vontade, os atos livres que sua justiça e sua sabedoria querem obter. Mas mesmo se ele submete nossa vontade à influência de graças às quais ele sabe que ela sentirá Deus não faz com quer deixe de ser uma vontade nem deixe de ser livre". (Gilson). 2006
PP294-295.). Com tal argumentação, Gelson mostra que o papel da graça não é interferir na vontade do homem, no sentido dele perder a liberdade, mas o objetivo é ser uma espécie de guia sem o qual o homem não pode ser salvo. "A graça Agostiniana pode, portanto, ser irresistível sem ser constrangedora, pois ou ela se adapta à livre escolha daqueles que ela resolveu salvar, ou, transformando internamente à vontade à qual se aplica, a graça faz a vontade se deleitar livremente com isso que seria repugnante sem a graça". (Gilson. 2006, P.295.).
Para Gilson está ausência de liberdade que segundo Agostinho existe no livre-arbítrio tem origem no pecado original, e como o homem não é capaz de liberta-se por si só, se faz necessário o socorro de Deus: "ao restaurar em nós o amor de Deus, do qual nossa vontade primeira era capaz, a graça lhe restitui sua dominação sobre o corpo e sobre as coisas materiais; longe de abolir a vontade, a graça refaz uma boa vontade, liberta-a; do livre-arbítrio, sempre intacto em sua essência, ela refaz uma liberdade". (Gilson. 2006, P. 311.).

Autor: Flavio Campos Lima


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