A Medida Provisória N.2196-3/2001 E A Transmutação Dos Débitos Rurais Em Débitos Tributários - Inconstitucionalidade Por Subversão A Supremacia Da Constituição



A MEDIDA PROVISÓRIA N.2196-3/2001 E A TRANSMUTAÇÃO DOS DÉBITOS RURAIS EM DÉBITOS TRIBUTÁRIOS - INCONSTITUCIONALIDADE POR SUBVERSÃO A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO

Antônio Ferreira Leal

Advogado no Estado da Bahia, com especialização em Direito Tributário

Antônio Ferreira Leal Filho

Promotor de Justiça e Mestre em Direito Constitucional – Universidade Federal do Pernambuco

1. A Supremacia da Constituição

Sob os auspícios do Estado liberal onde se avulta o axioma de se garantir a felicidade de poucos em detrimento do bem estar da maioria, se edificou uma exorbitante epítome tributária, registra-se que através da Medida Provisória nº2.196-3/2001, transformou-se débitos agrícolas, instituídos em vetustas Cédulas Rurais Hipotecárias, em débito tributário. Portanto, a MP 2196 DA DAÇÃO – com um estratagema transmudou os créditos rurais submetidos a controvérsia jurídica e contestação de valores, em título de liquidez absoluta, de natureza tributária e obrigatoriedade compulsória. As dívidas agrícolas originárias da securitização e do Pesa, foram vertidas em dívida tributária. Abrindo a perspectiva para inscrição do débito do produtor rural na Dívida Ativa da União, registro de seu nome no CADIN e a cobrança através de executivo fiscal.

Essa conduta tergiversou dos parâmetros de constitucionalidade pois não está conformes com a superlegalidade formal e material delineada na Carta da República.

Ao falar-se do valor normativo da constituição aludiu-se à constituição como Lex Superior, quer porque ela é fonte da produção normativa - superlegalidade formal - a constituição como norma primária da produção jurídica, conferindo à ordem infraconstitucional e aos atos dos poderes públicos sua medida e forma, quer porque lhe é reconhecido um valor normativo hierarquicamente superior superlegalidade material que conduz a exigência da conformidade substancial de todos os atos do Estado e dos poderes públicos com as normas e princípios hierarquicamente superiores da constituição.1

Da conjugação destas duas dimensões – superlegalidade formal e superlegalidade material – deriva o princípio fundamental da constitucionalidade dos atos normativos: os atos normativos só estarão conformes com a constituição quando não violem o sistema formal, constitucionalmente estabelecido, para produção desses atos, e quando não contrariem, positiva ou negativamente, os parâmetros materiais plasmados nas regras ou princípios constitucionais.2

Precisamente por isso, a lei constitucional não é apenas – como sugeria a teoria tradicional do Estado de direito – uma simples lei incluída no sistema ou no complexo normativo do Estado. Trata-se de uma verdadeira ordenação normativa fundamental dotada de supremacia – supremacia da constituição – e é nesta supremacia normativa da lei constitucional que se expressa de imediato as dirimentes a serem compulsoriamente observadas.

No momento que se editou a Medida Provisória 2196, através de ardis mirabolantes, transformou-se os débitos rurais em débitos tributários. Subverteu-se os liames constitucionais, pois para a instituição de tributos e a majoração de alíquotas deve-se atentar para os princípios garantísticos impostos pela Lex Mater.

2. Das Limitações ao Poder de Tributar: Princípios Constitucionais da Tributação.

A análise do Sistema Constitucional Tributário deve sempre partir do conteúdo dos princípios que o regem.

2.1. Princípios da reserva de lei ou da legalidade estrita.

Depreende-se que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito federal e aos Municípios instituir ou aumentar tributos sem que a lei o estabeleça ( art. 150, I).

No caso em comento a genética do débito foi um contrato rural sinalagmático, de natureza privada, assinado entre o Banco e o produtor rural.

A descrição da regra-matriz de incidência tributária, bem como o aumento, majorando a base de cálculo ou alíquota vinculam-se a expedição de lei. É importante ressaltar que o Princípio da Legalidade estabelece também a necessidade de que a lei traga em seu bojo os elementos que compõe a obrigação tributária (hipótese de incidência; sujeito ativo; sujeito passivo; base de cálculo e alíquota), sendo que a este plus damos o nome de tipicidade tributária, o que para alguns doutrinadores corresponde a um outro princípio (Princípio da Tipicidade), mas que pode também ser decorrência do próprio Princípio da Estrita Legalidade.3

A importância histórica desse princípio, em defesa da propriedade individual, vem ressaltado no item 12 da MAGNA CHARTA LIBERTATUM, outorgada pelo Rei João Sem Terra em 15 de junho de 1215.4

STJ – o sistema tributário brasileiro tem como princípio basilar proeminente, decorrente de regra constitucional, o da legalidade: só a lei cabe instituir impostos, definir o fato gerador e estabelecer prazos e condições de pagamento. (STJ – 1a. Turma – Resp. n.31.100-0 – SP. Rel. Min. Demócrito Reinaldo. Ementário STJ, 8/806).

A Medida Provisória não identifica o fato gerador, a alíquota aplicável, a época do lançamento.

Qual o fato gerador deste tributo criado pela MP convertida em Lei? Qual a alíquota definida para cobrança desse tributo? Nada há especificando. Portanto a inconstitucionalidade é premente. Não há suporte para sua integridade.

A Juíza de Direito Cristiane Busatto Zardo, de Rio Pardo, RS, proferiu sentença acolhendo pré-executividade, determinando a extinção de execução fiscal promovida contra produtor rural daquele município, cobrando dívida que tem origem na securitização. Na decisão, a Juíza acolheu a tese a qual a Procuradoria da Fazenda Nacional não tem competência para cobrar dívidas que não tenham natureza tributária ou fiscal. Com isso, não houve penhora dos bens.

2.2. Princípio da irretroatividade da lei tributária

De acordo com este princípio é vedado cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado.

A medida provisória criando o tributo somente poderá prevalecer para os contrato futuros que guardem essa possibilidade de comutação. Portanto os contratos havidos antes da edição da MP, não serão alcançados, pois a Carta Magna obstaculiza a retroação máxima da lei. Trata-se de norma imprescindível à garantia da segurança jurídica do contribuinte.

A Carta da República ratifica que os tributos instituídos serão cobrados de forma pró-ativa, isto é, para frente, não podendo atingir fatos geradores pretéritos.

2.3. Princípio da anterioridade.

Preconiza a proibição de que um tributo seja cobrado no mesmo exercício financeiro em que haja publicado a lei que o aumentou ou o instituiu. O lançamento dos tributos está vinculado a cada exercício financeiro ( 1º de janeiro a 31 de dezembro de cada ano).

Consoante Alexandre de Moraes o princípio da anterioridade, por configurar umas das maiores garantias tributárias do cidadão em face do Estado/Fisco, foi consagrado pelo Supremo Tribunal Federal como cláusula pétrea, nos termos do art. 60, pará. 4, IV.

Continua: assim, além de constituir um dos princípios constitucionais tributários, o princípio da anterioridade tem natureza jurídica de garantia individual, pois assegura a possibilidade de o contribuinte programar-se contra a ingerência estatal em sua propriedade, preservando-se, pois, a segurança jurídica.5

2.4. Princípio da proibição de tributos com efeitos confiscatórios

O tributo não deve subtrair mais do que uma parte razoável do patrimônio ou da renda do contribuinte. È vedado a instituição de tributo com efeito de confisco.

Neste caso é evidente o caráter confiscatório da MP, pois o débito tributário instituído pela MP ultrapassa o valor da propriedade, onerando sobre maneira o contribuinte, revelando caráter confiscatório.

Consoante Sacha Calmon uma taxa exorbitante, desmedida em relação ao serviço ou ato prestado, pode ser contestada com esforço no princípio do não-confisco, que é princípio de contenção ao poder do legislador sobre tributos. Imagine-se a cobrança de uma taxa de expediente pelo fornecimento de passaporte em valor superior ao que despenderia o contribuinte com a viagem ao exterior. Estar-se-ia confiscando o seu dinheiro (propriedade lato sensu) e ferindo o direito de ir e vir, o de entrar e sair do país com os seus bens, direitos de radicação constitucional. Oportuna a aplicação do princípio às taxas, por isso que a prestação tributária dessa exação, em grande parte, oferece rebeldia a critérios objetivos de medição, sendo fixada, freqüentemente, a forfait, isto é, aleatoriamente: por certidão de bens antecedentes, 20 dinheiros, por alvará, duzentos mil-réis, etc. Difícil mensurar o custo dos serviços. Aqui precisamente o domínio da razoabilidade. A desrazão pode descambar para o confisco. Este é vedado pela Constituição quando se perfaz pelo exercício abusivo da competência legislativa tributária.

O Supremo Tribunal Federal tem entendido que, sequer nos casos de fraude inequívoca, em que as medidas punitivas são mais rigorosas em face do dolo comprovado, poderão subsistir penalidades confiscatórias, tendo na ADIN 551-RJ, concedido medida liminar, consoante se lê da ementa:

'Ação Direta de Inconstitucionalidade — Parágrafos 2º e 3º do art. 57 do ADCT do Estado do Rio de Janeiro , que dispõem sobre multa punitiva nas hipóteses de mora e sonegação fiscal. — Plausibilidade da irrogada inconstitucionalidade, face não apenas à impropriedade formal da via utilizada, mas também ao evidente caráter confiscatório das penalidades instituídas." (RTJ-138/55)'.

3. Conclusão

Celso Antônio Bandeira de Melo6, em sua obra Elementos de Direito Administrativos ressalta a importância dos princípios constitucionais na administração pública, a proclamar: Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço e corrosão de sua estrutura mestra.

Temos, portanto, que os princípios constitucionais gerais, especiais e específicos da tributação, revelam as garantias asseguradas ao contribuinte, na medida em que constituem regramentos e balizamentos para a atuação estatal. Tais princípios são plenamente eficazes, no sentido de não dependerem de lei complementar para sua incidência direta e imediata aos casos ocorrentes. A sua subversão importa em inconstitucionalidade em face da superioridade material e formal da Constituição. O título extra judicial que aparelhará a Ação de Execução Fiscal – certidão de dívida ativa - é nulo de pleno direito, porquanto carrega em seu bojo defeitos inconvalescentes e desnaturados que lhe retiram a força executiva.

4. BIBLIOGRAFIA

BANDEIRA DE MELO, Celso Antônio. Elementos de Direito Administrativos. 2 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.

BRANDÃO, Caio Rogério da Costa. O Poder de Tributar: limitações e o controle difuso de constitucionalidade – Resolução Senatorial. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 142. Disponível em:<http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=805> Acesso em: 26  nov. 2006.

CANOTILHO. Direito Constitucional e Teoria Constitucional. LIVRARIA ALMEDINA – Coimbra – Portugal.

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas.

1 CANOTILHO. Direito Constitucional e Teoria Constitucional. LIVRARIA ALMEDINA – Coimbra – Portugal, pág. 244.

2 CANOTILHO. Direito Constitucional e Teoria Constitucional. LIVRARIA ALMEDINA – Coimbra – Portugal, pág. 247.

3 BRANDÃO, Caio Rogério da Costa. O Poder de Tributar: limitações e o controle difuso de constitucionalidade – Resolução SenatorialBoletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 142. Disponível em:<http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=805> Acesso em: 26  nov. 2006.

4 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, pág.1691.

5 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, pág.1696.

6 Bandeira de Melo, Celso Antônio. Elementos de Direito Administrativos. 2 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 50.


Autor: Antônio Leal


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