Interface da Arquivologia com outros saberes no campo informacional



Interface da Arquivologia com outros saberes no campo informacional Maria Lucia Valada de Brito RESUMO Este texto trata a respeito da interface que a Arquivologia faz com outros saberes no campo informacional. Discute-se a importância da proveniência do documento, dos impactos da TI, das Trilhas de Auditoria, memória institucional e a preservação digital. A TI descreve um novo contexto na sociedade multidisciplinar dos saberes. Para elaborar o presente trabalho, partiu-se das indagações dos autores como Ana Maria de Almeida Camargo, Terry Cook, Charles Dollar, Maria Nélida González de Gómez, Jean Yves Rousseau. Como procedimento metodológico, optou-se por analisar as citações bibliográficas das referências apresentadas pela professora e realizar pesquisas na Internet e em bibliotecas. Palavras-chave: Arquivologia, Tecnologia da Informação, Preservação Digital 1 Introdução. A Arquivologia faz interface com diversas ciências, entre elas, a Diplomática, a Tecnologia da Informação e a Ciência da Informação. Optou-se por ampliar a discussão sobre a interface da Arquivologia com a Tecnologia da Informação, apesar de saber-se que todas elas se inter-relacionam, em algum momento. Sabe-se que há interdisciplinaridade entre todas as áreas. A base da interdisciplinaridade vem da necessidade de se incorporar elementos de outras áreas, e, por isso, acontece a possibilidade de se romper e haver uma crítica das fronteiras das ciências que estão sendo estudadas. Assim, percebe-se que há uma necessidade de se incorporar em uma determinada área, ou metodologia, outras questões consolidadas de áreas afins. O objeto de estudo da Arquivística e da Ciência da Informação é a informação. Para a primeira, a informação que está contida nos documentos, é intrínseca, restrita ao objeto. Já para a segunda, ela estuda a informação no sentido mais amplo, no lato senso. O objetivo deste trabalho é mostrar as interfaces da Arquivologia com a Tecnologia da Informação, pois essa tecnologia é cada vez mais predominante e importante em nossas vidas diárias e também na vida dos documentos e da informação. Conseqüentemente, a interdisciplinalidade com essa tecnologia é um imperativo para a Arquivologia. 2 Apresentação da discussão Na interface da Arquivologia com a (Tecnologia da Informação)- TI, segundo Camargo (1994), há a questão do dado isolado do contexto. Ela esclarece que o documento só tem significado dentro de um conjunto, que nunca se estuda a peça individual na Arquivologia. Assim, a crítica da originalidade de um documento só é possível se ele estiver vinculado à seqüência original, obedecendo ao princípio da proveniência. Ao abordar o ciclo vital de um documento, nas questões que envolvem a mutação do suporte, novos problemas são trazidos para a Arquivologia: o modo de transferência e a interdependência. Muitas vezes, na TI, o documento é visto sozinho, isolado do contexto, na leitura do dado, mas ele não pode estar isolado para os conceitos da Arquivologia. Acrescenta-se a isso o fato de que, no ciclo vital, ocorrem inúmeras transformações com mutação do suporte. A TI tem que ter capacidade para controlar, garantir e preservar o documento nas mudanças do suporte em seu ciclo vital. A arquivística do sentido é a informacional, isto é, a ciência que trabalha com a acumulação física, metros lineares ou metros cúbicos. Isso é definido por Camargo (1994) como um termo pejorativo. A autora defende que a arquivística do sentido deve ser "decifradora dos dados documentários e questionadora das fontes adormecidas", nos suportes tradicionais. Não se pode dizer que há consenso em tratar e definir o universo documental das áreas dos arquivistas, bibliotecários, documentaristas e profissionais de TI, pois esses profissionais conhecem a questão da preservação nos novos suportes, que engloba a durabilidade, legibilidade, interveniência da máquina e obsolescência tecnológica. Camargo (1994) questiona o tratamento que vai ser dado aos documentos quando eles mudarem de suporte, quem vai decifrar os dados e definir a forma de acesso a eles. Sempre vai haver uma intermediação, intervenção da máquina para acessar a documentação eletrônica. A preocupação com os novos suportes é como vai ser possível fazer o acesso, a manutenção do todo orgânico, quando se tem uma nova conjuntura de produção e acumulação. A interrogação aqui é sobre a definição das fontes dos documentos que vão estar em outro suporte eletrônico. Uma das premissas básicas da Arquivologia é garantir o principio da proveniência do documento. A autora Camargo (1994, p. 39) comprova que o princípio da proveniência pode ser colocado fora do terreno da informação. Esse princípio é objeto de trabalho e constitui uma das preocupações do arquivista, que busca a garantia do respeito à acumulação orgânica de documentos, sua manutenção e tratamento do conjunto orgânico. Dessa forma, será preservado o acesso físico a um documento para qualquer pessoa, ou organização, que dele necessite. A leitura de documentos de arquivo só é possível para uma grande cadeia de usuários porque existem formas padronizadas de acesso àquele conjunto. O historiador, por exemplo, quer estudar o conjunto, o todo e isso só vai ser possível se o conjunto estiver organizado. Os instrumentos de pesquisa não podem ser restritivos e seletivos para que seja garantida a polissemia no uso do arquivo. Dessa forma, deve se remeter à perspectiva estrutural ou funcional do arquivo. O autor Dollar(1994), ao analisar os impactos da TI sobre os princípios e práticas de arquivo, relata que em algumas idéias há consenso e em outras não. Ele fala sobre a realidade cada vez mais presente e importante da tecnologia para utilização da informação. A natureza mutável da documentação está no surgimento de novos suportes digitais e eletrônicos, nos dados que estão gerando informação e na informação gerando textos. A velocidade com que a informação é criada, acessada e transmitida utilizando a tecnologia é formidável, mas há resistência na natureza mutável dos documentos, talvez, por ter mudado o sentido do tempo por causa da velocidade, da produção e da disponibilização da informação, ou pela necessidade de maior integração e compartilhamento de setores de trabalho em equipe. Assim, a tecnologia tem a característica de ser mutável e impactante e constitui um desafio em termos de preservação e conservação dos documentos. O autor discute o imperativo tecnológico e a mutação, em termos de conceitos arquivísticos e práticas básicas no sentido de documento e ordem original. Enquanto o documento for útil, ele tem que ser identificado, conservado e acessível. Por isso, as questões de legibilidade, interoperabilidade, migração, manutenção das características de autenticidade e fidedignidade têm que ser observadas até mesmo quanto o documento está no suporte eletrônico. Outra questão discutida pelo autor é o que pode ser considerado documento e o suporte original no meio eletrônico e digital. O surgimento dos "metadados" fez surgir uma interrogação e a necessidade da busca em se criar e definir a autenticidade, enquanto prova contemporânea de documento autêntico. Outra interrogação para o autor são as Trilhas de Auditoria. Ele fala da dificuldade da TI em resolver automaticamente a autenticidade dos documentos (registros) eletrônicos. Por isso, além da tecnologia ser um imperativo, esse imperativo provocou mudanças em termos de conceitos arquivísticos e práticas básicas de arquivo no sentido de documento e ordem original. Ele discute isso como de fácil visualização e identificação no suporte convencional. O autor questiona o que é documento e suporte original no meio eletrônico e digital e como se pode obter a perda da definição nos documentos eletrônicos ao serem transportados para outro meio, ou na migração. Sobre a ordem original, que é um conceito enraizado fortemente na noção de um todo orgânico e representa uma organização como se fosse um organismo vivo, o autor questiona como isso será visto pela TI. Além disso, ele questiona sobre a Arquivologia que entra em choque com os imperativos tecnológicos, pois o conteúdo intelectual dos documentos que se relacionam e a localização física de um documento em relação ao outro é percebida e real, mas nos os registros eletrônicos, que não existem como entidade física e não exigem conteúdo intelectual de ligação, as relações são lógicas e estão separadas no meio eletrônico e por isso são virtuais. A TI impulsiona o compartilhamento, trabalho em equipe e impôs novas regras de trabalho. Criaram-se manuais e normas para utilização de redes tecnológicas. Dessa forma, aquele arquivista, que antes trabalhava sozinho descrevendo aquele fundo, não produz mais conhecimento, e nem registra mais as informações necessárias ao usuário da atualidade. O profissional teve que se adaptar a uma nova realidade, pois corre o risco de se tornar obsoleto. Torna-se, assim, imperativo que o profissional se atualize constantemente e tenha maior capacidade em utilizar as novas técnicas e ferramentas disponibilizadas pela TI. Os autores Rousseau e Couture (1999) falam sobre a TI em relação à preocupação em "produção dos documentos digitais que não chegariam à idade permanente". Alguns autores vêem isso como valorização da informação, dos documentos e, consequentemente, do profissional que irá trabalhar nessa interação da TI com Arquivologia. O arquivista que atua na gestão de documentos deve tornar-se um provedor para a tomada de decisões. A informação é um recurso que o profissional de arquivo deverá prover e precisa ser bem gerenciada para satisfazer usuário na tomada de decisão. Para os autores, a informação pode estar registrada em diversos suportes e os tipos diferentes, mas o que importa é a melhor gerência de informações para a tomada de decisões, com os recursos disponibilizados pela TI. Dessa forma, a TI facilita a gestão da informação quando a tecnologia é apreendida pelos usuários na recuperação da informação e na preservação dos documentos. Quanto à memória institucional, o autor Cook (1998, p. 137) defende que a instituição deveria aplicar a lógica da metodologia a todos os seus registros, e não apenas àqueles com valor arquivístico permanente, gerando assim eficiência administrativa e, o mais importante, a memória corporativa estaria mais bem formada. Esse problema remete ao arquivista outra preocupação em que ele estude a TI cuidadosamente para que ele possa criar registros digitais de valor arquivístico de uma forma global, envolvendo e formando toda uma memória institucional completa. O autor define os documentos eletrônicos como "impalpáveis equivalentes ou substitutos eletrônicos". Para o autor, os documentos eletrônicos, a análise funcional e as decisões de avaliação delas resultantes devem ser feitas cedo, no processo de criação de documentos, melhor se fosse antes de criar o primeiro documento, no estágio de desenho do sistema de computador e não depois da criação e uso do documento, quando pode haver o benefício de uma visão retrospectiva sobre a avaliação. Buscar-se á, a seguir, alargar os horizontes de compreensão dos problemas envolvidos pelos novos caminhos que a TI vem oferecendo sem perder o foco da discussão que é a interface da Arquivologia com a TI utilizando a informação. 3 Ampliação da discussão. A partir de 1990, o surgimento da Internet traz as questões do campo da TI para a Arquivologia. Como os documentos digitais poderiam ser considerados quanto à autenticidade e originalidade. A TI trouxe a transposição dos documentos em papel para os para novos suportes, eletrônicos. Por isso, os profissionais de Arquivologia tiveram que discutir sobre os problemas de análise dos critérios de autenticidade, confiabilidade ou fidedignidade e completude da forma nos documentos eletrônicos. O objeto da Arquivologia é o documento de arquivo e, dentro dela, a Diplomática, cujo objeto está no estudo da estrutura da forma. Todos esses estudos e normas podem ser levados para os documentos digitais O estudo da completude da forma é essencial para os documentos eletrônicos. Ele busca criar pré-requisitos ou requisitos essenciais para verificar os "metadados" com vistas à manutenção dos documentos gerados nos suportes eletrônicos. Dessa forma, a Arquivologia vai buscar elementos de outras ciências, para entender melhor o documento de arquivo. A Arquivologia, através da Diplomática, vai informar à TI como é possível garantir que o documento eletrônico tenha a autenticidade, fidedignidade e completude da forma no suporte digital. González de Gómez (2009) considera que, no mundo contemporâneo, através dos novos movimentos de mundialização apoiados pelas técnicas digitais, é cada vez mais valorizada a informação como recurso para tomada de decisões. A TI se apresenta como uma facilitadora para o acesso rápido à informação contida nos documentos e para sua preservação. Assim, sobre essa tecnologia, aqueles que não tiverem procedimentos adequados de uso, conservação e avaliação estariam perdidos pela fragilidade do suporte e obsolescência do software e hardware. A Arquivologia, ao compartilhar projetos interdisciplinares, faz interface, e tem a necessidade de se fazer interdisciplinar com outras ciências, como a TI. Há cada vez mais oportunidades para o profissional ampliar sua área de atuação, se souber usar a TI como aliada e ferramenta para o progresso no acesso, preservação e controle da informação. Assim, os arquivistas estarão em condições favoráveis para atuarem como especialistas, agentes do conhecimento, ao interagir com os profissionais de TI. E, para que isso ocorra, os arquivistas têm que estar constantemente se aperfeiçoando e agregando conhecimentos novos face às inovações que a TI disponibiliza. A avaliação dos documentos eletrônicos deve ser incorporada desce cedo no processo de ciclo vital dos documentos eletrônicos. Muitos conceitos da Arquivologia podem, e devem, ser transportados para a TI. Daí, um trabalho a mais para o arquivista, que é a tarefa de preservar a memória social e institucional e intervir no ciclo vital dos documentos para que a TI possa, com eficiência, apoiar a preservação e o acesso aos documentos. 4 Considerações finais A interface da Arquivologia com outros saberes no campo informacional beneficia o seu crescimento e permite a agregação de valores interdisciplinares. A integração entre as disciplinas é um fator constate e necessário para o próprio crescimento das ciências. Alguns autores do passado já viam essa necessidade, que é cada vez mais presente hoje. Outros autores consideram que a expansão acelerada da TI ameaçaria a identidade das áreas e isso limitaria o exercício pleno de sua potencialidade quanto ao acesso, geração, organização, comunicação. Entretanto, a Arquivologia além de ter suas normas e princípios já definidos, também discute e agrega valores de outras áreas para seu próprio crescimento. O avanço tecnológico beneficia muito todas as disciplinas. Ele impulsiona a criação de novos métodos arquivísticos através de novos conhecimentos adquiridos de outras disciplinas. A Diplomática, por exemplo, era a responsável pela garantia da autenticidade dos documentos no passado, mas hoje é também a TI que tem que desenvolver técnicas para garantir isso. Tudo isso é colocado numa perspectiva em que o trabalho da Arquivologia tem cada vez mais se aprofundado em grupos interdisciplinares de pesquisa. As conclusões que muitos autores chegam é que, como algumas áreas são emergentes, ainda não há um reconhecimento, e definição, maior das suas fronteiras. Assim, também os objetos de trabalho podem ser vistos como interdisciplinares, pois ambas trabalham com a informação. A TI possibilita a comunicação digitalizada que reformula constantemente o espaço informacional e, por isso, as fronteiras das ciências estão em constante alargamento e redefinição. Tudo isso representa mudanças positivas para todas as áreas. Assim, cada avanço dos saberes do campo informacional reposiciona os seus limites. O que era responsabilidade de um setor passa para a ser de outro também. Referências CAMARGO, Ana Maria de Almeida. Arquivo, documento e informação: velhos e novos suportes. Arquivo & Administração, Rio de Janeiro, v. 15-23, p. 34-40, 1994. COOK, Terry. Arquivos Pessoais e Arquivos Institucionais: para um entendimento arquivístico comum da formação da memória em um mundo pós-moderno. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 21, jan./jun. 1998. DOLLAR. Charles. O impacto das tecnologias de informação sobre os princípios e práticas de arquivos: algumas considerações. Acervo, Rio de Janeiro, v. 7, n.1-2, p.3-38,jan./dez. 1994. GONZÁLEZ DE GÓMEZ, María Nélida. Desafios contemporâneos da Ciência da Informação: as questões éticas da informação. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIENCIA DA INFORMACAO, 10., 2009, João Pessoa. Anais... João Pessoa: ANCIB; UFPG/PPGCI, 2009. Disponível em: . Acesso em 23 de Junho de 2011. ROUSSEAU, Jean Yves; COUTURE, Carol. Os Fundamentos da Disciplina Arquivística. Publicações Dom Quixote: Lisboa, 1998.
Autor: Maria Lucia Valada De Brito


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