Adoção



Fundação Hermínio Ometto

UNIARARAS

JOSÉ EDUARDO GEREMIAS

[email protected]

ADOÇÃO: FACILIDADES E DIFICULDADES

ARARAS – SP

JULHO/2008

RESUMO

Esse trabalho refere-se à revisão bibliográfica realizada para elaboração do trabalho de conclusão do curso de graduação em Psicologia, concluído em 2007, pelo autor desse artigo. Tendo como objetivo, apresentar algumas concepções acerca da adoção de crianças no Brasil, tema que faz parte da nossa realidade social, mas, que muitas vezes é tratado de maneira preconceituosa, sobretudo, por envolver aspectos que são revestidos de valores morais, culturais e religiosos. A construção social da maternidade e da paternidade; a família, e elementos legais e vivenciais da adoção, são abordados nesse artigo, que tem como objetivo conseqüente, uma reflexão mais aprofundada, no que se refere às facilidades e dificuldades encontradas nos diversos processos de adoção; considerando como processo, toda parte legal, bem como todo o processo de inserção da criança junto à família ou casal adotante que a acolherá.

Palavras-chave: Adoção, Família, Criança.



ABSTRACT

This work refers to the literature review conducted for the preparation of completion of course work for graduation in Psychology, concluded in 2007, the author of that article. With the goal, present some ideas on the adoption of children in Brazil, a theme that is part of our social reality, but that is often dealt with prejudice, especially by involving issues that are coated with moral values, cultural and religious. The social construction of motherhood and fatherhood and the family, and legal elements and living of adoption, are addressed in this article, which aims to consequential, further reflection regarding the facilities and difficulties encountered in the various processes of adoption; Recital as a process, legal everywhere, and the whole process of integration of children with the family or couple adotante that the host.

Key words: Adoption, Family, Child.




APRESENTAÇÃO

A adoção de criança, além de ser considerada uma forma de constituição familiar também representa do ponto de vista legal uma espécie de legitimação da filiação, embora esse aspecto não seja condição sine qua non para a efetivação do processo global da inserção e conseqüentemente a inclusão de uma criança no seio de uma família, que a acolha, após a separação dos seus progenitores biológicos.



MATERNIDADE E PATERNIDADE

Conceitos, concepções e representações sociais destes papéis

Para que se possa falar sobre adoção, torna-se imprescindível a apresentação de algumas considerações e reflexões, sobretudo no que se refere à família e suas relações e representações no contexto social; pois, parece inegável a existência de "campos de forças" que perpassam esse fenômeno.

Como argumenta MACHADO (2003), os campos de forças podem ser entendidos "como espaços de produção de práticas e processos de processos de subjetivação" (p.80); que proporcionam uma dinâmica contínua, constituindo os modos de ser e de viver das pessoas, por meio de significações atribuídas ao "outro" e ao mundo.

Estas significações podem ser pensadas como a intencionalidade, conceituada por FORGHIERI (1993):

a intencionalidade é, essencialmente, o ato de atribuir um sentido; é ela que unifica a consciência e o objeto, o sujeito e o mundo. Com a intencionalidade há o reconhecimento de que o mundo não é pura exterioridade e o sujeito não é pura interioridade, mas a saída de si para um mundo que tem uma significação para ele (p.15).

No caso específico da adoção, para que haja uma compreensão efetiva de sentimentos, emoções e motivações que envolvem subjetivamente as pessoas ou mesmo as relações parentais que se estabelecem, é fundamental verificar os múltiplos sentidos atribuídos aos diversos fenômenos que se manifestam na vida das pessoas; partindo-se da análise dos discursos verbalizados e das representações expressas.

Sendo assim, é possível iniciar essas considerações e reflexões tentando definir o vocábulo filiação, que de acordo com NEVES (1995), pode ser entendido como a relação de parentesco existente entre o filho e aqueles que o gera, isto é, mãe e pai; sendo que a relação direta entre a mãe e o filho, é denominada maternidade e do pai com o filho chamamos de paternidade.

A maternidade e a paternidade são representações altamente valorizadas pela maioria das sociedades, portanto, é comum esperar que os casais tenham filhos. Desta forma, geralmente no início da vida conjugal, torna-se hábito das pessoas, sobretudo, as mais próximas, fazerem perguntas como: "Quando vem o bebê?"; "Vocês pretendem ter muitos filhos?"; e outras, o que a princípio, são encaradas com naturalidade, muitas vezes até visto como brincadeira, mas com o passar do tempo podem se transformar em cobranças, pois, desde criança, já nas brincadeiras infantis, o ser humano é preparado para ser mãe ou pai, assim, concebendo esta noção como natural, certo que isso acontecerá (MATTOS e NUNES, 1981).

Nesse sentido, a gestação, para a mulher, embora uma situação geralmente esperada constitui-se num evento complexo, quer seja pelas diversas mudanças que ocorrem, fisicamente e psicologicamente, ou simplesmente pela vivência desta experiência repleta de sentimentos intensos.É importante ressaltar que, a relação entre a mãe e o bebê começa desde o período pré-natal, se dando, basicamente, pelas expectativas que a mãe tem sobre o bebê e da interação que estabelece com ele. Esta primeira relação serve de prelúdio para a relação mãe-bebê que se estabelecerá após o nascimento. As expectativas da mãe em relação ao bebê, geralmente, originam-se de seu próprio mundo interno e de suas relações e experiências passadas. Este envolvimento torna-se mais freqüente e intenso a partir do segundo trimestre da gestação, quando o bebê, por seus movimentos, anuncia realmente sua existência. Depois do sétimo mês, o volume e a intensidade dessas expectativas tendem a diminuir; dando lugar a preparação efetiva da chegada do bebê "real" (PICCININI et al, 2004).

Porém, no momento da "acareação", isto é, quando a mãe se depara pela primeira vez com o bebê real, muitas vezes, ocorre um sentimento de estranhamento, que será dissipado pelo processo denominado de "familiarização"; que se darão a partir dos primeiros cuidados físicos, e da satisfação das necessidades do bebê (DUCATTI, 2004).

É possível hipotetizar que este tipo de situação assemelhe-se ao "vivido", delineado por AMATUZZI (2001), que argumenta que este vivido refere-se à reação imediata diante de determinado fenômeno, ou seja, a forma como a pessoa sente sua própria experiência subjetiva primária. Todavia, esse vivido sempre se apresenta acompanhado de alguma significação. Por isso, torna-se praticamente impossível seu acesso direto, ou seja, carecendo da interpretação e compreensão, a partir das representações expressas pela pessoa.

Logo na seqüência desta primeira relação, começarão a se constituir as manifestações de apego e vínculo. No caso do homem também se dá esta sensação de estranhamento ou não reconhecimento na acareação, pois, o bebê imaginário idealizado pelo pai, a exemplo da mãe, geralmente não corresponde ao bebê real. É comum, no universo masculino, neste momento buscar traços fisionômicos que assegurem (pelo menos em seu imaginário) a sua participação efetiva na fecundação, pois, existe toda uma produção cultural a esse respeito. Piadas que retratam esta dúvida são comuns no anedotário brasileiro, expressando frases do tipo: "é filho do padeiro" ou "a quem esse menino puxou com esse cabelo?". Esse momento pode ser fundamental para selar as futuras relações com o bebê (DUCATTI, 2004).

Ainda sobre essa questão da acareação, DUCATTI (2004) enfatiza:

o primeiro indicativo de pertinência ao grupo familiar é, indubitavelmente, a semelhança física traduzida pelo reconhecimento de parecença com algum elemento significativo, algum traço como cor de olhos, cabelos, tamanho ao nascer, ritmos biológicos como sono, alimentação, entre outros. Essa similitude física é o ponto de partida para que a um bebê seja oferecida uma dimensão exata de pertencer ao grupo familiar (p.49).

DUCATTI (2004) salienta que o amor é uma construção que envolve, sobretudo, valores culturais e religiosos. Portanto, o amor materno também faria parte desta construção. Nesse sentido, a autora aponta uma diferença essencial entre a gestação e a maternidade, em que, a gestação refere-se a uma espécie de programação fisiológica do organismo de boa parte das mulheres, proporcionando as condições necessárias para engravidar. Já a maternidade, engloba condições de outra ordem, destacando-se como uma das mais importantes, o desejo de maternar, ou seja, dispensar cuidados diversos a um novo ser. Popularmente, durante muito tempo, predominou a idéia que a "mãe biológica" fosse uma mãe mais preparada e equipada para exercer esta função materna, em relação as chamadas "mães de criação, que em algumas situações acabam tendo que demonstrar, perante a sociedade, amor e dedicação, de uma forma mais intensa do que a mãe que gestou o próprio filho.

BADINTER (1985, p.20) considera que:

o amor materno foi por tanto tempo concebido em termos de instinto que acreditamos facilmenteque tal comportamento seja parte da natureza da mulher, seja qual for o tempo ou o meio que a cercam. Aos nossos olhos, toda mulher, ao se tornar mãe, encontra em si todas as respostas à sua nova condição. Como se a atividade pré-formada, automática e necessária esperasse apenas a ocasião de se exercer. Sendo a procriação natural, imaginamos que ao fenômeno biológico e fisiológico da gravidez deve corresponder uma atitude maternal.

PICCININI et al (2004) ainda argumentam que, são cinco as principais categorias geralmente verbalizadas pelas gestantes, que expressam a representação materna, de "dar identidade" ao bebê durante a gestação: sexo, nome, temperamento, interação e saúde. Quanto ao sexo, especificamente, as gestantes, em geral, expressaram uma crença de que o bebê seja de determinado sexo, tendo assim uma idéia interiormente formulada sobre ele, embora alguns autores acreditem que haja uma tendência a aceitação incondicional do sexo do bebê. Já o nome possibilita uma relação mais próxima com o bebê, uma vez que se trata nitidamente da identidade deste novo ser. Para várias gestantes, a escolha do nome está associada ao que ele lembra ou remete; com destaque para aspectos transgeracionais, que acabam aparecendo com escolhas de nomes de pessoas que foram ou são significativas na vida das mães ou do casal. As expectativas quanto ao temperamento do bebê também apareceram muito ligadas a transgeracionalidade, fazendo com que muitas mães expressem suas crenças de que o bebê seguirá "o jeito" de um ou dos dois genitores.

Nesse sentido, autores como Maldonado (1997), acreditam que o exame de ultra-sonografia tende a favorecer a transição para a parentalidade, e intensificar a união pré-natal entre a mãe e o bebê, fortalecendo a interação entre ambos, possibilitando que a gestante se apodere ainda mais de seu papel de mãe, incrementando seus sentimentos maternos, e percebendo o bebê mais real e próximo. Algumas mães manifestam preocupações em relação à saúde do bebê, sendo que estas preocupações são inerentes a gestação, portanto, não cessando completamente em nenhum momento deste período,sendo que as preocupações maternas com a saúde do bebê só findam no momento do parto, quando é comum a gestante questionar se está tudo bem com o bebê; ponderam PICCININI et al (2004).

É importante salientar que esse acontecimento denominado de maternagem tem o seu início somente após a gravidez e o parto, na gestação biológica. Então, concebe-se a idéia que o desempenho da função materna não depende fundamentalmente das funções fisiológicas de uma mulher (DUCATTI, 2004).

As mudanças ocasionadas no período da gestação, não se restringem apenas aos aspectos psicológicos e bioquímicos, visto que, fatores sócio-econômicos também exercem e sofrem grande influência neste período. Porém, estas transformações não cessam com o parto, pois, todo este processo implica numa nova configuração nas relações, rotinas e relacionamentos familiares (MALDONADO, 1981).

Desta forma, no que se refere ao envolvimento paterno, a gestação, também funcionacomo um período de transição. A elaboração de fantasias e sentimentos, a revisão da própria infância e das significações parentais, bem como as preocupações decorrentes desta transição, são algumas das características desta etapa (PICCININI et al, 2004).

Por não vivenciar a gravidez de uma maneira considerada plena, que se dá com o advento das diversas modificações físicas e visíveis que ocorrem nas mulheres grávidas, o pai, durante muito tempo representou uma figura secundária na vida da criança. Cabendo-lhe desta forma, apenas funções direcionadas ao sustento da família. Contudo, diante das diversas transformações culturais ocorridas ao longo da história da sociedade, sobretudo a inserção da mulher-mãe no mercado de trabalho, possibilitou ao homem-pai, assumir um pouco mais funções no campo afetivo (DUCATTI, 2004).

Mas a trajetória masculina rumo a parentalidade, difere da feminina. Muitas vezes, os pais não conseguem criar um vínculo concreto e sólido com o bebê, pois, geralmente a construção de vínculo entre pai e filho costuma ser mais lenta, consolidando-se gradualmente após o nascimento e no decorrer do desenvolvimento da criança. O fato de o pai não contar com as mudanças corporais e do desenvolvimento do bebê no seu próprio corpo, pode, suscitar nele, em alguns casos, sentimentos de ciúme, inveja, ansiedade e solidão. A competição e a exclusão também são sentimentos freqüentes nos futuros pais, não somente porque a mulher tende a direcionar suas energias e atenção para o bebê, mas também porque ela se torna o centro das atenções de todos, sendo que poucos se interessam pelos sentimentos do futuro pai durante este período (PICCININI et al, 2004).

Ainda a esse respeito, MALDONADO (1981) enfatiza que, os movimentos fetais se traduzem numa situação de profundo impacto para o homem, durante a gestação. Em muitos casos trazendo à tona a revivência de antigos sentimentos experimentados, como por exemplo, quando a mãe estava grávida de irmãos. Nesta situação, o homem, muitas vezes coloca bebê numa posição de "intruso", que iráusurpar suaposição privilegiada diante da mulher.

Um pai precisa transpor certos obstáculos com o intuito de poder pegar em seus braços um corpo ofertado por outro que não ele, quer se trate de um filho gerado por sua companheira ou digamos, que esteja afeito àquele que já chega em corpo vindo de uma geratriz ignota (DUCATTI, 2004, p.34).

MALDONADO (1981) também argumenta que, alguns homens, durante este período, acabam desenvolvendo a chamada Síndrome de Couvade, expressando simbolicamente o seu envolvimento na gestação. Esta síndrome é de ordem psicogênica, sendo que há uma variedade de reações no homem, desde a ansiedade simples, até sintomas de uma gravidez, como enjôo, sono e desenvolvimento de barriga. Inicialmente, ele sente a gravidez de forma muito vaga, pois não vivencia organicamente o desenvolvimento do filho em gestação. O nome da síndrome é associado ao ritual da couvade, utilizadofreqüentemente em sociedades não-industrializadas ou indígenas, em que os homens assumem tarefas consideradas femininas, no ciclo grávido-puerperal. Em alguns locais, o pai dramatiza o trabalho de parto, em outros fica de "resguardo", recebendo alimentação especial, e cuidando das visitas enquanto a mulher trabalha. Caso a criança adoeça ou morra, o homem é responsabilizado por não ter dado a ela a devida atenção no período. Em nossa sociedade, a síndrome da couvade está mais relacionada a mobilização de sentimentos, fantasias e desejosem relação à gravidez.

Sendo assim, o envolvimento paterno não se trata apenas de comportamentos, como acompanhar consultas e ecografias, mas também consiste em um envolvimento emocional. Este envolvimento paterno pode variar ao longo da gestação, de acordo com o desenvolvimento do bebê, e conforme as características de cada pai (PICCININI et al, 2004).

Tudo isso evidencia, para o pesquisador, que, além dos cuidados médicos, que são extremamente necessários durante a gestação, se torna fundamental o atendimento e acompanhamento psicológico dos futuros pais, tanto para a mulher como para o homem, sobretudo quando se tratar da primeira experiência nesse sentido. Ainda no que se refere à suporte emocional, é preciso considerar a possibilidade de todo este processo gestacional não ocorrer, em função de uma condição de infertilidade, desta maneira requisitando também cuidados e atenção; como será apresentado a seguir.

Infertilidade

A infertilidade pode ser definida como a inabilidade em conseguir uma gravidez, após um período aproximado de um ano de relação "não protegida", ou seja, sem a utilização de métodos contraceptivos. São duas as categorias em que se subdivide a infertilidade, ou seja, a primária, que se refere a casais que nunca tiveram filhos, e a secundária, significando que já ocorreu pelo menos uma concepção, no entanto, não se consegue uma gestação. São várias as possíveis causas de infertilidade, como por exemplo, o deslocamento uterino por tumores; anomalias congênitas, e diversos tipos de inflamações. Mas, geralmente, mais de um fator desencadeia esta intercorrência, por isso, muitas vezes exigindo uma avaliação por parte de uma equipe multidisciplinar, ou seja, ginecologista, urologista e endocrinologista, além de em alguns casos, a necessidade de considerações psicossociais (BRUNNER et al, 1998).

Quando eventualmente o processo biológico da gravidez não ocorre, geralmente é a mulher quem primeiro procura um médico para verificar o que está ocorrendo.Já o homem se apresenta, em boa parte dos casos, relutante em procurar auxílio profissional, o que possivelmente ocorre devido à associação equivocada entre infertilidade e impotência sexual (MATTOS E NUNES, 1981).

Apesar das transformações observadas nas concepções e práticas relacionadas à infertilidade, fundamentadas principalmente no avanço do conhecimento médico, a condição de infértil ainda tem se constituído em uma anátema para as mulheres e homens, atravessando séculos de história e rompendo limites geográficos e culturais. Várias literaturas mostram a imposição social da maternidade e da paternidade para a mulher e para o homem "normal", sendo que as conseqüências pessoais e sociais de problemas reprodutivos abrangem sociedades e momentos históricos diferentes (TRINDADE e ENUMO, 2002).

A impossibilidade de gerar uma criança pode representar para a mulher uma condição de uma espécie de "luto"; e isso pode ser de várias ordens, sendo mais comuns as físicas e as psíquicas. Geralmente, as de ordem físicas parecem revestidas de um valor legitimado, enquanto, as que envolvem aspectos psíquicos, vez por outra são questionadas. No caso do homem, esta questão situa-se na esfera de não poder transmitir sua herança genética. Talvez esta seja uma das causas que propiciam em alguns casos, uma dificuldade maior por parte do homem em definir-se pela adoção. Portanto, a infertilidade é permeada por uma situação sutilmente distinta entre os sentimentos femininos e masculinos (DUCATTI, 2004).

BRUNNER et al (1998) enumeram cinco fatores, considerados básicos na infertilidade, sendo que quatro deles correspondem exclusivamente à mulher e um específico ao homem:

§Fator Ovariano: não há uma ovulação regular e um endométrio progestacional adequado.

§Fator Tubário: anomalias uterinas ou tubárias, isto é, nas trompas ou outras estruturas pélvicas.

§Fator Cervical: não ocorrem as mudanças apropriadas para a penetração de espermatozóide.

§Fator Uterino: ocorrência de fibróides, pólipos e malformações congênitas.

§Fator Seminal: diz respeito ao número de espermatozóides (densidade), porcentagem de formas móveis, qualidade do movimento para frente (progressão) e morfologia.

Nos estudos históricos e antropológicos, são encontradas com menor freqüência, referências à infertilidade masculina, o que sugere um viés de que os problemas reprodutivos do casal, via-de-regra, correspondem às mulheres, engendrando metáforas e simbologias pejorativas e humilhantes, principalmente nas sociedades patriarcais. Pois, apesar do interesse antigo da Psicologia pela maternidade, mais especificamente pelos efeitos da relação mãe-criança no desenvolvimento infantil, os estudos sobre a infertilidade só começaram a ganhar visibilidade na década de 50. Talvez porque não houvesse interesse real na mulher-mãe e sim na mãe-instrumento, a serviço do filho (TRINDADE e ENUMO, 2002).

Segundo BRUNNER et al (1998),atualmente, várias tecnologias já foram desenvolvidas para auxiliar àquelas pessoas que desejam a todo custo exercer o seu direito de procriação. Entre as técnicas desenvolvidas podemos citar:

§A indução da ovulação feita por meio de medicamentos, isto acontecendo quando a mulher não ovula por si mesma ou quando este processo é irregular.

§Inseminação artificial, quando há o depósito ou introdução de sêmen no trato vaginal feminino, utilizando recursos artificiais.

§Fertilização In Vitro (FIV), procedimento que é feito primeiro estimulando o ovário a produzir múltiplos ovócitos, geralmente com medicamentos. Na época apropriada, os ovócitos são colhidos por ultra-sonografia transvaginal, incubando-se os espermatozóides e os ovócitos juntos por até 36 horas e os embriões transferidos em aproximadamente 48 a 80 horas após a retirada, devendo a implantação ocorrer em dois ou três dias.

Em ambulatórios de infertilidade, é possível encontrar, entre outros aspectos, elementos de representações sociais da infertilidade que a remetem à sentimentos de inferioridade, de culpa, de solidão e de tristeza, bem como referências à pressão social sofrida. Triste e incompleta; é assim que se sentem muitas mulheres impedidas de viver o que os dados apontam como a realização feminina; "a glória da maternidade". A manutenção destas representações sociais da infertilidade, implica em depreciação e estigmatização da mulher, pois, estão intrinsecamente associadas as representações da maternidade. Algumas vezes a infertilidade costuma ser naturalizada, como destino biológico inarredável, porém, continuando ter um valor social inseparável da concretização da identidade feminina (TRINDADE e ENUMO, 2002).

Desta forma, o suporte psicológico se torna fundamental, para as pessoas que vivenciam estes processos e procuram revertê-los, quer seja por meio de informações ou de apoio para enfrentar, sobretudo, a ansiedade gerada durante os diversos tratamentos que se submetem, pois, além de estressantes estas condutas consomem muito tempo e dinheiro (BRUNNER et al, 1998).

Diante da confirmação da impossibilidade do casal se tornar pais biológicos, alguns recorrem aos processos de adoção, a fim de efetivarem este papel social. Todavia, dificuldade de confrontar-se com a infertilidade e, ao final, decidir adotar uma criança é um processo complexo que requer inúmeras mudanças na identidade pessoal e nas relações (HUTZ, 2005).

Considerando o pensamento sartreano, citado em PENHA (2001), acerca das escolhas, verificaremos que:

é através da liberdade que o homem escolhe o que há de ser – escolhe sua essência e busca realizá-la. É a escolha que faz entre as alternativas com que se defronta que constitui sua essência. E é essa escolha que lhe permite criar seus valores. Não há como fugir a essa escolha, pois mesmo a recusa em escolher já é uma escolha (p.46).

É possível que diante da situação concreta da infertilidade, o casal vivencie um período de estagnação, antes de decidir pela adoção ou qual o caminho tomará, pois, esta escolha, seja lá qual for, proporcionará transformações na vida deles, sendo que estas transformações subsidiarão na constituição de novas concepções e de novos valores, que poderão coadunar ou conflitar com os já existentes na essência de cada pessoa.

Porém, de acordo com PENHA (2001), é importante salientar que a aquisição da essência, sob a ótica de Sartre, se dá pelas noções de projetos e escolhas que homem faz, e a essência é a coisa ou fenômeno em sim mesmo; todavia, a existência precede a essência. Portanto, a essência humana é dialeticamente "fruto" das ações do homem.

As idéias o homem as extrai de sua experiência pessoal. O indivíduo primeiramente existe com o tempo, torna-se isto ou aquilo, quer dizer, adquire sua essência. Esta é que irá caracterizá-lo, mostrando-o em que se tornou – se bom ou mal, agradável ou antipático, destemido ou covarde, etc. A essência humana, portanto, só aparece como decorrência da existência do homem. São seus atos que definem sua essência (PENHA, 2001, p.45).

Assim sendo, as ações posteriores à escolha, alicerçarão o processo de construção vindouro. Nos casos de adoção de crianças, os atos preliminares servirão de base; exercendo um papel fundamental na efetivação desta nova configuração familiar.

Torna-se necessário uma ressalva, no que se refere à adoção de crianças, como "alternativa" para se estabelecer a parentalidade nos casos de impossibilidade de reprodução biológica.A infertilidade não se constitui o único motivo para que a pessoa ou o casal opte pela adoção, no entanto, é fundamental esclarecer a ênfase dada a condição infértil, pois, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 8% a 15% dos casais, da população mundial, vivem o problema da infertilidade. Já o Ministério da Saúde (MS), estima que no Brasil, mais de 278 mil casais tenham dificuldade para gerar um filho em algum momento de sua idade fértil, haja vista, o lançamento no ano de 2006, da Política Nacional de Atenção Integral em Reprodução Humana Assistida, pelo Ministério da Saúde, contando com o apoio do Sistema Único de Saúde (SUS) para o tratamento da infertilidade e outras causas que inviabilizam a reprodução sem um acompanhamento adequado, como doenças genéticas ou infecto-contagiosas, Aids e hepatites virais (http//:www.saude.gov.br).

Portanto, a opção ou não pela adoção, pode significar um ponto de partida de uma nova etapa na vida do casal.

Novos rumos na vida do casal

Para VARGAS (1993), os adotantes são, em geral, casais que não podem gerar os próprios filhos e para quem a adoção constitui a única via possível para formarem uma família completa e assegurar uma descendência.

Nesta mesma direção, PAIVA (2004) assinala que, os candidatos à adoção, que possuem baixa renda, e emergem, em boa parte, após a constatação da impossibilidade de uma gravidez. Alguns casais ainda realizam exames diagnósticos mais simples, como o espermograma ou controle hormonal, mas devido ao alto custo dos tratamentos ou as intermináveis filas de espera em hospitais públicos, optam, sem muito questionamento, pelo processo de adoção. Já no caso das pessoas de maior poder aquisitivo, o projeto de adoção na maioria das vezes surge quando se esgotam todos os recursos a que recorrem nas tentativas de procriação.

Porém, são várias as razões que motivam as pessoas a adotarem uma criança; alguns pelo desejo de praticar o bem, outros por linhas missionárias ou cumprimento de promessa religiosa, ou mesmo por situações fortuitas, em que vizinhos ou parentes deixam os filhos desamparados; e até aqueles que vêem na adoção, a possibilidade de fugir da solidão, enfim, existe uma diversidade de argumentos que permeiam as adoções; até aqueles que vislumbram a melhoria do relacionamento conjugal, com a introdução de uma criança na vida de ambos (MATTOS e NUNES, 1981).

Corroborando com esta idéia, DUCATTI (2004) afirma que, quando perguntamos a uma mulher sobre o seu desejo de ser mãe, geralmente, temos várias possibilidades de respostas. Por isso, é possível acreditar que não exista uma real resposta, pois, a motivação parece ser resultante de inúmeros elementos, isto é, possuindo um caráter multifacetado, e que não pode ser reduzido apenas um dos componentes. Desta maneira, também parece plausível admitir que, também na adoção, diversos aspectos e fatores constituem as motivações que perpassam esta decisão. Com isto, não existindo um elemento isolado que determine a elaboração deste desejo.

Em seu estudo, VARGAS (1993, p.70-71), relacionou e categorizou, de acordo com as respostas dos entrevistados, oito itens, expressando um panorama contextualizado acerca das motivações que favorecem ou dificultam a decisão de adotar ou não uma criança:

§Juízo valorativo positivo: "ótima", "necessária".

§Juízo valorativo neutro: "depende das circunstâncias".

§Juízo valorativo negativo: "é um risco", "sou contra", "não é a solução".

§Relevância social: "solução para as crianças abandonadas", "necessidade de equilíbrio social", "evitar a FEBEM", "solução ótima para a criança".

§Relevância pessoal: "realização para quem não pode ter filhos" "necessidade de troca".

§Motivações filosóficas: "os nossos filhos não são nossos filhos, e adotar é uma forma de vivenciar isto, "um aspecto mágico".

§Dificuldades pessoais: "responsabilidade perene", "difícil criar os próprios filhos", "existe o preconceito", difícil por causa da burocracia".

§Problemáticas da criança: "crianças adotadas são problemáticas", "não apagar a origem da criança".

COSTA e CAMPOS (2003), em pesquisa realizada com famílias adotantes, no Distrito Federal (DF), nos anos de 1998 e 1999, também apresentaram dados que coadunam com algumas concepções anteriores. Cerca de 81% das adoções no DF, são realizadas por casais, sendo que aproximadamente 80% não estavam inscritas previamente nos registros dos órgãos oficiais para adoção. Desse total de casais, pouco mais de 50% possuíam filhos biológicos, e quando questionados, indicavam a impossibilidade de gerar filhos biológicos como uma das principais motivações para a adoção de crianças. Outro aspecto ressaltado nesta pesquisa, é que a média de tempo de convivência marital destes casais, girava em torno de 11 a 15 anos ou acima dos 20 anos, o que de acordo com as autoras, poderia indicar que o momento no ciclo da vida familiar poderia influenciar na decisão pela adoção. Além da condição biológica, apareceram como principais motivos para a adoção; no ano de 1998, "o desejo de exercer a maternidade/paternidade", ficando em primeiro lugar, seguido de: "ajuda ao próximo". Já em 1999, "o desejo de exercer a maternidade/paternidade" continuou em primeiro, porém, em segundo lugar ficou "o projeto de adotar" e em terceiro, "ajuda ao próximo". Estes dados foram obtidos a partir de levantamentos realizados nos questionários aplicados no serviço de adoção de uma Vara da Infância e da Juventude, do DF.

Na análise dos dados da pesquisa, estas mesmas autoras argumentam que, as motivações que impelem os adotantes, são fatores importantes a ser considerado pelos técnicos responsáveis por este tipo de avaliação, no entanto, elas acreditam que, diante da existência das mais diferentes motivações, não é possível determinar se uma é "melhor" do que outra. Nesse sentido, não sendo possível avaliar e afiançar com absoluta precisão, se, "este ou aquele" motivo irá corroborar antecipadamente o "sucesso" da adoção.

Para WEBER (2004), a motivação inicial que conduz à adoção, parece não representar elemento significativo na vida do casal ou da família, pois, de acordo com a autora, as pessoas podem ser apaixonar pelas crianças, independente dos motivos que levaram a adotá-las, sendo que o relacionamento em uma família adotiva pode ser construído da mesma forma que em uma família biológica, não sendo o fato de ter o mesmo sangue que irá garantir o amor nem o sucesso da relação.

Realmente, parece ser inegável a grande importância que a família representa no desenvolvimento de uma criança, independente do seu tipo de constituição, contudo, acredita-se que seja importante refletir sobre esta "instituição", e os diversos papéis que ela desempenha no contexto social, pois, a sua dinâmica costuma de alguma forma influenciar na vida de seus membros.

A FAMÍLIA

Papel social dos pais e a importância da família para a criança

Mães e pais tendem a desempenhar seus respectivos papéis de modos diferentes no contexto familiar, pois, além de serem pessoas diferentes, acredita-se que homens e mulheres, tenham um olhar díspar sobre vários aspectos da vida. Somando-se a isso, um fator muito importante é que, geralmente, meninas e meninos são "ensinados" desde cedo, a maneira como deverão agir quando forem mãe e pai. As diferenças, quando bem elaboradas, podem se tornar fator positivo, no que se refere a um esperado equilíbrio familiar. No entanto, elas também podem se configurar como objeto deflagrador de vários problemas. Nesse sentido, pode-se destacar o papel do pai, às vezes subestimado diante da sociedade e até da própria família, sendo sumariamente relegado, visto algumas vezes apenas como provedor de recursos materiais. Entretanto, é importante frisar que, tanto as mães, assim como os pais são importantes para a educação e orientação dos filhos, e para a dinâmica familiar. Portanto, não se constitui numa prática saudável, qualquer tipo de disputa ou rivalidade, como se nesse "jogo", um devesse sair ganhando e o outro perdendo (RAPOSO, 1981).

O período de gestação oferece uma oportunidade para o casal ir construindo uma nova identidade na configuração familiar vindoura, pois, da mesma forma que a maternidade e a paternidade proporcionam uma espécie de prestígio social, a sociedade também passa a exigir formal e legalmente do casal, maiores responsabilidades, no que se refere aos cuidados materiais e físicos da criança, bem como preocupações com a sua educação (POLITY, 2000).

Parece não ser fácil definir exatamente o que seja uma família, pois, pode-se dizer que não existe "a família", mas sim, uma diversidade de combinações e formações construídas histórica e socialmente. Além do convívio de formas variadas entre as pessoas, podendo envolver ou não "laços de sangue". Desta forma, este convívio pode ser definido como um conjunto de relações familiares. A família nuclear foi durante muito tempo o modelo de estrutura familiar, utilizado na maioria das sociedades industrializadas. Nesse modelo, a divisão dos papéis de homem e mulher, de pais e filhos, segue uma espécie de hierarquia de poder. Ao marido e paicabendo a função de provedor do sustento da família, e à mulher a função de responder pela vida doméstica e pela educação dos filhos, sendo que aos filhos, por sua vez, a total obediência aos pais. Todavia, esta concepção vem se transformando nos dias atuais. Algumas das mudanças se deram principalmente pela nova atitude da mulher e de seu papel na sociedade, inserindo-se no mercado de trabalho e, muitas vezes, sendo a responsável pelo sustento de toda a família (MARTINS e SZYMANSKI, 2004).

Historicamente, a família humana primitiva surgiu para proporcionar segurança a todos os seus membros e dar-lhes proteção, a princípio contra as adversidades da natureza e animais ferozes. Com a evolução da espécie a família também agregou a tarefa de proteger seus membros contra os perigos que se originam, nos diversos e amplos contextos da sociedade. Apesar disso, nos dias de hoje, embora os pais ainda mantenham a missão de proporcionar o bem-estar aos filhos, esta "obrigação" perdeu um pouco de seu sentido, pelo menos no que concerne a coesão familiar. Em parte, a razão disso é que, desde a Segunda Guerra Mundial, a sociedade, de uma forma geral, passou a adotar, pelo menos no discurso, a incumbência de ajudar as crianças cujos pais não tivessem condições de sustentá-las. Entretanto, além da preocupação com o bem-estar, sobretudo físico, propagado a partir deste paradigma, começou-se a pensar na ampliação deste conceito, surgindo assim a preocupação com o sentimento de pertencimento, de crianças que eventualmente fossem afastadas de suas famílias originais. Pois, pertencer significa, ocupar um lugar legítimo; não um lugar proporcionado pelos poderes existentes, nem pelos pais, mas sim, aquele que é conquistado, no qual, ama-se e também se é amado, sendo que essa troca proporciona um sentimento de pertencimento bastante consistente (BETTELHEIM, 1987).

No Brasil, dois períodos marcam os estudos desenvolvidos sobre a família nos últimos 20 anos. O primeiro período caracterizado pela tomada do modelo de família nuclear, sendo referência para estudiosos do assunto. Já o segundo período é o que admite a preponderância do modelo de família nuclear, mas acredita na variação dos modos de funcionamento dentro deste modelo e a coexistência de outras diferentes formas de organização familiar (MARTINS e SZYMANSKI, 2004).

Na Constituição Brasileira de 1988 a família passou a ser considerada como: "uma união estável entre um homem e uma mulher ou qualquer dos pais e seus descendentes". Assegurando igualdade de direitos e deveres aos homens e mulheres. Todavia, nos dias atuais, é possível encontrar casais homossexuais e/ou bissexuais. Conseqüentemente, nesta perspectiva, é prudente atribuir uma nova caracterização ao conceito de família, ou seja, não restringindo apenas a união de um homem e uma mulher e sua descendência (SILVA, 2005).

Roudinesco (citado por SILVA, 2005) apresenta as seguintes classificações à família, de acordo com a sua constituição:

§Monoparental, isto é, quando se verifica a ausência de um dos cônjuges;

§Homoparental, caso os indivíduos sejam homossexuais;

§Desconstruídas, quando há o rompimento do primeiro casamento;

§Reconstruídas, se houver um novo casamento.

Segundo BETTELHEIM (1987), a família é considerada uma "unidade social", formada pelos pais e pelos filhos que criam. Porém, esta unidade é constituída por pessoas que vivenciam, ao longo do tempo, experiências diferentes, ou seja, cada qual constrói sua própria realidade, embora esta realidade, seja compartilhada com os demais membros da família. A partir desta troca simultânea de experiências, cria-se uma espécie de funcionamento dinâmico desta unidade social, exigindo dos integrantes uma série de "ajustamentos", para que as relações que circundam esta unidade, sejam as mais harmoniosas possíveis, pois, todos os seus membros influenciam-se mutuamente.

(...) A família em um sentido psicológico, é formada pelas interações de todos os seus membros, por seus sentimentos uns pelos outros e pela maneira como estes são integrados na vida cotidiana (...) (BETTELHEIM, 1987, p.275).

Nesse sentido, uma das referências que se faz à família, é a de que ela pode significar uma espécie de constelação, na qual, diversas figuras estão imbricadas numa mesma rede relacional, que desenvolverá uma modalidade específica de funcionamento. No entanto, a dinâmica observada em uma família, pode ser resultante de inúmeras gerações, que foram se enredando e tecendo os laços que caracterizam um determinado grupo. Sendo assim, um membro de um grupo familiar pode ser considerado também como fruto de outras modalidades grupais do passado que influenciaram a presente configuração. Em uma concepção um pouco mais ortodoxa, a origem da família, se dá com o matrimônio, incluindo-se posteriormente, além do casal, os filhos nascidos a partir deles; podendo-se agregar ainda outros parentes. Com esta união, constituem-se os laços jurídicos, obrigações de diversas naturezas, direitas e proibições (DUCATTI, 2004).

Nenhum organismo social exige maior coesão do que a família, para que proporcione bem-estar a todos os seus membros. Isso é particularmente difícil deobter nos tempos modernos e é ainda agravado por nosso compromisso com a individualidade de cada membro da família (BETTELHEIM, 1987, p.314).

A vida em família, muitas vezes lembra demonstrações de equilibrismo, que são vistas em espetáculos diversos, pois, exige operações simultâneas de personalidades, interesses e sentimentos, entre os membros que compõe este grupo. Agregado a isso advém as influências naturalmente exercidas por pessoas estranhas ao lar, parentes, vizinhos e a comunidade social, como um todo. Desta forma, cada membro da família, mesmo tendo suas necessidades, interesses, direitos, deveres e desejos individuais, procura encontrar uma maneira de exercer sua individualidade, porém, sem abalar a "estrutura" familiar. O fato de participar desta experiência coletiva, que é a família, representa uma oportunidade de praticar a convivência em grupos, pois, aprende-se a compartilhar, a aguardar sua vez, a ser leal e a vivenciar os sentimentos alheios. Isso, sendo útil para as relações estabelecidas em outros círculos fora do ambiente familiar (RAPOSO, 1981).

A relação íntima entre os membros da família proporciona a cada um deles uma forma de extravasar seus sentimentos. As alegrias são maiores e os desgostos são menos deprimentes quando podemos externá-los livremente diante de alguém de quem gostamos. A cólera se esvai quando se tem a oportunidade de 'abrir as torneiras' para alguém capaz de compreender e mostrar-se amigo. Os sucessos são maiores quando se os traz para casa. Os fracassos são mais fáceis de suportar quando sabemos que nossa família ainda nos ama e confia e nós (RAPOSO, 1981, p.38).

De acordo com a sua estruturação e a sua dinâmica, a família pode atuar como um esteio, na vida de seus integrantes, proporcionando acolhimento, diante de eventuais contrariedades e frustrações, ou sob outro prima, a família pode funcionar como uma espécie de "mola propulsora"; lançando para novos horizontes os seus membros que desejarem "alçar vôo", em busca de realizações.

Pois, se recorrermos à teoria de Maslow, sobre a "pirâmide das necessidades", verificaremos a seguinte hierarquização, que podem ser compreendidas como etapa de um processo de desenvolvimento, visando um estágio elevado de realização e satisfação da pessoa.

§Necessidades fisiológicas, em que se encontram as necessidades vitais dos seres humanos, como alimentação, repouso, sexo, etc;

§Necessidades de segurança, constituídas pela busca de proteção contra a ameaça ou privação e fuga ao perigo;

§Necessidades sociais, que estão relacionadas às necessidades de associação, de participação, de aceitação por parte de outras pessoas, de troca de amizade, afeto e amor;

§Necessidades de estima, que envolvem a auto-apreciação, a autoconfiança, aprovação social, respeito, status, prestígio, consideração, confiança perante o mundo, independência e autonomia;

§Necessidades de auto-realização, que permitem a cada pessoa identificar suas potencialidades e continuamente autodesenvolver-se.

Maslow enfatizava que entre os pré-requisitos para uma pessoa possa atingir a auto-realização, estão: o amor que recebe na infância e a satisfação das necessidades fisiológicas e de segurança, nos primeiros dois anos de vida. As necessidades não são as mesmas nem ocorrem no mesmo período para todos os indivíduos, porém, obedecem a uma ordem sucessiva, e não se avança para uma adiante antes que a anterior tenha sido satisfeita adequadamente (PISANDELLI, 2003).

Deste modo, é possível pressupor que, adoção pode exercer uma função capital na vida de uma criança, isto é; a de tentar restabelecer um processo gradual de satisfação das necessidades humanas, possibilitando a ela o crescimento e o desenvolvimento, que muitas vezes foram interrompidos pelo rompimento de laços reais e/ou simbólicos, que a criança mantinha ou tentava estabelecer com a família biológica.

A ruptura dos laços entre a criança e a família biológica

Uma característica essencial para a ocorrência da adoção é a separação da criança e seus progenitores. Isso muitas vezes se dá em situações bastante adversas, sobretudo para a criança, constituindo-se num verdadeiro rompimento de "laços", que muitas vezes tiveram suas origens desde a vida intra-uterina. É importante salientar que os chamados "laços afetivos" embora também possam ser manifestados pelos pais mesmo antes do parto, geralmente se desenvolvem a partir do nascimento com o progressivo estabelecimento de vínculo, principalmente no que se refere ao pai, que não compartilha de forma mais efetiva as interações intra-uterinas, com ocorre com a mãe. Desta forma, quando ocorre esta separação entre a criança e a família biológica, isto pode significar uma experiência complexa a ser vivida pela criança, mesmo que os laços afetivos não tenham ampla consistência, pois a relação estabelecida entre mãe-bebê no período uterino, não pode simplesmente ser desconsiderada (LEVINZON, 2004).

O bebê, ao nascer, apresenta-se como um ser indefeso e incapaz de sobreviver apenas com seus meios e recursos próprios. Sendo assim, necessita geralmente de um adulto cuidador para que sejam lhe supridas as necessidades básicas, como alimentação e higiene. Além disso, torna-se também essencial, um contato afetivo, o que a princípio se dá exclusivamente com a mãe, com quem o bebê estabelecerá suas primeiras relações de vínculo e apego. Isso favorecendo o seu desenvolvimento biopsicoafetivo. É de suma importância que a pessoa cuidadora, seja capaz de identificar e decifrar os sinais que geralmente são expressos pelas crianças, e desta forma possa atendê-la em suas necessidades. O estabelecimento de uma relação calorosa como a mãe ou pessoa que desempenhe regularmente as funções inerentes a este papel, pode favorecer de maneira substancial a saúde mental do bebê (BÖING e CREPALDI, 2004).

Nesse sentido, quando a criança é privada desse tipo de relação, isso acarreta uma série de efeitos prejudiciais de acordo com o grau desta privação, que foram descritos por Bowlby (citado por BÖING e CREPALDI, 2004). A privação parcial tende gerar angústia, exagerada necessidade de amor, forte sentimento de vingança, culpa e depressão. A privação quase total, muitas vezes observada em instituições de abrigos, creches e hospitais, aumentam a severidade dos danos psicoafetivos, e é denominada com "hospitalismo". Por último, a privação total, que pode aniquilar completamente a capacidade da criança estabelecer relações futuras com outras pessoas.

Podemos considerar antigos e históricos o rompimento de laços afetivos e o distanciamento físico entre a criança e sua mãe e a família biológica. Já no século XVII, na França, era usual em algumas regiões, deixar a criança na casa de uma "ama-de-leite", costume que acabou sendo generalizado entre a burguesia; sendo que no século XVIII tal hábito se difundiu para outras camadas sociais urbanas. A origem social dessas crianças variava de região para região, não sendo totalmente raro encontrar entre as crianças, algumas de procedência nobre. Quanto as pessoas que acolhiam as crianças alheias, figuravam as mais humildes, porém, era possível também verificar outros estratos sociais. Para explicar o maciço número de crianças que iam para a casa das amas, destacou-se por várias vezes a situação econômica dos pais biológicos, embora esta explicação nem sempre parecesse suficiente. Contudo, a recusa do aleitamento, muitas vezes se configurava como primeiro ato de rejeição da criança por parte da família, sendo que particularmente a mãe tentava justificar-se alegando que tal gesto seria em favor da manutenção de sua beleza estética.

Todavia, autores como Rutter e Zannon (citados por BÖING e CREPALDI, 2004) enfatizam que outros fatores, associados a separação da mãe ou pessoa cuidadora, são responsáveis pelo estresse e prejuízos apresentados no desenvolvimento da criança. Destacam fatores como a qualidade das relações familiares anteriores, a idade da criança, condições de estimulação ambiental e a qualidade do cuidado dispensado à criança durante o período da separação. Portanto, os eventuais prejuízos no desenvolvimento não se restringem à relação dual mãe-bebê. A partir disso, torna-se analisável a questão da noção de risco assim como a noção de proteção, pois, ambas devem ser compreendidas de acordo com a interação da criança com a família nuclear e também do ambiente mais amplo, no qual está inserida.

Werner também citada por BÖING e CREPALDI (2004) participou de um estudo longitudinal que evidenciou os efeitos positivos da qualidade da interação mãe-bebê no desenvolvimento de crianças que sofreram risco perinatal, sendo que a qualidade desse vínculo precoce potencializou a capacidade de resiliência destas crianças, ou seja, a capacidade de lidar com as adversidades, transformando ou criando fatores de proteção a partir destas adversidades, tirando proveito para o seu desenvolvimento.

Para os bebês abandonados, o nascimento representa um corte radical em relação a tudo o que eles conhecem: a voz da mãe, os ruídos de seu corpo, a voz do pai, o ambiente familiar, enfim, tudo aquilo que permite a um recém-nascido se situar nos primeiros momentos de vida desaparece (BÖING e CREPALDI, 2004, p.216).

É importante salientar, que, tanto os fatores de risco como os fatores de proteção, são temas que devem ser examinados conforme as especificidades de cada situação ou pessoa. As generalizações devem ser cuidadosamente analisadas para que não ocorram sobreposições inadequadas que proporcionem distorções de seus efeitos. Desta forma, tentar compreender um pouco mais sobre o abandono e/ou institucionalização de crianças, pode favorecer o entendimento de questões subjetivas possivelmente envolvidas na ação de ruptura consangüínea, ou seja, as condições subjacentes à expressão do fenômeno socialmente descrito ou observado.

Abandono e institucionalização

O abandono, de acordo com VARGAS (1998), pode ser definido como a perda do direito, no que se refere à criança, de viver e ser educado por uma família que a ame e dispense-lhe carinho e proteção.

A mesma autora ainda enfatiza que, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a questão do abandono legal, ou seja, que permite aos pais não assumirem o filho, não está definido de uma forma explícita, mas, pode ser subentendido se atentarmos para o Artigo 45, na Subseção IV do Estatuto, que trata da adoção: "A adoção depende do consentimento dos pais ou do representante legal do adotando". Nesse sentido, é possível interpretar que é facultado aos pais o direito de "entregar" o filho para adoção.

A família normalmente é apontada como uma das únicas possibilidades de desenvolvimento social e emocional para uma criança pequena. Contudo, a história tem mostrado que, assim como a família se modificou com decorrer do tempo, a forma como a infância era vista e o modo de tratamento dispensado à criança, também se transformaram sensivelmente com o surgimento da família moderna. Até o século XVII, a criança era vista como algo insignificante, tendo pouca importância para a própria família (MARTINS e SZYMANSKI, 2004).

Sendo assim, MARTINS e SZYMANSKI, (2004) afirmam, que este foi um período marcado pelo abandono de crianças à própria sorte, pois, como não havia, até meados do século XVII, um sentimento de infância semelhante ao contemporâneo entre as famílias, haja vista o grande número de crianças que eram rejeitadas ou abandonadas. O abandono acontecia das mais variadas maneiras e contava cada vez mais com novos adeptos. O abandono não era respaldado somente nos problemas de ordem econômica; vários fatores e situações motivavam esta conduta. Crianças eram abandonadas com bilhetes em suas vestes, relatando particularidades de sua vida. Outras eram acompanhadas por enxovais luxuosos, permitindo identificar a sua origem social. Com o triunfo do cristianismo, alguns valores éticos, como a preservação da vida, foram fortalecidos, no entanto, com o estabelecimento de rígidos padrões morais para a família, a Igreja propiciou um aumento significativo do abandono, pois, condenava o adultério e, conseqüentemente, os filhos considerados ilegítimos ou bastardos, advindos de relações denominadas como pecaminosas, que poderiam manchar a honra de uma família.

Nesta mesma época na França, a educação de crianças burguesas ou aristocráticas constituía-se de três fases distintas que eram consideradas como "atos de abandono": a colocação da criança na casa de uma ama-de-leite, o retorno ao lar, e posteriormente a partida para um convento ou internato (BADINTER, 1985).

No período do Brasil colonial, sobretudo no final do século XIX, a construção da cultura política, revelava uma sociedade de classes, emergindo-se também práticas de prevenção e profilaxia. Neste período, a filantropia não figurava como uma prática social que pudesse atender demandas advindas em decorrência dos diversos problemas que surgiam; como o caso dos portadores de lepra, dos criminosos, dos alienados mentais, velhos, inválidos, mendigos, entre outros. Desta forma, implanta-se uma política de assistência social, tendo o hospital como "lócus" das ações preventivas e terapêuticas (TRINDADE, 1999).

De acordo com MARCÍLIO (1997), também surgem no Brasil, algumas mudanças no que se refere ao trato com a infância, sendo que uma dela é a atuação do Estado, que encontra na família um meio de tentar disciplinar a práticas anárquicas da concepção e dos cuidados com os filhos. Nesse sentido desde o período colonial até a crise do império a criança abandonada era tratada pelos termos "expostos" e "enjeitados", representando a forma mais comum de abandono, ou seja, os recém-nascidos que eram enjeitados, conseqüentemente abandonados e expostos em locais onde provavelmente seriam recolhidas; sendo que os locais mais comuns da época eram as igrejas e conventos; mais tarde surgindo as "Rodas dos Expostos", isto é, locais exclusivamente destinados a cuidar destas crianças.

As rodas ou casas dos expostos, como também eram chamadas, foram fundadas como forma de proteção, sobretudo da honra da família colonial, mas, obtiveram efeito contrário ao que inicialmente havia sido previsto, pois, tanto homens quanto mulheres, sabendo que podiam contar com este apoio seguro para as crianças abandonadas, passaram a "transgredir" sexualmente, no âmbito matrimonial; certos de que os filhos que eventualmente nascessem desses relacionamentos extraconjugais, portanto; sendo considerados como ilegítimos segundo o padrão da época, poderiam ser deixados nestes locais onde certamente seriam bem tratados. Sendo assim, com o passar do tempo, devido à precariedade que tomou conta dessas instalações; estes locais passaram a ser verdadeiros focos de mortalidade infantil, contrariando também os princípios de "salvar" as crianças. Em São Paulo, a Roda ou Casa dos Expostos foi criada em 1824, a exemplo e seguindo o modelo das que funcionavam na Bahia e também no Rio de Janeiro (MARCÍLIO, 1997).

A roda dos expostos sobreviveu aos três regimes de nossa história, pois foi criada na era colonial, transcorreu e multiplicou-se no período imperial, e consegui manter-se durante a República, sendo extinta somente na década de 50. Este sistema foi inventado na Europa medieval, sendo um meio encontrado para garantir o anonimato do expositor, estimulando-o a levar o bebê que não desejava para este tipo de abrigo, em lugar de abandoná-lo pelos caminhos, bosques, lixos, portas de igrejas ou de casas de família, como era o costume da época. O nome "roda" provém do dispositivo no qual se colocavam os bebês, que se queriam abandonar. Possuía uma forma cilíndrica, dividida ao meio por uma divisória; era fixada no muro ou janela dessas instituições. No tabuleiro inferior e em sua abertura a pessoa depositava a criança que estava sendo enjeitada, girando em seguida a roda. Puxava-se uma cordinha com uma sineta para avisar a vigilante ou a rodeira, como era chamada a pessoa encarregada; que um bebê acabava de ser abandonado (MARCÍLIO, 1997).

Contemporaneamente, a institucionalização de crianças, tem se constituído um grande entrave social, pois, como geralmente a destituição do poder familiar costuma ser demorada, pela dificuldade de localização dos pais ou outros fatores legais, as crianças acabam "depositadas" em abrigos que deveriam ser provisórios, mas que muitas vezes se tornam de longa estadia. Desta forma, estas crianças têm, sobretudo, seu espaço subjetivo cerceado, tornando-se pessoas privadas de "liberdade" sem terem cometido nenhum delito (VARGAS, 1998).

Parte da problemática atual da institucionalização na infância e na adolescência, na realidade brasileira, pode ser ilustrada no levantamento nacional de abrigos para crianças e adolescentes; realizado por SILVA (2004) que, encontrou cerca de 20 mil crianças e adolescentes vivendo em 589 abrigos espalhados pelo país, sendo que estas crianças e adolescentes na sua maioria meninos entre as idades de 7 e 15 anos, negros e pobres. Foi também constatado que o tempo de duração da institucionalização pode variar até um período de mais de 10 anos sendo que os efeitos de um período de institucionalização prolongado têm sido apontados na literatura, como um dos aspectos que podem interferir no desenvolvimento, na sociabilidade e na manutenção de vínculos afetivos da criança e do adolescente, muitas vezes, perdurando até a vida adulta. Porém, é importante salientar que a institucionalização pode ou não constituir o único fator de risco para o desenvolvimento, pois, esta condição dependerá dos mecanismos que operarão seus efeitos negativos sobre esta institucionalização e também da história pregressa de cada criança ou adolescente abrigado (SIQUEIRA E DELL'AGLIO, 2006).

MARTINS e SZYMANSKI (2004) citam os estudos como os de Bowlby (1951/1981) e Spitz (1979/1993) que proporcionaram reflexões sobre o assunto, polemizando o modo de ver o abandono na infância e o desenvolvimento da criança. No entanto, estudos posteriores começaram a questionar o que realmente acontecia com as crianças em estado de privação em instituições, e acabaram concluindo que distúrbios ocorridos nesta área poderiam ser causados por vários fatores, como a falta de estímulos ambientais e sociais, extremamente necessários à vida infantil; ou ainda à falta de alimentação adequada, em meio a outros fatores.

Alguns estudos, como o de Dell'Aglio (2000), que abordam o processo de institucionalização e os seus eventos na vida de crianças e adolescentes apontam que a oportunidade oferecida pelo atendimento em uma instituição, diante de algumas situações ainda mais adversas enfrentadas na família, pode ser a melhor saída para algumas crianças e adolescentes. (SIQUEIRA E DELL'AGLIO, 2006).

SIQUEIRA e DELL'AGLIO (2006) ainda argumentam que, no Brasil, historicamente, as políticas de atendimento à infância e à juventude em situação de abandono vêm apresentando transformações, que vão desde o gerenciamento até a implantação destas políticas. Desde que este tipo de atendimento saiu, gradativamente, do domínio da Igreja, passando por profissionais filantropos, até ser de responsabilidade do Estado, como é nos tempos atuais. Sendo que, a partir do advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990), as crianças e os adolescentes passaram de objetos de tutela à sujeitos de direitos e deveres. Entre os diretos previstos pelo ECA (1990), destaca-se o direito à convivência familiar e comunitária, que prevê o fim do isolamento, como acontecia na institucionalização em décadas anteriores.

Os mesmos autores também apontam que o ECA, além disso, preconiza a desinstitucionalização no atendimento de crianças e adolescentes em situação de abandono, ou seja, valoriza o papel da família; se necessário a família substituta. O programa de abrigo deve apenas funcionar como medida provisória e transitória, isto é, a permanência, via-de-regra, deve ser breve; em alguns casos podendo ser continuada, dependendo da história singular da criança ou adolescente. Sendo assim, a promoção de ações, que propiciem a efetiva inserção familiar e social, destas crianças ou adolescentes, se constitui em um objetivo permanente; tornando o abrigo apenas objeto de uma medida protetiva, de caráter excepcional e transitório.

Porém, em muitos casos, as instituições acabam assumindo um lugar central na vida das crianças e dos adolescentes abrigados; desta forma, torna-se imprescindível que estes locais também se constituam como espaços de socialização. Por isso, ressalta-se a importância da transformação de algumas concepções socialmente estabelecidas, para que então, seja apresentada uma visão desestigmatizada destas instituições, e conseqüentemente daqueles que elas abrigam (SIQUEIRA E DELL'AGLIO, 2006).

Portanto, depois deste breve panorama apresentado, com elementos que compõem e dão contornos ao fenômeno da adoção de crianças, talvez seja possível uma reflexão mais contextualizada sobre os fatores e aspectos envolvidos no processo de adoção propriamente dito, pois, como já foi mencionado anteriormente, os laços genéticos não são a única condição para constituição familiar. E assim, a propagação e ampliação da discussão sobre tema, podem favorecer a sensibilização e mobilização da sociedade para este fenômeno cada vez mais freqüente no nosso cotidiano.

ADOÇÃO

A gênese e conceitos de adoção

É possível considerar a adoção uma maneira diferenciada de construção familiar que envolve diversos aspectos jurídicos, sociais e psicológicos; baseada em um tripé de interesses. Em uma das pontas, pais incapazes de cuidar de seus filhos, vivenciando a iminência de perder o poder familiar pela justiça. Num outro lado deste tripé encontra-se a criança, carente e privada do convívio familiar. E por último, pessoas que desejam estabelecer relações parentais com a criança; sendo que em grande parte dos casos são pessoas com histórico de incapacidade ou dificuldades de gerar filhos biológicos (HUTZ, 2005).

Não há diferença significativa no desempenho do papel de pai e mãe em relação a um filho biológico ou de um filho adotado, pois, em ambas as circunstâncias essas funções só existem a partir da presença da criança, desde que se tenha assumido realmente a criação.Contudo, se tratando do filho biológico, existe a possibilidade de estabelecer uma espécie de preparação, durante o período da gravidez, sendo que na adoção isso nem sempre é possível, devido às circunstâncias em que se dão algumas adoções. Por isso, muitas vezes, "os adotantes desejam e sonham que a criança adotada corresponda à imagem do filho que gostariam de gerar" (MATTOS e NUNES, 1981, p.18).

A inserção de crianças e adolescentes em famílias adotivas pode ser considerada uma prática comum em nossa sociedade nos dias atuais; todavia, a adoção legal ainda se constitui em uma prática um tanto remota. Desta forma ocasiona um descompasso entre o número de crianças abandonadas e o tempo de espera para uma eventual efetivação do processo de adoção, pois, é preciso considerar a necessidade da destituição do poder familiar das famílias biológicas para que a criança possa ser retirada de casa ou das instituições que eventualmente estejam abrigadas para que depois sim sejam inseridas em lares adotivos. Somente duas situações propiciam esse procedimento, ou seja, diante da solicitação dos próprios pais biológicos ou em casos de denúncias encaminhadas aos Conselhos Tutelares, que indiquem a ocorrência de maus tratos ou exposição a riscos reais e iminentes, justificando o afastamento da família natural. Por isso, nos casos de adoção, em virtude do tempo decorrido durante o processo e algumas características da criança ou adolescente, elas acabam distanciando-os do perfil desejado pela maioria dos adotantes. Sendo assim, em nosso país costuma-se realizar as adoções ilegais ou "adoção à brasileira", como também são conhecidas (HUTZ 2005).

De acordo com LAMENZA (s/d), algumas pessoas se dispõem a enfrentar os rigores da lei, submetendo-se a critérios subjetivos e objetivos como documentos, a entrevistas técnicas e audiências, uma verdadeira peregrinação pelos fóruns e outras instâncias, para satisfazer os requisitos exigidos num processo de adoção. Todavia, há algumas pessoas que, por diversos motivos, não realizam este percurso. Particularmente no Brasil, a doutrina jurídica, convencionou alguns destes casos como "adoção à brasileira", isto é, receber uma criança ou jovem no seio familiar sem a observância das formalidades legais.

O mesmo autor ainda enfatiza que existem duas categorias distintas de pessoas que geralmente recorrem a este tipo de adoção:

1.Os que açodadamente realizam essa colocação indevida por receio de figurarem na fila de interessados em adoção.

2.Os que recorrem à "adoção à brasileira" com temor de recusa do Poder Judiciário (ou do Ministério Público) em aceitar o perfil dos interessados.

GÓIS (2005) aponta que o nível de satisfação em relação aos filhos pode ser semelhante tanto na geração biológica como na adoção, desta forma, não são os "laços sanguíneos" que diferenciam as famílias, mas sim os "vínculos parentais".

Nesse sentido, Beviláqua (citado por NEVES, 1995) pontua: "adoção é o ato civil pelo qual alguém aceita um estranho na qualidade de filho" (p. 651), ou seja, adotar é propiciar a oportunidade de uma extensa troca afetiva, pois, na adoção há uma ampliação do campo afetivo das pessoas envolvidas, englobando parentes, amigos e muitas vezes a própria comunidade, onde estas pessoas estão inseridas; portanto, não se restringindo apenas a criança e seus pais adotivos.

Para Caramuru (citado por VARGAS, 1993), adotar é acolher o filho não biológico e convertê-lo no filho escolhido, fruto do desejo. Um nascimento que mesmo não sendo vivenciado por meio de uma gestação biológica, pode ocorrer de maneira intensa, pois todas as etapas do processo prático e legal, podendo trazer alegrias, preocupações e medos; enfim, sensações e emoções que também são experimentadas na gestação biológica.

A condição de adotado é possível ser verificada em vários contextos históricos e até mesmo na ficção. Biblicamente, podemos destacar Moisés, adotado pela filha do faraó e criado como membro da corte egípcia, após ter sido abandonado por sua mãe biológica, Beneficiou-se de sua dupla identidade para conduzir o povo hebreu à "terra prometida". Ainda no contexto bíblico, o cristianismo salientou a condição de Jesus Cristo como filho adotivo de José. Outro célebre abandonado-adotado foi "Édipo", não por sua condição, mas sim pelas implicações ocorridas na busca de sua origem, conforme leitura estruturada por Freud, e que deu base para sua teoria, pautada na sexualidade, constituindo-se em um dos pilares da psicanálise. Até na literatura e ficção infantil, encontramos exemplos de adoção, com é o caso do personagem Super-homem, que, teria vindo de um outro planeta (Kripton) sendo adotado por uma família terráquea, que teria se ocupado de seus cuidados e de sua educação (VARGAS, 1998).

WEBER (2003) relata a estória dos gêmeos abandonados, Rômulo e Remo, fundadores de Roma, que segundo o mito, foram alimentados por uma loba depois de serem abandonados no Tibre, e posteriormente criados por pastores. É também relatada a história do império romano; que foi governado por mais de um século por Tibério, Calígula, Nero, os Antônios e Marco Aurélio, filhos adotivos de Otávio, o "Augusto", que do mesmo modo, era filho adotivo de Júlio César.

A mesma autora também cita as estórias infantis, destacando os desenhos; "Os Flinstones" em que o garoto "Bam-Bam" é filho adotivo de Barney e Beth; "Mogli", o menino-lobo, que foi abandonado na floresta e adotado seguidamente por vários animais; e também o leãozinho "Simba" de "Rei Leão", que ficou perdido na floresta, sendo adotado por um javali e um roedor do deserto.

Lebovici e Soulè (citados por PAIVA, 2004) afirmam que a esposa de Napoleão Bonaparte era estéril. Napoleão teria lutado para que a adoção fosse uma perfeita imitação da natureza e que fizesse parte do Código Civil francês, acrescentando que o adotado deveria possuir todos os direitos inerentes a um filho biológico.

Sendo assim, classifica-se a adoção, como instituto jurídico, pelo qual, um casal ou uma pessoa aceita um estranho como filho.Historicamente, esse instituto remonta os povos antigos, que sentiam a necessidade de prover à falta de filhos com crianças nascidos de forma clandestina, de acordo com os padrões da época.Assinala-se que no Direito Romano era possível verificar duas formas de adoção; a datio in adoptionem, que traduzindo do Latim significa "dação em adoção", isto é, entrega para adoção; e a adrogatio, que também traduzindo do Latim, quer dizer, arrogação, que significa tomar como seu; sendo que para que se efetuasse a adoção, era necessário que o interessado fosse dezoito anos mais velho que o adotado, que não tivesse filhos "legítimos"; que o adotado não fosse seu filho "ilegítimo", e que houvesse o consentimento do pai consangüíneo e que a adoção fosse oficializada por autoridade competente (NEVES, 1995).

NEVES (1995) destaca que a arrogação, que só poderia ocorrer se trouxesse benefícios ao arrogado; com o consentimento prévio entre as partes, ou do tutor ou curador, se fosse menor impúbere, isto é, que não houvesse atingido a puberdade.Esse passaria a desfrutar de todos os direitos de filho.Já entre os bárbaros, a adoção era permitida aos guerreiros que não possuíssem filhos, nesse caso, escolheria alguém para que pudesse sucedê-lo.Em Portugal, nas Ordenações Filipinas, a adoção deveria ser confirmada pelo príncipe, consistindo apenas num título de filiação, por meio do qual, assegurava ao filho adotivo o direito de pleitear alimentos.

O mesmo autor complementa que no Brasil, o Código Civil Brasileiro baseou-se nos princípios do Direito Romano para consagrar o instituto da adoção e suas leis decorrentes.Anterior à promulgação da Lei nº. 8069, de 13 de julho de 1990, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), era a Lei 4655, de 2 de julho de 1965, Código de Menores e os artigos 368 ao 378 do Código Civil, que normatizavam as questões relacionadas à adoção em nosso país. Sendo que no Código de Menores a adoção se dividia em dois tipos; a adoção simples e a adoção plena, sendo que ambos os tipos, eram precedidos por um período de estágio, ou seja, um tempo de adaptação, tanto para a família como para a criança em processo de adoção; sendo esse procedimento dispensado em alguns casos, se a criança tivesse menos de um ano de idade.Em decorrência da lei que criou o ECA, o instituto da adoção sofreu alterações sensíveis, pois, além dos artigos 39 ao 52 do ECA, que trata da matéria, temos a chamada adoção civil, que é regulada pelo Código Civil, nos artigos 368 ao 378, destinado àqueles que possuem mais de dezoito anos ou aos menores de idade que se encontram em situação regular.No antigo Código de Menores, a adoção plena, só poderia ser realizada por casais com cinco anos ou mais de casados e que pelo menos um dos cônjuges tivesse mais de trinta anos de idade.Já com o ECA, o limite mínimo de idade mudou para vinte e um anos de idade, surgindo também a possibilidade de adoção, para pessoas solteiras, concubinos, divorciados e separados judicialmente, obedecendo alguns critérios específicos para cada caso.Em contra partida, o ECA limitou e dificultou a adoção para estrangeiros, em relação ao antigo Código de Menores.O artigo 42 do ECA apresenta critérios pessoais para que uma pessoa possa pleitear uma adoção:

Pode adotar os maiores de vinte e um anos, independente de estado civil.

§ 1º Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando.

§ 2º A adoção por ambos os cônjuges ou concubinos poderá ser formalizada, desde que um deles tenha completado vinte e um anos de idade, comprovada a estabilidade da família.

§ 3º O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o adotando.

§ 4º Os divorciados e os judicialmente separados poderão adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas, e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância da sociedade conjugal.

§ 5º A adoção poderá ser deferida ao adotante que após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença.

WEBER (2003) cita seu estudo realizado em 2001; que investigou 400 pessoas em 105 cidades de 17 estados brasileiros, no qual, a autora elenca alguns aspectos que caracterizam parte de perfil das famílias adotantes:

§Casados (89%)

§Brancos – mães (96%); pais (86%)

§Formado ou cursando ensino superior – mães (50%); pais (48%)

§Renda familiar entre 3 e 30 salários mínimos (73%)

§Já possuem filhos biológicos (49%). Desse percentual 84% foram gerados antes da adoção.

EBRAHIM (2001) salienta que a adoção deve ter com interesse precípuo, o bem estar da criança, privilegiando-a com o direito de ter uma família, para que seja amada e protegida.

GÓIS (2005) entende a adoção, como uma possibilidade de (re) significação de (re) constituição familiar. Cita Maldonado, que divide e conceitua os aspectos psicológicos de uma gestação, comparando-os às "etapas" de um processo de adoção. O primeiro trimestre é considerado o período da surpresa, das expectativas em torno da criança que está sendo gerada e da própria gestação e do futuro, sendo que na adoção este período corresponde a escolha da criança: cor, origem, etc. Já o segundo trimestre da gestação é o período da adaptação da mãe à gravidez; quando esta passa a ter um contato mais íntimo com o bebê. Este período na adoção é quando normalmente a mulher faz uma auto-avaliação de sua capacidade de ser mãe. Finalmente, o terceiro trimestre se constitui o período de consolidação do vínculo mãe-bebê, em que a mãe já se sente responsável pela sobrevivência, educação e formação do filho. Na adoção, correspondentemente a este período, destaca-se a época das expectativas futuras, porém, algumas vezes marcada pela insegurança em relação ao comportamento da criança, havendo um questionamento interior, se ele será afetado por fatores genéticos originários da criança.

É possível compreender, portanto, que a adoção de crianças seja um fenômeno social, descrito por uma multiplicidade conceitual; e sendo assim, apresenta variações interpretativas, representativas e significativas. Deste modo, apesar de existir aspectos genéricos, a adoção é marcada pelas nuances e peculiaridades, de cada caso. Entretanto, é comum verificarmos generalizações, sobretudo, de maneira negativa, proliferando concepções preconceituosas e mitificadas, com veremos a seguir.

Preconceitos, mitos e tabus sobre a adoção.

Em nossa sociedade a questão da adoção, via-de-regra, é vista sob uma ótica sistematicamente negativa, enfatizando relatos pessoais que abordam, sobretudo, as piores conseqüências decorrentes de processos adotivos que não foram bem sucedidos. Desta forma, não privilegiando as conseqüências inerentes aos casos que apresentem índices de satisfação e felicidade para as pessoas envolvidas. Sendo assim, deixando evidente, embora muitas vezes de maneira equivocada, a noção de estes processos, geralmente acarretam infelicidade e insatisfação. Além dos diversos tipos de preconceitos, que costumam revestir a adoção, algumas vezes os meios de comunicação potencializam os efeitos negativos que circundam esse fenômeno, exacerbando aspectos com rejeição, abandono, herança genética, entre outros; citandos-os como possíveis entraves nas adoções (DUCATTI, 2004).

Mesmo com toda a evolução científica, a adoção de crianças figura entre os temas que continuam envolvidos por mitos e fantasmas do senso comum. Apesar disso, a filiação adotiva se constitui em uma filiação legitimada, possuindo o mesmo status jurídico da filiação natural (VARGAS, 1998).

GAGNO e WEBER (2003) argumentam que a adoção permanece um pouco esquecida nos próprios meios científicos, ou acaba sendo tratada de maneira preconceituosa e em conseqüência disto, ocorrem às generalizações de casos dramáticos que algumas vezes chegam aos consultórios psicológicos ou psiquiátricos, ocasionando um viés que associa a adoção a fracassos ou a problemas.

VARGAS (1993) apresentando o estudo de Caramuru (1989) enumera cinco itens com os principais temores dos pais adotantes:

§Que os pais biológicos retornem um dia em busca da criança;

§Temor por uma má herança biológica;

§Medo de que no futuro a criança vá procurar seus pais biológicos;

§Temor à censura da sociedade pela ausência do processo biológico da gestação;

§Exaltação do aspecto filantrópico.

VARGAS (1993) acrescenta como temor dos adotantes, o medo de um suposto fracasso pessoal ao serem checados pelo filho quanto à sua origem ou em relação às dificuldades e dúvidas típicas que surgem na adolescência. Desta forma, algumas vezes acabam se criando uma espécie de "segredo" em torno da adoção e das origens do filho adotivo, existindo entre os parentes e os amigos mais íntimos das famílias, os chamados "acordos velados", ou seja, o assunto adoção e, sobretudo a história pessoal da criança adotada, torna-se tabu para a família, uma questão proibida de ser comentada ou discutida.

Algumas vezes em função do "segredo" da adoção, os pais adotivos permitem a "inversão da hierarquia parental", isto é, a criança se torna a principal mandatária das regras e leis que orientam a dinâmica familiar, ocasionando uma espécie de "disfuncionalidade" deste sistema, sendo que a insegurança dos pais se constitui um dos principais fatores deste processo (GÓIS 2005).

Diante da crença de que laços de parentesco biológicos são permanentes porque são "naturais" e "sagrados", a concepção de que os genitores mantêm direitos inalienáveis sobre seus filhos, sugere uma fragilidade dos laços mantidos pela adoção e justifica o temor de que estes venham a se romper (VARGAS, 1993, p.67).

VARGAS (1993) assinala que outro fator que favorece os segredos da adoção é a "preservação" da circulação vertical da criança adotiva, pois, muitas vezes, ela tem suas origens, numa classe social considerada "inferior" e num processo de adoção, transpõe as fronteiras de classes, estabelecidas dentro de uma ordem social hierarquizada.

Estando o moral e o biológico imbricados, a adoção traz o problema de abalar uma ordem estabelecida com a incorporação de um "estranho" à família, e principalmente, da idéia do risco assumido com esta incorporação (VARGAS, 1993, p.67).

É possível observar historicamente, a variabilidade da estruturas familiares, revelando a desnaturalização e desuniversalização destas estruturas. Desta forma, rompe-se com o fundamento biológico da consangüinidade, no que se refere ao parentesco. Os laços de parentesco implicam, além da consangüinidade e da descendência, alianças estabelecidas a partir das vivências nas diversas configurações familiares existentes atualmente (PAIVA, 2004).

De acordo com BALLONE (2003), alguns estudos em que procuram demonstrar possíveis alterações no desenvolvimento de crianças adotadas; alterações que supostamente também se encontram presentes em crianças que vivem em orfanatos ou qualquer outra espécie de instituição asilar. Pois, parte-se do pressuposto de que muitas crianças adotadas passaram algum tempo neste tipo de instituição. Estes estudos sugerem a chamada "Negligência Precoce", caracterizada por uma falta de interação satisfatória entre a mãe e o filho, durante uma fase crítica da vida da criança, portanto, capaz de interferir em seu desenvolvimento, mesmo que esta criança tenha recebido devidamente os cuidados físicos e materiais. Entre as situações que são consideradas como Negligência Precoce, pode ser destacado o abandono, constituindo-se em uma das situações mais graves, podendo acarretar prejuízos no desenvolvimento físico e psíquico das crianças vítimas de abandono. A "Depressão Anaclítica" é um exemplo destes prejuízos; ela é caracterizada, principalmente, pela perda gradual do interesse pelo meio social. Outros estudos ainda sugerem que a convivência em orfanatos favorece uma possível inibição global das áreas da inteligência das crianças, produzindo um efeito negativo na coordenação motora geral, na interação social e na linguagem.

Elinor Ames, realizou uma pesquisa no Canadá, em que foi possível verificar que, 78% de crianças romenas provenientes de orfanato estavam atrasadas, em relação ao desenvolvimento considerado normal, quando foram adotadas. Estudos como esse, contribuíram para que os outros fossem realizados, como por exemplo, o de Dana Johnson, da Universidade de Minnesota, que estudou mais de 300 crianças adotadas, apontando que algumas crianças, dos 6 aos 12 meses de idade já começam apresentar um atraso em algumas áreas, sobretudo, do desenvolvimento da linguagem, e um ano depois, quase todas estão atrasadas. Estes estudos ainda sugerem que as crianças até os 2 anos de idade, podem apresentar uma recuperação muito boa, mas após esta idade, essa recuperação já seria mais problemática. Sendo assim, definem que antes dos 2 anos de idade, seria uma idade ideal para adoção de crianças (BALLONE, 2003).

Segundo PAIVA (2004), no período entre 1980 e 1990, é pequena a quantidade de trabalhos sobre adoção, sobretudo no Brasil.

Algumas pesquisas brasileiras, possivelmente impulsionadas pela idéia de que a adoção está diretamente associada a conflitos, distúrbios de comportamento e a problemas de aprendizagem, advêm do trabalho clínico, ou seja, são realizadas com crianças, adolescentes e adultos adotados, submetidos a psicodiagnóstico ou psicoterapia (p.29).

Entretanto, de acordo com a mesma autora, nos últimos anos parecer estar havendo maior interesse em relação ao tema adoção, haja vista, o aumento de publicações científicas, dissertações, teses e eventos (congresso, simpósios, etc.) sobre o assunto.

Nesse sentido, GAGNO e WEBER (2003) consideram muito importante estar atento ao discurso dos meios de comunicação de massa, a respeito da adoção, pois, estes ocupam um papel central na cultura contemporânea. Estes meios de comunicação em massa exercem uma participação significativa na construção social na atualidade, desta forma, ressalta-se a grande responsabilidade destes veículos em possibilitar uma (re)orientação dos conceitos e práticas sociais, inclusive sobre a adoção, apresentando notícias completas e críticas sobre os fatos, ao invés de contribuir ainda mais para o enrijecimento dos preconceitos populares, causando prejuízos para as famílias adotivas e às crianças a espera de adoção.

(...) parece que os casos em que houve dificuldade na adoção é que são generalizados, devido às informações sobre o assunto virem da mídia e do 'boca-a-boca', por falta de estudos sistemáticos a respeito e até pela generalização de casos clínicos dramáticos que colocam a perda inicial dos pais biológicos como irreparável e determinante de todos os problemas. Forma-se desta maneira uma representação social limitada e errônea sobre a associação genérica entre adoção e fracasso (GAGNO e WEBER, 2003, p.113).

PAIVA (2004) argumenta que, os problemas geralmente descritos com criança adotada, a priori não podem ser pensados e relacionados diretamente ao fato de ter sido adotada, nem às possíveis vivências traumatizantes, anteriores a adoção. É a natureza dos vínculos pais-filho que se estabelecem a partir deste encontro e as vivências vindouras da criança em seu novo ambiente que consistem fatores para se compreender as vicissitudes da adoção.

A adoção é, em si, um tema cercado de visões e opiniões divergentes, muitas vezes distorcidas, sendo a adoção tardia, ou seja, de crianças mais velhas, de acordo com alguns autores, revestida de muito mais preconceitos, quase sempre associada com problemas e fracassos (EBRAHIM, 2001).

Para EBRAHIM (2001), a inserção de crianças mais velhas e/ou com necessidades especiais, é mais complexa, sendo que a aceitação por parte dos pais adotantes, da história de vida, da herança biológica da criança e o interesse dela ser adotada, são fatores essenciais para o sucesso da integração e conseqüentemente da adoção. "(...) O fato de a criança ser mais velha não é um elemento inviabilizador da adoção, e que, por si só, afaste a criança dos benefícios que a integração numa família adotiva pode representar (...)" (p.30).

No entanto, nas adoções consideradas tardias, devido a criança chegar em uma nova família, já possuindo um histórico de vida, é possível que ela encontre alguma dificuldade em "aceitar" uma figura paterna ou mesmo materna. Por isso, não é raro deparar-se com grupos familiares que adotam nominações alternativas como "tio" ou "padrinho", para as pessoas que desempenham estas funções (DUCATTI, 2004).

A falta de acompanhamento, de esclarecimentos básicos aos adotantes e adotados, tem sido uma das principais causas dos "fantasmas", que são aludidos acerca das adoções (VARGAS, 1993).

Em geral, somente as crianças de até dois anos conseguem colocação em famílias brasileiras. A partir dessa idade a adoção torna-se mais difícil. Grande parte das crianças, consideradas mais velhas, ou é adotada por estrangeiros ou permanecem em instituições até atingirem a maioridade. Alguns preconceitos são específicos da adoção de crianças mais velhas, e surgem como forma de justificar a preferência por bebês; estes se relacionam fundamentalmente com a dificuldade na educação, pois, de acordo com algumas pessoas, dificilmente uma criança adotada tardiamente aceitaria os padrões estabelecidos pelos pais, pois estariam com sua formação social iniciada, portanto, adotando bebês obtem-se uma melhor adaptação entre pais e filhos e uma adequada socialização, em que as crianças serão capazes de atender aos anseios da família (EBRAHIM, 2001).

EBRAHIM (2001) salienta que algumas pesquisas revelam que a maior parte da população apresenta os seguintes preconceitos quanto à adoção tardia:

a)o medo de adotar crianças mais velhas por dificuldades na educação;

b)o receio de adotar crianças institucionalizadas pelos maus hábitos que trariam;

c)as crianças que não sabem que são adotivas têm menos problemas, por isso deve-se adotar bebês e esconder deles a verdade, imitando uma família biológica.

Outro tipo de preconceito envolvendo a adoção, e que tem merecido destaque, sobretudo nos dias atuais, é quanto ao pedido de adoção por casais homossexuais. Uma das alegações que é feita, para justificar as restrições quanto à adoção por casais homossexuais, é que as pessoas com esta opção sexual, influenciariam na formação da "personalidade" da criança; porém, jamais se provou cientificamente que este argumento tenha consistência. Este critério reveste-se de preconceitos, mas, não encontra respaldo legal. Contudo, já há indícios do surgimento de precedente jurisprudencial, que acolha pedido formalizado por casais homossexuais, fundamentado na estabilidade da união.

Um exemplo desta mudança foi a decisão tomada pelo juiz da Vara da Infância e da Juventude de Bagé (RS), Marcos Danilo Edon Franco, em 2005, que permitiu a adoção de dois irmãos por um casal de mulheres homossexuais. As mulheres viviam em união estável há sete anos. Uma delas já era responsável pela criação dos meninos desde o nascimento deles. O juiz considerou que a criação e ambiente de afeto em que as crianças vão viver satisfazem todos os requisitos que muitas vezes não estão presentes nos casais "considerados normais pela sociedade". Para o juiz, "a sociedade não pode ignorar a relação entre pessoas do mesmo sexo", porém, ele qualificou a homossexualidade como "um determinismo biológico, e não uma opção sexual" (REVISTA CONSULTOR JURÍDICO, 2005)

A manutenção rígida de antigos parâmetros sociais pode revelar uma espécie de subvalorização da filiação afetiva, dando continuidade à priorização de famílias tradicionais na seleção dos candidatos à adoção, e assim, ratificando a discriminação com base na orientação sexual dos adotantes, apresentando a adoção sob uma perspectiva culturalmente autoritária, conservadora e excludente. Torna-se imprescindível maior divulgação de informações, orientações e produções científicas sobre o assunto, pois, estes elementos podem se constituir como diferenciais extremamente importantes para a efetivação dos processos de adoções de crianças. A presença eficaz desses fatores diminui a probabilidade interpretações e argumentações equivocadas. Nesse sentido, podendo representar uma espécie de preparação inicial para os envolvidos na adoção.

Preparando a família e a criança para a adoção

No Brasil, a maioria dos pais adotivos não teve ou não passou por um processo de "preparação" antes da adoção. Sendo assim, não tiveram a oportunidade de lidar, ainda que de forma alusiva, com os sentimentos que geralmente são desencadeados diante da ocorrência concreta do fenômeno da adoção, representando uma espécie de "avalanche emocional" que desaba sobre a vida das pessoas envolvidas. Este fato pode em alguns casos explicar os diversos conflitos que surgem durante a efetivação do processo de adoção (WEBER, 2003).

Por isso, a adoção requer alguns "manejos profiláticos" que visem minimizar os impactos decorrentes naturalmente do processo. Como argumenta HUTZ (2005), no que se refere a habilitação de candidatos à adoção, este tipo avaliação deve ter como propósito primordial, uma investigação geral sobre diversos aspectos da família adotante acerca da disponibilidade da inserção de um novo membro no contexto familiar, almejando um trabalho reflexivo sobre os sentimentos e motivações relacionados à adoção. Portanto, é de fundamental importância avaliar o caráter subjetivo que a pessoa busca num processo de adoção. Para isso um dos pontos relevantes considerados por esse autor na habilitação à adoção, é a flexibilidade dos candidatos quanto a exigências como idade, sexo, cor da criança. Uma postura rígida frente a esses quesitos pode trazer implícitas algumas dificuldades e adversidades em relação à fertilização. Outro aspecto essencial é que os profissionais esclareçam aos candidatos, que qualquer criança poderá apresentar dificuldades em seu processo de adaptação, ao longo de seu desenvolvimento e o nível de sua saúde mental ou psicológica dependerá, sobretudo, da rede de apoio que ela poderá contar, independente da forma de filiação.

É fundamental ressaltar que o estigma a respeito da adoção não se restringe à população leiga; muitas vezes no próprio discurso de profissionais de diversas áreas da saúde e possível verificar a mitificação sobre a adaptação psicológica de crianças e adolescentes adotados (HUTZ 2005).

Assim, como se tem a preocupação com a avaliação com os candidatos a pais adotivos, essa preocupação também se reporta à criança que será colocada em adoção, sendo que o objetivo desta avaliação com a criança ou adolescente, é reunir o maior número de informações para tentar inseri-la em uma família que mais se aproxime de suas necessidades e potencialidades, todavia, respeitando o critério de antiguidade de inscrição das listagens oficiais de candidatos a futuros pais. Nesse sentido, tratando-se de bebês, é imprescindível a análise das condições de saúde e possíveis intercorrências que possam demandar posteriormente cuidados especiais. Para que desta forma, isso passa coadunar com as reais possibilidades e disponibilidades dos adotantes. Similarmente, o cuidado com a avaliação da criança deve ser redobrado nos casos de adoção tardia ou na adolescência, pois não se pode ignorar a história pregressa e a sua vinculação à família biológica, além disso, suas condições físicas e emocionais. Portanto, torna-se extremamente necessário a avaliação da condição de adotabilidade, que pode ser traduzida em um grande "leque" de aspectos a serem considerados, haja vista que em alguns casos de adoção, um dos fatores preponderantes a ser considerado é o desejo da criança ou adolescente em estabelecer novas relações com outros adultos, visando uma nova inserção em um contexto familiar (HUTZ, 2005).

A avaliação psicológica de crianças em situação de adoção inicia-se a partir da conclusão do processo de destituição do poder familiar, todavia, as informações referentes ao período que a crianças esteve eventualmente institucionalizada ou abandonada tornam-se fundamentais para tal avaliação. Contudo, em virtude da forma que ocorrem, algumas vezes, o abrigamento destas crianças, ou da dinâmica ou características da instituição, estas informações se tornam indisponíveis, dificultando assim a anamnese do caso. É importante ressaltar que a avaliação deve ser formatada de acordo com as características e especificidades de cada situação (HUTZ 2005).

É possível verificar nas crianças uma predisposição para vincular-se a outra pessoa, o que, não raro, se dirige além da figura materna à outras pessoas específicas, como educador por exemplo. Todavia, nos primeiros anos de vida, essa predisposição possui um caráter afetivo, descrito por Bowlby como apego, tendo como produto desta característica o direcionamento para uma ou mais pessoas, numa ordem clara de preferência, apoiada na reciprocidade e proximidade das pessoas envolvidas. Nesta mesma perspectiva, o primeiro ano de vida é visto como crucial para o desenvolvimento do comportamento de apego, pois, esta fase é freqüentemente associada às características psicológicas de etapas posteriores do desenvolvimento (CARVALHO e GUIMARÃES, 2003).

Entretanto para compreender a relação entre pais e filhos e da família de uma forma geral, é fundamental compreender as diversas representações da maternidade e da paternidade. Pois, nesse sentido, a Etologia, teoria que enfatiza a questão do vínculo, deixa claro que, a vinculação afetiva não se dá unicamente pelo processo automático da fisiologia, apesar do apego biológico inicial; mas sim, por um processo de interação. Esse vínculo a princípio, é recoberto por uma relação de dependência, do filho em relação à mãe, mas com o passar do tempo transforma-se numa relação de troca afetiva (WEBER, 2004).

A esse respeito, BOWLBY (1997) ressalta.

Em suma, o comportamento de ligação é concebido como qualquer forma de comportamento que resulta em que uma pessoa alcance ou mantenha a proximidade com algum outro indivíduo diferenciado e preferido, o qual é usualmente considerado mais forte e (ou) mais sábio. Embora seja especialmente evidente durante os primeiros anos de infância, sustenta-se que o comportamento de ligação caracteriza os seres humanos do berço à sepultura (p.171).

Diante disso, é possível pensar que num processo de adoção, ovínculo pode ocorrer de maneira consistente, a partir da qualidade das relações que forem estabelecidas.

Embora não se possa definir de uma forma simplista, é possível argumentar que o chamado vínculo afetivo corresponde à atração que um indivíduo sente por outro indivíduo, no entanto, é importante salientar que existem vários tipos de vínculos, sendo que cada um é formado de acordo com especificidades contextuais, embora os mais comuns sejam os vínculos existentes entre pais e filhos, e entre adultos do sexo oposto. No que se refere à vinculação entre pais e filhos, é possível verificar que o vínculo estabelecido principalmente entre a mãe e o filho pequeno, freqüentemente persiste até a vida adulta. Porém, a vinculação afetiva, também é resultado do comportamento social de cada indivíduo entre os membros de sua espécie. Sendo assim, intensas emoções humanas afloram-se durante a formação, manutenção, rompimento e renovação de vínculos, consistindo-se fundamentalmente numa experiência subjetiva, que poderá ou não ser expressa em ações objetivas, ou seja, manifestações observáveis (BOWLBY, 1997).

Ainda no que se refere ao estabelecimento de vínculo, BOWLBY (1997) destaca a teoria da ligação, enfatizando as seguintes características:

§Especificidade, isto é, o comportamento de ligação é dirigido para um ou alguns indivíduos específicos;

§Duração, ou seja, o tempo de persistência de uma ligação;

§Envolvimento emocional, verificado pela intensidade das emoções emanadas durante todo o processo de vinculação;

§Ontogenia, que se refere à ligação com uma figura preferida, que geralmente se desenvolve durante os primeiros meses de vida;

§Aprendizagem desenvolve um papel secundário, mas não menos importante neste comportamento de ligação;

§Organização, isto é, o comportamento de ligação é mediado por respostas organizadas a partir das ligações iniciais;

§Função biológica, que entre os mamíferos, geralmente persiste durante todo o ciclo vital.

A proteção é a mais provável função do comportamento de ligação, talvez por isso usualmente seja mencionado em crianças, tendo como figura de ligação a mãe, mas que também pode ser projetada em outra figura cuidadora. Neste caso, esta figura é fornecedora de uma base segura para eventuais explorações ambientais da criança. Por isso, o papel dos pais funciona complementarmente neste comportamento de ligação, porém, sendo considerado de extrema importância (BOWLBY, 1997).

A avaliação psicológica, de uma forma geral, da família e da própria criança, envolvidas em processos de adoções, pode ser entendida como parte fundamental do processo, no entanto, parece-nos coerente e relevante que os critérios utilizados sejam abrangentes e adequados à realidade de cada caso, isto é, não tendo uma configuração padronizada. Sendo que a vinculação afetiva pode considerada, um substrato de diversos e diferentes processos inter-relacionais, possível de ser construída em outras etapas da vida que não seja necessariamente nos primeiros anos de vida. Com isso, também se torna possível pensar, que a denominação de família substituta seja aplicável apenas no início da inserção familiar da criança que está sendo adotada, pois, a partir da constituição de consistentes laços afetivos, caracterizando um vínculo efetivo na dinâmica familiar, essa condição de substituta deixaria de existir, sendo esta família legitimada como referência para a criança.

Por isso, a adoção de criança, em um contexto mais amplo, pode representar em sua essência, situações caracterizadas pelo "re", isto é, possibilidades de reconstrução, reinserção, reestruturação, reinclusão; enfim, a possibilidade de um verdadeiro renascimento para a vida, pessoal, familiar e social, não só da criança, mas também daqueles de a adotam.

3.4 Uma nova possibilidade de inclusão social

Em seu livro, Biologie et Connaissance, Piaget escreveu que "a inteligência humana somente se desenvolve no indivíduo em função de interações sociais que são, em geral, demasiadamente negligenciadas". Desta forma, é possível dizer que, o homem é um ser essencialmente social, impossível, portanto, de ser pensado fora do contexto da sociedade em que nasce e vive. Para Piaget, o "ser social de mais alto nível é justamente aquele que consegue relacionar-se com seus semelhantes de forma equilibrada". Ele definiu diversos graus de socialização, partindo do "grau zero" (recém-nascido) para o grau máximo representado pelo conceito de personalidade (TAILLE et al, 1992).

Ao longo da história diversas representações foram construídas a respeito da infância, porém, é possível perceber uma convergência das concepções, consagrando o lúdico, às brincadeiras, os sonhos, os devaneios; parecendo isentá-la das preocupações e obrigações. Atribuindo a esta etapa da vida um caráter universal, com traços homogêneos, independente do contexto espaço-temporal. Contudo, esta idealização da infância vem sendo colocada em xeque, causando uma verdadeira "desconstrução das imagens poéticas sobre a infância"; isto em função da multiplicidade contextual do fenômeno (MOREIRA e VASCONCELOS, 2003).

Muitas vezes, mesmo antes ou ao nascer o bebê encontra-se excluído socialmente. Em alguns casos esta exclusão tem suas raízes na pobreza, nas situações de moradias inadequadas, nas doenças crônicas ou em longos períodos de desemprego que enfrentam seus cuidadores. Desta forma, são negados à estas crianças recursos e oportunidades para se desenvolverem adequadamente, como ocorre com outras crianças. Algumas se deparam ainda com obstáculos adicionais, por causa de seu gênero, de sua raça, de sua religião ou ainda por conta de algum tipo de deficiência. É claro que este panorama não é generalizável, pois boa parte das crianças vive no seio de famílias amorosas que se preocupam e procuram proporcionar condições favoráveis de desenvolvimento apesar de muitas vezes enfrentarem situações materiais precárias. Sendo assim, um dos grandes desafios que a sociedade moderna é enfrentar o afrouxamento e o rompimento desses fatores extirpadores que muitas vezes estrangulam e arrancam o desenvolvimento destas crianças (MITTLER, 2003).

Nesse sentido, CARVALHO e GUIMARÃES (2003), enfatizam que, o desenvolvimento da criança se dá num processo que ocorre numa rede de relações sociais, no contexto em que a criança é colocada, sendo que o contato com outras pessoas; sejam adultos, adolescentes ou mesmo outras crianças; propicia a sua inserção no mundo, e com a aquisição da linguagem, aprendizagem de hábitos e costumes a criança vai ampliando este universo de relações sociais.

Do ponto de vista evolutivo, nossos ancestrais começaram uma espécie de dependência cultural, e que, com a conseqüente evolução, esta dependência foi sendo reorganizada, não só para a sobrevivência, mas também de maneira sócio-afetiva, associada ao acúmulo e à transmissão de informações. Desta forma, o ser cultural, típico do homem, implica em ser social, que por sua vez implica em ser afetivo. Nesse sentido, a criança, desde o nascimento apresenta uma predisposição para o estabelecimento de vínculos, muitas vezes expresso por expressões faciais, vocais e corporais, além de uma capacidade de imitação (BUSSAB, 1999).

RODRIGUES (1999) argumenta que a evolução do estabelecimento de vínculos entre os seres humanos iniciou-se com cuidado parental. Este evento possibilitou o desenvolvimento da sociabilidade, criando condições para o desenvolvimento das relações entre pais e filhos e outras relações amigáveis.

Por isso, o apoio social e afetivo constitui uma das mais importantes dimensões do desenvolvimento humano, favorecendo o bem-estar da pessoa. Este apoio está relacionado com a percepção que a pessoa tem do mundo social ao seu redor, como se orienta neste contexto, as estratégias e competências que utiliza para o estabelecimento de vínculos, e com os recursos que são lhe oferecidos como proteção. Deste modo, a formação de uma rede de apoio social e afetivo propicia o fortalecimento da pessoa nos diversos flancos experimentados durante a vida, reforçando o senso de pertencimento, dignidade, com isso, promovendo também o desenvolvimento da auto-estima (BRITO e KOLLER, 1999).

As mesmas autoras enfatizam que, uma eficiente rede de apoio é composta por relações próximas e significativas, sendo que a primeira rede que geralmente a criança faz parte é a família, iniciando-se desde muito cedo pelo desenvolvimento das relações de apego. As interações familiares são muito importantes, possibilitando à criança a expansão do seu mundo e conseqüentemente a vinculação com outras pessoas. Nesse sentido, o papel dos pais, além do provimento de bens, sustento dos filhos, educação formal e informal, consiste em transmitir valores de diversas ordens.

Torna-se evidente a importância da dinâmica familiar para o desenvolvimento global da criança, além das demais redes de apoio que ela desenvolverá ao longo da vida, podendo assim, experimentar com mais segurança e satisfação todas as etapas deste desenvolvimento.

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Autor: Jose Eduardo Geremias


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