Relato De Uma Experiência Com Aulas De Produção De Textos No 1º Ano De Pedagogia (Cesulon - 1996)



A experiência começa da teoria relacionada aos aspectos gerais da escrita, tais como: definição da escrita, justificativas de seu ensino, principais etapas do seu desenvolvimento, fatores que favorecem seu aprendizado, início de seu ensino sistemático, escolha de uma modalidade de aprendizado inicial e relações entre a leitura e a escrita.

Considerando ser uma turma constituída de 40 alunas que já atuavam como regentes ou co-regentes de classes pré-escolares e de 1ª a 4ª séries do 1o grau municipal, estadual e particular e que cursavam Pedagogia com habilitação em magistério, primeiramente, ousei partir do questionamento sobre a escrita manuscrita, as justificativas para o ensino dessa modalidade e o estudo das etapas do desenvolvimento da escrita: a pré-caligráfica, a caligráfica infantil e a pós- caligráfica.

A escrita manuscrita como uma modalidade de linguagem exige um estudo pragmático por ser um sistema peculiar do seu usuário pelo seu nível de organização, domínio das direções do traçado no espaço do papel, pensamento, afetividade e funcionamento. Esse tipo, por ser grafismo e linguagem, relaciona-se com seus níveis de aquisição e evolução de suas possibilidades que lhe permitem dar forma e sentido ao conhecimento lingüístico.
Mesmo com a expansão da imprensa, o império da informática e o aparecimento de outros meios de registro de informação (cartões perfurados, discos, fitas magnéticas, CDs, CD Rom) a escrita manuscrita continua sendo um meio de comunicação insubstituível por sua personalização de registro e expressão.

Do mesmo modo que as outras modalidades, a escrita manuscrita utiliza um código em que o emissor transmite seus pensamentos através de símbolos gráficos e o leitor/ouvinte reage em função de seus esquemas sociais. Na escola, a escrita manuscrita constitui-se um instrumento de grande importância para as crianças porque lhes permite adquirir, reter e recuperar a linguagem escrita, além de aperfeiçoar o próprio pensamento e registrar rapidamente as informações que recebem. Serve a todos para a expressão de múltiplas exigências do cotidiano (receitas, lista de compras, agendas, anotações) e, como técnica instrumental básica, permite ao aprendiz que desloque sua atenção para outros aspectos da resposta escrita (ortografia, gramática, sintaxe, conteúdo, regras) e por ser um meio de transmissão social de cultura e objeto histórico do conhecimento, caracteriza-se pela sua tradição, rapidez e facilidade de registro.

Os primeiros a tratar sobre a existência de uma pré-história da linguagem escrita foram os soviéticos Luria e Vygotsky que afirmam iniciar nas crianças antes mesmo de os adultos começarem a ensiná-las a escrever. Luria e Vygotsky, analisando produções infantis descobriram quatro etapas neste desenvolvimento funcional da escrita:

1. etapa dos indícios indiferenciados instrumentais (inscrições semelhantes ao que deseja representar);
2. uso ostensivo e não diferenciado de signos (sinalizações);
3. passagem do não diferenciado para o diferenciado, do signo-estímulo ao signo-símbolo (rabiscos com indícios mnemônicos);
4. inscrições com quantidade e qualidade além da forma do objeto que deve ser representado (escrita pictográfica).

Pela divulgação da interpretação piagetiana de Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1979), na América do Sul, a concepção do desenvolvimento da escrita mudou de feição. Antes o que parecia depender dos professores, de sua atuação e de passos por eles criados para que as crianças pudessem, aos poucos, acompanhar o modelo, foi revelado que as crianças já vêm com uma bagagem anterior independente do trabalho do educador.

Com uma mesma trajetória para todos, a discussão acerca da pré-história da escrita, atingiu um padrão ideal a partir dos anos 80. Depois da psicogênese da escrita, essa modalidade da linguagem passou a ser um conhecimento do qual as crianças se apropriam como sujeitos e não como objetos manipulados, espectadores ou seguidores.

Nas pesquisas de Ferreiro e Teberosky essas etapas de Luria e Vigotsky coincidem com a concepção piagetiana do pensar da criança ao construir sua pré-história da escrita, em quatro fases: a primeira fase - marcas gráficas ou nível icônico, são tentativas de representar as idéias/coisas através do desenho; a segunda fase – é diferenciação qualitativa e quantitativa ou são notações com a presença de letras; a terceira fase – é caracterizada pela fonetização da escrita ou começo do período silábico que desemboca mais tarde no período alfabético. Esse período corresponde à quarta fase, quando as crianças utilizam todas as possibilidades do alfabeto e tentam fazer a correspondência de todos os sons às letras, nas palavras e frases que já se arriscam a escrever.

Essa abordagem da escrita, a partir de uma perspectiva psicogenética, tem sido considerada como uma revolução no conhecimento da escrita. Mas, a meu ver, no aspecto simbologia, a criança não relaciona sozinha os objetos ou a linguagem à escrita, como afirmam Luria e Vygotsky. Penso que o uso instrumental é que caracteriza cada etapa do desenvolvimento. Creio que também Emília Ferreiro se equivoca quando afirma que para toda criança a escrita é objeto simbólico. Para mim, a criança simboliza o escrever por imitação do adulto, pelo que vê esse adulto fazer, na convivência com o ambiente letrado e por estimulação. Assim para a criança, a escrita é objeto de conhecimento simbólico e instrumental e não só objeto de representação independente da interação.

Autoras como: Condemarin e Chadwick (1987) descrevem essas fases do desenvolvimento da escrita de modo convencional, que é a maneira que a escola consegue acompanhar dentro das manifestações concretas do desenvolvimento da criança.

Como atividade convencional, a escrita caracteriza-se pela destreza adquirida através de exercícios específicos que, na escola, são considerados como etapas do desenvolvimento: pré-caligráfica, caligráfica infantil e pós-caligráfica.

A etapa pré-caligráfica corresponde ao período em que a criança começa a apresentar traços semelhantes à escrita (5 a 7 anos).

Na etapa caligráfica infantil a criança apresenta o domínio de linhas, os traçados de letras, ligação de palavras, frases e textos, demonstrando maturidade de expressão escrita (8 a 12 anos).

Na etapa pós-caligráfica (a partir de 12 anos) o adolescente passa por uma crise da escrita, com uma tendência a realizar uma caligrafia personalizada. Nesse momento, a exigência da rapidez na escrita tem um papel importante, caracterizando uma fase em que o aluno quer exibir um estilo próprio, algumas vezes não conseguindo sincronia entre o pensamento e a representação escrita.

Algumas razões levam os estudantes adolescentes a não dominar essa fase, tais como: as poucas oportunidades de empregar a escrita; a não adaptação às normas impostas a esse nível de escolaridade; e o congestionamento de informações de diferentes áreas de estudo, sem conexão entre si, não permitindo uma associação de sentidos e, conseqüentemente, desestimulando as tentativas de criar um estilo único de escrita.

Logo após as considerações teóricas, passei à orientação da prática e análise dos fatores que favorecem o aprendizado da escrita manuscrita: o desenvolvimento psicomotor, a função simbólica, o desenvolvimento da linguagem, a mão adequada para escrever, a lateralidade gráfica e a usual, as modalidades script e cursiva e as evidências quanto à rapidez, flexibilidade e continuidade da escrita cursiva.

Depois de tecer considerações acerca da pré-escrita, coordenei a pesquisa de casos em textos de crianças e acompanhei a elaboração de estratégias para desenvolver a escrita em turmas de primeira a quarta séries do 1º grau. Foram observados os níveis de desenvolvimento da escrita inicial e classificados os textos de acordo com os estágios da psicogênese, com base nos estudos de Ferreiro e Teberosky (1979). Também foram analisados alguns textos da fase intermediária (cópias, ditados, reproduções, paráfrases e resumos) utilizando as referências das pesquisas de Condemarin e Chadwick, assim como as de Calkins (1989), cujas marcas estão voltadas para o ensino e aprendizagem da escrita convencional. Percebi que os textos espontâneos demonstram as transições de níveis e fases que tanto têm preocupado lingüistas e educadores, porém, por si só não resolvem. É preciso que o professor faça sua parte, estimulando e proporcionando às crianças oportunidades de desenvolver esses níveis, em menos tempo.

Por último, apliquei algumas estratégias de produção de textos coletivos, reestruturação e análise lingüística com essa turma de Pedagogia para que aprendessem a interagir com seus alunos no ensino de redação no nível fundamental.

Os textos produzidos por elas deveriam incluir conteúdos da série, considerar o nível da turma e priorizar os aspectos da fase inicial (aprendizado das letras, aprendizagem da ligação entre letras e palavras, regularidade da escrita, diagramação, estratégias de releitura e reescritura, registros, relatos e anotações) e da fase intermediária (escrita criativa, relatos de experiências, situações vividas, descrições, acrósticos, diários, agendas, fantasias e apontamentos), além de habilidades específicas da escrita (ortografia, pontuação, estruturas gramaticais) e condições de destrezas funcionais (cópias, ditados, reproduções, paráfrases e resumos).

Dei a esse tipo de experiência o título de Pragmática Instrumental, tendo em vista que a turma aprendia simultaneamente o que iria aplicar em sala de aula, ou seja, treinava a habilidade para executar. A avaliação consistia na apreciação, refacção e atribuição de valores aos textos realizados como alunas e aplicação da metodologia como futuras professoras, utilizando os textos produzidos com os alunos nas escolas.
Com alternativas como essa, é possível preparar um profissional consciente da tarefa que vai realizar, tendo em vista que dar aulas nem sempre significa ensinar, e em termos de ensino da língua a crianças a exigência é ainda maior, pois quem ensina precisa conhecer quem aprende e como aprende, além de conhecer o objeto e o objetivo do que ensinar para alcançar sua meta.
Autor: Djalmira Sá Almeida


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