Estratégias De Leitura, De Argumentação E De Escrita



Para argumentar acerca das conexões existentes entre a leitura e a escrita, parto das experiências com as oficinas de textos com os alunos do 2º ano da graduação de Letras, História e Secretariado Executivo. Pude constatar, durante os encontros, os modos que mais influenciavam o ensino da leitura através do ensino da escrita. Foi usada a escrita tanto como a atividade anterior à leitura para tirar dúvidas após as discussões, quanto como uma maneira de ativar os conhecimentos anteriores, ampliando-os. Era sempre por mim questionado se as atividades escritas estavam contribuindo de modo efetivo para a leitura e vice-versa.

Percebi que os estudantes valorizavam mais a leitura por sua apresentação de informações novas do que para o crescimento pessoal ou prazer. Assim, verifiquei que a conexão entre a leitura e a escrita, mesmo estando em moda, não se aplica em todas as situações. A primeira alternativa foi questionar-me se adiantaria ensinar a ler como processo anterior ao escrever ou se melhor seria uma discussão acerca da tipologia de textos e suas funções, sem exigir a participação dos estudantes ou até mesmo uma aplicação de treinamento das técnicas usuais para cada estilo de texto.

Antes de passar para o trabalho com a escrita, exigi dos estudantes um relembrar dos dados dos textos, das idéias discutidas em classe e dos acréscimos que ainda poderiam receber. Essa estratégia, comum aos bons leitores, que param e reconstroem o que foi lido, inicialmente deu certo. Antes de solicitar a iniciação de qualquer atividade de reconstrução do texto, primeiro introduzi estratégias de rememorização através de esquemas básicos, releituras e perguntas. Mas isso cansou a mim e aos outros. Não consegui mais êxito a partir do quarto encontro (eram dois encontros semanais, um na terça-feira e o outro no sábado).





Para explorar essa conexão entre o ler e o escrever e desenvolver um trabalho simultâneo com três turmas de cursos diferentes, busquei saídas e encontrei em Calkins (1989:269) estratégias para explorar esse assunto nessas condições de trabalho paralelo com grupos heterogêneos. Encontrei sugestões e orientações, incluindo os estudantes nesse processo de produção e recepção de textos, entre as quais escolhi estas:

Um modo de relembrar um texto, por exemplo, é traçar um diagrama cronológico deste. Os estudantes podem traçar um destes diagramas em seus blocos ou trabalhar em pares para sua confecção. Se fizerem isto com freqüência, e eventualmente, internalizarão esta estratégia e à medida que lerem, irão traçando uma linha cronológica mentalmente. Uma outra estratégia de memorização, mais apropriada para classes com alguma literatura, envolve a confecção de observações sobre as personagens e a maneira como estas se modificam. Alguns textos de não ficção prestam-se para a confecção de esboços rápidos, mapas de pontos principais ou realização de sumários sobre o assunto. Novamente, estas estratégias podem ser internalizadas, de modo que se tornem parte do repertório de estratégias de leitura dos estudantes.



Após dar essas orientações aos grupos, percebi que deveria ter dado algum tempo a mais, como dei aos outros grupos, aos estudantes de História para analisarem seus textos, para anotarem suas questões em blocos, e em pequenos grupos, observei que cada grupo poderia ter selecionado uma questão para início de discussão. Por seus textos mais longos de Antropologia e História Antiga, esse grupo demorava mais buscando minúcias do texto ao invés de se restringir às idéias centrais. O tempo gasto nessa atividade seria um investimento, considerando que ler envolve fazer perguntas e responder a elas, assim todos ganhariam nesse processo de composição, esboçando e revendo significados. Somente na terceira semana foi que consegui aplicar as estratégias a contento. As diferenças de interesse entre estudantes, no sentido de optar pelo texto técnico, documental e ficcional, apresentaram-se como um novo desafio que seria adicionado ao processo em um próximo encontro.

Com a pretensão de continuar aplicando as estratégias de rememorização de Calkins e ampliar as dimensões da leitura, agora com estudantes de Ciências Contábeis, consultei mais alguns autores que fornecem sugestões de atividades de leitura e escrita possíveis de serem exploradas em todos os cursos. Encontrei em Geraldi algumas considerações que me valeram ao tratar das funções da leitura na formação de técnicos e da questão das práticas escolares acerca da leitura para esse grupo. Ele afirma que a presença da leitura para técnicos tem tido um objetivo particular, de modo que a transformação do texto se dá através de um modelo, e explicita os seus diferentes caminhos: o texto transformado em objeto de leitura oralizada; o texto transformado em objeto de imitação; e, o texto transformado em objeto de fixação de sentidos. Geraldi resume seu argumento dizendo que estes três tipos de práticas não respondem aos interesses dos próprios leitores porque são exercícios de leitura praticamente sem objetivo para eles. Segundo ele, essas não são leituras que o sujeito vai buscar com a intenção de aprender.

No entanto, fora da escola, o estudante até pode encontrar motivos para ler. Pela busca de textos no intuito de achar respostas para seus problemas; pela procura de novidades; pela necessidade de aprender algo; pela desejo de criar outros textos e também como passatempo. Assim, o leitor de mundo vai ao encontro do que deseja e modifica seus pontos de vista diante da conversa que mantém com textos e autores que escolhe.

Ao contrário, na escola ou instituição de ensino, o incentivo que os estudantes recebem para ler os textos determinados só tem servido para ampliar mais ainda o conflito entre a formação técnica e a formação humanista. A experiência tem mostrado que não se pode excluir os textos técnicos nem enfatizar apenas a leitura de textos ficcionais; não só instrumentalizar para o exercício das profissões nem excluir a leitura de obras literárias, e isso em qualquer curso, pois a própria formação técnica está, atualmente, participando das demandas sociais e exigindo uma maior capacidade de leitura de diferentes tipos de textos, sugerindo novas profissões.

Além disso, novos programas institucionais requerem conhecimento de textos informatizados, análises e sínteses de eventos, projetos e relatórios do cotidiano das empresas modernas, oficiais ou particulares, como ocorre nos estágios de Secretariado Executivo.

Outras estratégias de desenvolvimento da escrita, descritas por Condemarin e Chadwick (1987), apontam para o processo de ensino da escrita em fase avançada tal como nos grupos em estudo. Segundo elas, as técnicas de composições narrativas, descritivas e dissertativas podem ser aplicadas em todos os cursos do nível universitário, desde memoriais, diários, cartas, relatos, ficção, montagem de jornais, projetos e relatórios, elaboração de resumos, resenhas e esquemas, além da descrição de gráficos, tabelas, quadros e figuras.

Citelli (1994), ao tratar de argumentação e diálogo textual, lembra que a leitura constante de diversos tipos de textos faz ver com precisão a existência de diálogos entre eles, as relações de recorrência temática e formais. Fatores como intencionalidade, intertextualidade, paródias e paráfrases são comuns em quase todos os tipos de textos. Várias são as formas de apropriação do discurso alheio presentes nos textos, percebidas através das relações interdiscursivas (discurso amplo-político, histórico e social), intertextuais (referências a outros textos, alusões, citações) e intratextuais (passagens de outros textos). Essas relações, presentes nos textos, mostram as influências ou motivos que provocam a sua produção, além de determinar o seu momento histórico. Desse modo justifica-se em um texto o permanente diálogo com outros discursos, o que provoca a compreensão dos argumentos alheios para produzir outros textos, concordando com eles ou rejeitando-os.

Acerca desta questão, Koch e Travaglia (1995) apresentam uma contribuição muito útil como estratégia de produção e apreciação de texto. Trata-se dos fatores que dão textualidade aos escritos, tais como: intertextualidade, intencionalidade, coesão, coerência, conhecimento de mundo, conhecimento lingüístico, conhecimento partilhado, inferências, contextualização, aceitabilidade e informatividade. Esses fatores estão na dependência do produtor do texto, do leitor e até mesmo do ponto de vista da obra.

Servindo-me desses fatores de textualidade, adaptei o método de Francis Robson (1970), utilizado para resumir hierarquicamente um texto, o S.Q.R.3 (Survey, Question, Read, Recite, Review), acoplado à fórmula jornalística de Lead, criei outra fórmula: 3Q+C+O+2PQ (Que, Quem, Quando + Como + Onde + Por que, Para que) e a utilizei em todas as oficinas para produzir textos, sem colagem, sem apoio, mas conservando os fatores textuais.

Como contribuição particular, acrescento aqui algumas estratégias, que podem servir como passos de um processo para gostar de ler:



1- Escolher o texto, em primeiro lugar;

2- Ler para buscar informações que interessam;

3- Buscar textos com informações novas;

4- Selecionar manuais e normas correlatos à profissão que deseja exercer;

5- Ler obras literárias para uma boa formação intelectual;

6- Rever os próprios escritos para reestruturá-los;

7- Ter ao alcance dicionários, enciclopédias e gramáticas para sanar dúvidas;

8- Reler os apontamentos, fichas e resumos para refacção ou rememorização;

9- Participar das discussões, eventos e congressos que divulgam os mais atualizados trabalhos da sua área de estudo;

10- Escrever e divulgar seus escritos em revistas e livros especializados.

Enfim, fazer da leitura um motivo de encontro com data e hora marcada, como um espaço destinado ao diálogo com textos, autores, obras; e como um modo de ler o mundo dos outros e mostrar o seu.






Autor: Djalmira Sá Almeida


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