DA LEGITIMIDADE PASSIVA NO MANDADO DE SEGURANÇA



1. Introdução
De início impende destacar especial atenção para o artigo 5º, inciso LXIX da Constituição Federal de 1988, o qual prevê o cabimento do Mandado de Segurança a fim de garantir direito líquido e certo, in verbis:
Artigo 5º (...)
LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público; (...)
Dessa forma, depreende-se diante uma análise perfunctória do dispositivo constitucional supracitado que o Mandado de Segurança é o remédio constitucional indicado para proteção de um direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica venha sofrer violação ou se houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for ou quais forem às funções que a autoridade coatora exerça.
Atualmente, existe a controvérsia sobre quem possui a legitimidade passiva no Mandado de Segurança: se é a autoridade coatora ou se será a pessoa jurídica de que ela é órgão. Se a legitimidade passiva for concedida apenas a autoridade coatora, haverá carência de ação, por ilegitimidade passiva, se imputável a outra autoridade o ato impugnado. Por sua vez, se a legitimidade passiva for creditada a pessoa jurídica, o erro na indicação da autoridade poderá ser sanado pelo juiz, de ofício, determinando-se a notificação do verdadeiro coator.
Assim, antes de passarmos para análise detalhada das duas correntes se faz necessário tecer breves considerações de quem poder ser parte no direito processual brasileiro.
O Código de Processo Civil em seu artigo 7º definiu parte como "Toda pessoa que se acha no exercício dos seus direitos tem capacidade para estar em juízo."
Pontes de Miranda, de forma mais clara que o dispositivo 7º do Código de Processo Civil, assevera que partes são "as pessoas para as quais e contra as quais é pedida a tutela jurídica. As partes é que pedem, ou é contra elas que se pede."
Por oportuno, peço vênia para transcrever as palavras de Chiovenda que conceitua parte como "aquele que demanda em seu próprio nome (ou em cujo nome é demandada) a atuação duma vontade da lei, e aquele em face de quem essa atuação é demandada."
Igualmente, Humberto Theodoro Júnior, define parte como "a pessoa que pede ou perante a qual se pede, em nome próprio, a tutela jurisdiciona.l"
Em outras palavras, parte para o direito brasileiro são os sujeitos parciais da relação processual, diferentemente dos órgãos judiciários, que são sujeitos imparciais dessa relação e que por conseqüência não podem ser definidos como partes.


2. Pessoa Jurídica ? Legitimidade Passiva
Pois bem. Como é cediça a posição majoritária contemporânea dos tribunais superiores é no sentido de que a legitimidade passiva do Mandado de Segurança recai sobre a pessoa jurídica, muito embora o Mandado de Segurança deva ser dirigido à pessoa física que o representa.
Observe-se, ainda, que o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que a parte passiva do Mandado de Segurança é a pessoa jurídica de direito público, devendo, ainda a impetração ser dirigida à pessoa física que a represente, pois ela é quem em nome da pessoa jurídica a quem está vinculada é que deverá prestar as informações devidas.
Nessa mesma linha apresentam-se os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça: REsp n. 135.988-CE, Rel. Min. José Delgado; REsp n. 99.271-CE, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros; REsp n. 86.030-AM, Rel. Min. Peçanha Martins; REsp n. 216.678-MS, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros; REsp n. 385.214-PR, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros; REsp 50164-4-PE, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros.
Cabe transcrever, ainda, André Ramos Tavares que ao citar em sua obra o pensamento de Marlon Weichert corrobora com a da ilegitimidade passiva ad causam da autoridade coatora no Mandado de Segurança:
"(...) a relação jurídica apresentada em juízo não se perfaz entre impetrante e autoridade coatora, mas sim entre aquele e a pessoa de Direito Público envolvida. O prejudicado em seu direito líquido e certo não pretende iniciar uma demanda contra determinado agente, contra uma pessoa específica, mas sim contra o órgão estatal, representado, em determinado momento e ato, por um agente, por uma autoridade. A identificação desta, na relação jurídica do autor, é irrelevante. Até porque a pessoa jurídica só pode manifestar-se e, nessa manifestação, propiciar algum prejuízo por meio de seus órgãos, de seus agentes. Os administrativistas lembram que há uma relação orgânica, que permite a imputação direta ao Estado dos atos praticados por seus agentes e órgãos, em nome daquele. (...) Por tudo isso, o agente público não pode ser considerado como parte no mandado de segurança"
Com efeito, Sérgio Ferraz ao reproduzir as palavras de Celso Barbi apresenta duas ponderações robustas e capazes de afastar a configuração da autoridade coatora como parte: 1) o ato que a autoridade coatora pratica, no exercício de suas funções vincula a pessoa jurídica de direito Público a cujos quadros ela pertence; é ato de ente público e não de funcionário; 2) o julgado irá regular a situação do impetrante em relação à pessoa jurídica de direito público, e não em referência à autoridade coatora.
Desse ponto de vista, também, comungam, entre outros Eduardo Sodré, Seabra Fagundes, Celso Bastos. Seabra chega a sustentar que "a notificação da autoridade coatora é, na realidade, citação da pessoa jurídica, parte passiva, realizada através de "representante" indicado na lei".
Some-se, ainda, o entendimento doutrinário de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, in verbis:
"Legitimado passivo é a pessoa jurídica de direito público ou a de direito privado que esteja no exercício de atribuições do Poder Público. A matéria é controvertida porque, para alguns, sujeito passivo é a autoridade coatora, já que ela é que presta informações e cumpre o mandado; no entanto, esse entendimento deve ser afastado quando se observa que a fase recursal fica a cargo da pessoa jurídica e não do impetrado e que os efeitos decorrentes do mandado são suportados pela pessoa jurídica e não pela autoridade coatora"
Destarte, a pessoa jurídica de direito público ou a de direito privado será o sujeito passivo do Mandado de Segurança, pois são elas que suportaram os efeitos defluentes da ação, enquanto que a autoridade coatora não será nem litisconsorte necessário pois a mesma não é sequer parte no Mandado de Segurança.
Nélson José Comegnio, ao defender sua tese intitulada como SUJEITO PASSIVO NO MANDADO DE SEGURANÇA, afirma que o sujeito passivo do Mandado de Segurança é a pessoa jurídica e a autoridade coatora é apenas a parte processual. Nunca a autoridade coatora seria parte no sentido material.
Comegnio, conclui que no caso de presentação da pessoa jurídica de Direito Público, esta ocorrerá por intermédio da autoridade coatora no momento processual da prestação das informações ao juízo. A autoridade coatora, ao prestar as informações, o faz enquanto órgão daí porque não há falar-se em substituição processual.
Emerge dos fundamentos acima expostos que a legitimidade passiva do Mandado de Segurança deve ser atribuída à pessoa jurídica a que está vinculada a autoridade coatora, uma vez que sobre a pessoa jurídica que irá recair o ônus da concessão da segurança.


3. Autoridade Coatora como Sujeito Passivo no Mandado de Segurança
De outro lado, apresenta-se à tese da ilegitimidade passiva da autoridade coatora que é defendida pelos doutrinadores Hely Lopes Meirelles , Vicente Greco Filho , Alexandre de Moraes , Pedro Lenza , J. M. Othon Sidou e José Afonso da Silva , os quais afirmam que o impetrado será a autoridade coatora e não a pessoa jurídica ou o órgão a que pertence e ao qual seu ato é imputado em razão de ofício, ou seja, o impetrado no Mandado de Segurança será a pessoa que ordena ou que omite a prática do ato impugnado e não o superior que o recomenda ou baixa a norma para sua execução.
Hely Lopes Meirelles esclarece que a autoridade coatora sempre será a parte que ordena ou omite a prática do ato impugnado, na causa, e, como tal deverá prestar e subscrever as informações requeridas pelo juízo no prazo legal.
Destaque-se, oportunamente, que Hely Lopes Meirelles ressalta que não se pode confundir o simples executor material do ato com a autoridade que por ele é responsável. Pois o coator é a autoridade superior que pratica ou ordena concreta e especifica a execução ou a inexecução do ato impugnado e que responde por suas conseqüências administrativas, enquanto, que o agente subordinado, o que cumpre a ordem por dever hierárquico, sem se responsabilizar por ela é o executor e não o coator.
Assim, Hely Lopes Meirelles conclui que a entidade interessada na causa poderá ingressar no mandamus, a qualquer tempo, na condição de simples assistente do coator, recebendo a causa no estado em que se encontrar, ou, dentro do prazo aberto para as informações, na condição de litisconsorte da autoridade coatora.


4. Considerações Finais
A definição de quem possui legitimidade passiva no mandado de segurança possui grande importância no Direito Brasileiro, pois se adotarem a tese de que o legitimado passivo é apenas a autoridade coatora, a inclusão de apenas da pessoa jurídica da qual a autoridade coatora faz parte acarretará a carência de ação.
Por sua vez, adotarem a tese que defende a legitimidade passiva é da pessoa jurídica, o erro na indicação da autoridade, poderá ser sanado pelo juiz, de ofício, determinando-se a notificação do verdadeiro coator.
Por fim, o legislador visando encerrar a controvérsia que atualmente existe sobre a legitimidade passiva ad causam no Mandado de Segurança o artigo 6º da Lei nº 12.016 de 07 de agosto de 2009, determinou que a petição inicial do Mandado de Segurança deverá, além, de preencher os requisitos estabelecidos pela lei processual, bem como a apresentação de 02 (duas) vias com os documentos que instruírem a primeira obrigatoriamente deverão estar reproduzidos na segunda e a indicação da autoridade coatora e da pessoa jurídica que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições.



5. Referencias Bibliográficas
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller, 2002, p. 278.
COMEGNIO, Nélson José. Sujeito passivo no Mandado de Segurança. Publicada no site: http://www.comegnio.com.br/tese105.htm
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 5ª Ed. São Paulo, Atlas. p. 645
FERRAZ, Sérgio. Mandado de Segurança. São Paulo. 2006, Malheiros. p.92
LENZA. Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, Método, SP, 9ª ed., 2005, pp. 568/569
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. 28ª Ed. São Paulo, Malheiros.
MORAES, Alexandre de, Constituição do Brasil Interpretada e legislação constitucional, Atlas, SP, 2002, p. 2445
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1996, T.I, p.220.
SEABRA FAGUNDES, M. O Controle dos Atos Administrativos. 3ª Ed. Rio de Janeiro, Forense. p.38
SIDOU, J. M. Othon. "Habeas Corpus", Mandado de Segurança, Mandado de Injunção, "Habeas Data", Ação Popular: As Garantias Ativas dos Direitos Coletivos, Forense, RJ, 5ª ed., 1998, p. 169
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros, SP, 22ª ed., 2003, pp. 444/445.
TAVARES. André Ramos. Curso de Direito Constitucional. Saraiva. São Paulo, 2002. p. 635
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 41. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 71.
Autor: Juliana Bonfim Da Silva


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