ZELIG



O filme se passa nos Estados Unidos, em 1928, época de muita prosperidade e pujança daquela nação. O cenário é a residência dos Henry Porter Sutton, lugar onde aconteciam muitas festas e encontros de intelectuais. A nata da sociedade era quem frequentava esta casa. Dentre os intelectuais estava Leonard Selwin ou Zelman, um homem que conseguia mudar sua feição a fim de satisfazer os outros indivíduos. Entre outras personalidades, Zelig fantasiou-se de músico de jazz, chinês, gordo e negro. Enfim, o homemcamaleão, como ficou conhecido pelo seu caráter de se confundir com o ambiente, conseguia plagiar quase que perfeitamente as pessoas ao seu redor. Aos poucos, ele ficou mais popular e chamou a atenção de grande parte dos norteamericanos. Como era um caso único e surpreendente, o interesse atingiu também o universo científico. Assim, uma das cientistas que se debruçou mais profundamente sobre o caso foi a psicóloga Dra. Eudora Fletcher. Como não poderia ser diferente, no momento em que entra em contato os amigos psicólogos da doutora, Zelig adquire as características dos médicos. Com o passar do tempo, as manifestações tornam-se cada vez mais acentuadas e chega a despertar o interesse de grande parte dos especialistas norteamericanos. Os esforços sobre o caso de Zelig e a tentativa de reversão do mesmo são inúteis; os diagnósticos dados por parte dos especialistas são equivocados e não há muito sucesso na resolução do problema. A personagem do Woody Allen é submetida a um tratamento hipnótico por parte da Dra. Fletcher. Esta descobre que a mimese psicológica vela, na verdade, uma vertiginosa insegurança e a avidez por aprovação social. Para tentar proteger-se contra um ambiente de hostilidade, Zelig presume que agradar o próximo é necessário parecer-se com ele. Assim, sua perspectiva interpessoal justificara as suas ações:

-Dra. Fletcher: Você se sente seguro?
-Zelig: Quero que gostem de mim.

A partir deste diálogo, podem-se inferir algumas das propostas da chamada Escola de Frankfurt ou Teoria Crítica. Um dos teóricos deste viés, Theodor Adorno, percebia que a Indústria Cultural (nome atribuído ao instrumento do capitalismo que seria responsável por deturpar os elementos da cultura, alienar a sociedade e, simultaneamente, gerar lucros) não permite que o indivíduo decida de forma autônoma. Para isso, ela utiliza alguns mecanismos para desconstruir personalidades, inibindo os traços individuais, em detrimento dos sociais. Este fato é recorrente já que todo indivíduo carece pertencer a algum grupo, sentir-se agregado. "Os indivíduos, afirma Adorno, não são mais indivíduos, mas sim meras encruzilhadas das tendências do universal, que é possível reintegrá-los totalmente na universalidade". No filme, constatam-se as afirmações de Adorno a respeito disso:

- Dra. Fletcher: Lembra de quando começou a se comportar assim?
- Zelig: Na escola as pessoas perguntavam se eu já lera Moby Dick. Tinha vergonha de dizer que nunca tinha lido.
- Dra. Fletcher: E você fingiu?
- Zelig: Sim.
-Dra. Fletcher: Quando as mudanças começaram a ficar automáticas?
- Zelig: Há anos / Na festa de St. Patrick / Entrei num bar, não estava de roupa verde / Começaram a comentar / Virei um irlandês.
-Dra. Fletcher: Disse-lhes que era um irlandês?
- Zelig: Meu cabelo ficou vermelho / Meu nariz empinou / Falei da grande escassez de batatas e dos duendes.

À medida que Zelig aguçava a sua "técnica" mimética, o seu sucesso se proliferava e aumentava. Sua irmã Ruth e seu cunhado Geist aproveitaram-se da espantosa situação de Leonard. Não obstante, o casal que possuía um parque de diversões tirara proveito da apatia do homemcamaleão e o disponibilizou ao público como mais de um de seus brinquedos. Assim, Zelig transformara-se em mais uma atração do parque, um produto a ser consumido. E mais: ao fazer as suas imitações e angariar ainda mais audiência, consequentemente oferecia lucro e luxo à Ruth e seu marido. Balizando-se na perspectiva adorniana, Leonard nada mais era do que um fantoche da indústria cultural, por que além de ser manipulado pelo casal, perdera sua essência humana, estava totalmente alienado face à situação a que fora exposto e ainda gerava lucratividade a ele. Além disso, Leonard virou uma celebridade e o mercado vendou-o em forma de vários produtos, a partir do seu sucesso, tais como relógio, livro, boneco, jogo entre outros. Infere-se assim, que tudo é condicionado à economia no seio da sociedade industrial. O indivíduo Zelig não só fora inibido, mas também sofreu exploração por parte da irmã, o que contribuiu para a sua falta de autonomia e poder-se-ia dizer, ausência de humanidade, pela forma que a fora submetido. No que concerne às intenções da Dra Fletcher, elas não eram tão diferentes, a princípio, das propostas dos parentes de Leonard, por que a doutora tinha o intuito adquirir prestígio e ser famosa no âmbito científico com este caso único. Segundo Adorno, o chamado "valor de uso" é absorvido pelo valor de troca: em vez de prazer estético, é o prestígio que contava para a médica e não ter experiência profissional com o paciente. Em suma, o longametragem tenta exibir que em certa forma que a mudança de personalidade de muitas pessoas é fomentada à estandardização, ao prestígio, ao consumismo exacerbado e à naturalidade da sociedade moderna. O homemcamaleão é o reflexo da inquietude de uma das enfermidades da vida contemporânea, onde as pessoas precisam ser cada vez mais flexíveis e capazes de dar conta das inúmeras atividades diárias; sabendo lidar e adaptar-se a vários tipos de ambientes e comunidades diversas.

Ficha Técnica*
Título Original: Zelig
Gênero: Comédia
Tempo de Duração: 79 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 1983
Estúdio: Orion Pictures Corporation
Distribuição: Orion Pictures Corporation / Warner Bros.
Direção: Woody Allen
Roteiro: Woody Allen
Produção: Robert Greenhut
Música: Dick Hyman
Fotografia: Gordon Willis
Desenho de Produção: Mel Bourne
Direção de Arte: Speed Hopkins
Figurino: Santo Loquasto
Edição: Susan E. Morse

BIBLIOGRAFIA
COSTA, A; PALHETA, A; MENDES, A; LOUREIRO. A. Indústria cultural: Revisando Adorno e Horkheimer. Movendo Ideias. Belém, 2003.

DUARTE, Rodrigo. Adorno / Horkheimer & A dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed. 2002.

WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. Lisboa: Editorial Presença, 1994.


*www.adorocinema.com.br.



Autor: Túlio Souza De Vasconcelos


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