O QUARTO PODER




O filme "O Quarto Poder" do diretor Costa-Gravas, se passa numa cidade da Califórnia chamada Madeline e conta a estória de um recém ex-guarda de museu chamado Sam Baily que, tentando reaver seu emprego, comete um ato de loucura momentânea que resulta num sequestro não-premeditado. O jornalista Max Brackett encontrava-se no local no momento da discussão entre o ex-funcionário e a dona do estabelecimento e neste momento encontra a situação ideal para recuperar a sua credibilidade perante as figuras influentes da emissora matriz onde trabalhava anteriormente.

Neste ínterim, Max Brackett realiza ações para promover-se e chega ao ponto de distorcer os fatos do seqüestro e até a agravá-los. Na contenda, o personagem de John Travolta dispara, acidentalmente, um tiro da espingarda que foi levada com a intenção de intimidar sua ex-chefe e fazer esta ouvi-lo. Não obstante, o disparo atingiu seu ex-colega de profissão, o que faz o caso ganhar atenção e visibilidade. Este gerou interesse principalmente por parte da polícia, emissoras de TV, curiosos, bem como os familiares das crianças que estavam no local e forma feitas de refém. Deve-se ressaltar que o sequestro de fato ocorreu graças à intenção do jornalista, visto que este não era o objetivo do "seqüestrador".

O filme é uma crítica ao modelo contemporâneo de se fazer notícia, onde o ganho de audiência é tido como fator primordial e para isso a manipulação e distorção dos fatos tornam-se prática frequente. No filme, da mesma forma como frequentemente acontece nas emissoras de televisão, observa-se que o jornalista põe os seus interesses pessoais acima da veracidade dos fatos, mesmo que isso implique na integridade da imagem das pessoas envolvidas no processo a ser noticiado.

O longa-metragem mostra como a personagem do Dustin Hoffman interveio de forma decisiva em todo o processo do seqüestro, inclusive no seu acontecimento, bem como nas diretrizes que ele tomou. Assim, pode-se dizer que o profissional da mídia apresenta uma postura antiética ao agir de tal forma.
O jornalista Max Brackett utiliza um discurso extremamente persuasivo e manipulador para convencer o "seqüestrador" a agir da forma que lhe é mais conveniente, para tanto, o primeiro é beneficiado pelo fragilizado estado emocional do segundo.

No momento em que o jornalista tenta provocar no ex-guarda determinado tipo de comportamento sem apresentá-lo visivelmente, o Sam obedece sem notar que está agindo como Max deseja, assim, acontece o que se chama de manipulação. Como objeto do poder, a manipulação pode ser uma maneira de controle a fim de se conseguir a obediência, às vezes atinge níveis consideráveis da sociedade. Então, pode-se dizer que o comunicador manipulou claramente o "sequestrador", ao usar argumentos para convencê-lo a pensar e agir à maneira que ele queria, como por exemplo, continuar com o processo de cárcere, a não entregar-se à polícia, ou ainda a tentar explicar-se na TV, de que era um cidadão íntegro e estava tentando apenas reaver seu emprego.

O filme mostra claramente como o poder de manipulação da mídia é usado para a ajuda de terceiros e também o interesse apenas pela acirrada audiência. Pode-se acrescentar também o poder da mídia de construir ou desconstruir a imagem de determinado indivíduo, em certos eventos e como é o caso do longa-metragem, de acordo com os interesses dos meios de comunicação. Para corroborar com isto, observa-se que quando a TV exibia imagens positivas de Sam, o telespectador estava do lado dele, entretanto quando outras emissoras mostravam imagens o denegrindo, a sociedade ficava contra ele. A postura do jornalista é bastante sensacionalista, pois no momento em que o jornalista deveria ajudar Sam, ele manipula a notícia para prejudicá-lo.

O jornalista extrapolou a ética socialmente consentida e legislada, pois seu compromisso era transmitir a veracidade dos fatos. Nota-se isso quando algumas entrevistas são editadas sobre a família de Sam, parecendo que esta estava contra ele.

A manipulação, a avidez pelo lucro pela audiência e a falta de conhecimento pelo assunto a ser tratado substituíram a integridade e a missão do jornalista. Ele manipulou e escondeu a verdade, em detrimento de seus interesses, sua fama e, o que menos interessou foi o compromisso com a população.

A mídia foi responsável pela morte de Sam e Max também aceitou isso. Se por ventura, a imprensa não estivesse envolvida de forma tão representativa, o ex-guarda poderia ter ficado vivo.
Como se observa no filme, os veículos de comunicação intervêm de forma contundente na vida das pessoas, ditando suas ações, sua perspectiva de vida e chega até a aliená-las, como é visível no longa. É salutar ressaltar a falta de qualidade da reportagem, beirando o sensacionalismo e acarretando a manipulação.

Em suma, a "notícia" produzida por parte do jornalista tinha o objetivo de estimular as emoções humanas para controle da audiência, distorcendo os fatos e maculando a verdade.
Ao relacionar-se a obra a algumas chamadas Teorias da Comunicação, observa-se um eixo muito tênue entre elas, pois na primeira, jornalista preocupava-se apenas com o sucesso do processo comunicativo para manter controlada a audiência, característica marcante da Teoria Hipodérmica. Não obstante, esta afirmava que as informações transmitidas eram infalíveis e atuavam como agentes que instigariam o receptor, desestabilizando o equilíbrio emocional do indivíduo.

Esta premissa pode ser aplicada ao filme, pela manipulação que sequestrador sofre. O jornalista convence corromper até mesmo um membro do alto escalão do FBI, pois aquele estimulou (e conseguiu) o policial a continuar com o sequestro, o que lhe faria angariar mais prestígio e fama junto à sociedade.

Além disso, o filme apresenta características aplicáveis a Teoria da Persuasão ao afirmar que se pode convencer, mas se a informação passada for ajustada a algum aspecto cognitivo pessoal, que é ativado quando o interlocutor interpreta ao recebê-la. De maneira similar aconteceu no filme, ao passo que o jornalista expunha as suas estratégias para autopromoção e aumento da audiência, estava dominando as ações do sequestrador, suas emoções, favorecido pela alienação do Sam.

Com o desenrolar do filme, o espectador se dá conta de que o diretor personifica, na personagem de John Travolta, a alienação, a falta de espírito crítico e a ingenuidade de grande parte dos espectadores dos séculos XX e XXI. Já no final do filme, em vista da escolha de Sam por ser interpretado pelo ator Mel Gibson, quando da adaptação de sua história para um filme televisivo (um fato cogitado pelo jornalista naquele momento), Max Brackett afirma que Mel Gibson não atua em filmes para a TV (nos EUA há uma diferenciação entre o destino que será dado ao filme: há os que são produzidos para serem veiculados diretamente no cinema e outros na televisão) e Sam questiona: "Por que? Televisão é legal!". Esse momento é uma constatação de tudo o que foi mostrado no decorrer do filme: Sam é apenas um homem comum, com baixo nível de escolaridade, com uma família para prover e para quem a televisão (sua grade de programação) representa um papel fundamental de educação, informação e entretenimento.

Segundo a ótica da mídia mercadológica contemporânea (e, lamentavelmente, dominante), esse é o tipo de público ideal, o mais "fácil" de ser persuadido, convencido e manipulado. Persuadido a consumir determinados produtos, convencido de que as informações por ela veiculadas são realmente verdadeiras, reflexo do "mundo real" e manipulado a pensar e agir da forma que julga conveniente. O filme, definitivamente, não é otimista nem encorajador, assume o caráter de denúncia e através de seu trágico final nos mostra qual é o lado forte da estória, que depois de perder o controle da situação, mostra-se bastante frágil (como toda grande mentira, manipulável por todos os lados). Deixa uma significativa pergunta, cuja resposta precisa ser precedida de um bom exercício reflexivo: Que tipo de profissional o comunicador propõe ser: Comunicadores éticos e compromissados com a verdade, com o bem-estar social e com a preservação da integridade do indivíduo ou jornalistas à Max Brackett?

Ficha Técnica*

Título Original: Mad City
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 114 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 1997
Estúdio: Arnold Kopelson Productions / Punch Productions
Distribuição: Warner Bros.
Direção: Costa-Gravas
Roteiro: Tom Matthews, baseado em história de Tom Matthews e Eric Williams
Produção: Anne Kopelson e Arnold Kopelson
Música: Thomas Newman e Philippe Sard
Fotografia: Patrick Blossier
Desenho de Produção: Catherine Hardwicke
Direção de Arte: Ben Morahan
Figurino: Denise Cronenberg e Deborah Nadoolman
Edição: Françoise Bonnot

* www.adorocinema.com.br.
Autor: Túlio Souza De Vasconcelos


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