Síndrome do impacto



A síndrome do impacto no ombro, representa uma má adaptação aos estresses repetitivos de uma ou mais atividades. Esta má adaptação pode ser estrutural, funcional, ou ambas. Qualquer osso, articulação, unidade neuromusculotendinosa dinâmica, que atua na cintura escapular ou, mesmo, os estabilizadores fibrocartilaginosos estáticos articulares, podem estar implicados.
Embora problemas "isolados", como a tendinopatia do manguito rotador, possam ocorrer, é muito comum que várias estruturas e mecanismos funcionais estejam envolvidos, como, a bursa subacromial e o tendão da porção longa do bíceps. A "típica" lesão por uso excessivo do ombro, é, portanto, uma composição de várias alterações, inclusive com uma ou mais lesões estruturais, disfunções musculares e falhas em mecanismos compensatórios, cada um dos quais implicando no outro.
Com base na evidência, não existe um mecanismo único de lesão por impacto, mas sim uma ampla variedade de fatores específicos para as características morfológicas e a história de cargas articulares de cada indivíduo.
As patologias de impacto, enquadram-se em duas amplas categorias baseadas na idade. O impacto em pessoas com menos de 35 anos de idade, refere-se, habitualmente, aos desportos (ex. natação, handebol, pólo aquático, beisebol, goleiro) ou às ocupações (ex. carpinteiro, pintor), que envolvem extensos movimentos acima da cabeça. Os indivíduos mais idosos têm maior probabilidade de sofrer os efeitos dos processos degenerativos, que resultam na formação de osteófitos, adelgaçamento capsular, menor perfusão tecidual e hipotrofia muscular.
Todo esporte que solicita a abdução do ombro acima de 90º, resulta, na maioria dos casos, em lesão acrômio-clavicular por repetição. A queda sobre o ombro no chão, o trauma direto, principalmente, na região lateral, também são causas dessa lesão no esporte.
O impacto, e o conseqüente atrito e degeneração do manguito ocorrem contra a borda Antero-inferior do acrômio durante a elevação anterior do membro superior.
A síndrome de compressão é perpetuada pelo efeito cumulativo de muitas passagens do manguito rotador sob o arco coracoacromial. Isto resulta em irritação do supra-espinhoso e, possivelmente, infra-espinhoso, e hipertrofia da bursa subacromial, que pode tornar-se fibrótica, reduzindo ainda mais o espaço já comprometido. Além disto, com o passar do tempo e a progressão do desgaste e atrito, podem ocorrer micro lacerações e lacerações de espessura parcial do manguito rotador. Se estas continuam, podem levar a alterações ósseas secundárias (osteófitos) debaixo do arco acromial, propagando as lacerações de espessura total do manguito rotador (ruptura total).
A micro vascularização também desempenha um papel importante na patologia, porque há uma área, relativamente, hipo vascularizada ocupando aproximadamente 1 cm do tendão do supra-espinhal, na sua inserção sobre o tubérculo maior do úmero. Esta região é conhecida como "zona crítica", por ser o local onde tendem a ocorrer alterações degenerativas, tendinite, calcificação e ruptura espontânea, por ser propensa à compressão. Supõe-se que, quando o úmero é aduzido e rodado internamente, ocorre uma diminuição do suprimento sangüíneo nesse tendão. Quando isso ocorre repetidamente, como no gestual da braçada na natação, a irritação e a inflamação podem acabar provocando a ruptura total ou parcial do manguito rotador. Sabe-se que essa hipo vascularização aumenta a partir dos 40 anos de idade.
O acrômio pode ser classificado anatomicamente, conforme sua curvatura em tipo I (reto), tipo II (curvo) e tipo III (ganchoso). Quanto mais curvo é o acrômio, maior será o impacto e a possibilidade de ocorrer uma lesão do manguito rotador. Atletas com o acrômio do tipo III são cerca de 70% mais propensos a apresentar sinais de impacto, do que atletas com acrômio plano ou ligeiramente curvado.
A espessura aumentada no terço anterior do acrômio tem importante participação na patologia, independente do tipo de curvatura acromial. Assim como, a variação anatômica na forma e espessura do ligamento coracoacromial, quando este apresenta uma banda lateral mais espessa, também favorece a ocorrência do impacto.
O impacto, pode também ser secundário a uma instabilidade ou a alterações neurológicas, como nas radiculopatias cervicais, principalmente ao nível de C5 e C6, levando à alterações nos miótomos relacionados a esses níveis, com consequente fraqueza dos músculos do manguito rotador, causando desequilíbrio biomecânico no ombro. Contudo, nas radiculopatias de C5/C6, o quadro clínico habitual é de manifestação de dor no ombro devido à correspondência do dermátomo (dor referida) e esclerótomo. Por isto, é importante que a região cervical não seja negligenciada no momento da avaliação.
Pelo ponto de vista biomecânico, a síndrome do impacto é explicada pela perda do equilíbrio entre as forças do deltóide e do manguito rotador, com predomínio das forças do deltóide, estabelecendo-se um quadro cíclico de lesão micro traumática de repetição, que agrava a síndrome do impacto e leva à ruptura dos tendões. Devido à sua grande mobilidade, a coaptação do ombro não pode ser atribuída apenas aos ligamentos, sendo a ação dos músculos coaptadores indispensável. Estes músculos são divididos em dois grupos: os coaptadores transversais, formado pelos músculos do manguito rotador (supra-espinhal, subescapular, infra-espinhal e redondo menor). E os coaptadores longitudinais, formado pelo deltóide, porção longa e curta do bíceps, porção clavicular do peitoral maior e coracobraquial. Ocorre que, a predominância dos coaptadores longitudinais pode, a longo prazo, "utilizar" os músculos do manguito rotador como verdadeiros coxins entre a cabeça do úmero e o acrômio, e até mesmo levar a ruptura, sobretudo, do supra-espinhal. Neste caso, a cabeça do úmero pode estar posicionada em superioridade e anterioridade em relação a glenóide, favorecendo, assim, o impacto.
Os desalinhamentos posturais, como: a protusão da cabeça, ombros rodados internamente e o aumento da curvatura cifótica vertebral, fazem com que a glenóide se posicione de tal forma que cause a diminuição do espaço sobe o arco coracoacromial, contribuindo para a colisão.

QUADRO CLÍNICO
As principais queixas são: dor, rigidez, enfraquecimento e "fisgadas" na região do ombro. A sintomatologia também pode englobar todo o membro superior. Os sintomas associados podem incluir dificuldade em adormecer, especialmente sobre o lado afetado, devido à dor que piora a noite, pelo estiramento das partes moles, dificuldade no desempenho de atividades diárias rotineiras e, principalmente, de atividades acima da cabeça.
As atividades acima da cabeça, que envolvem a elevação umeral (abdução total ou flexão) ou posição de flexão, adução horizontal e rotação interna são propensas a aumentar a dor.

FASES DA LESÃO
Estágio I - ocorre na faixa etária abaixo dos 25 anos, apresenta-se com um quadro de dor aguda, que se segue ao esforço prolongado ou exacerbado, no esporte ou na ocupação. Ocorre edema e hemorragia ao nível da bolsa e tendões. Os pacientes se queixam de desconforto com queimação no ombro.
Esse estágio consiste, de uma forma geral, em apenas na inflamação do tendão do supra-espinhoso, da cabeça longa do bíceps braquial e do acrômio anterior. Os testes musculares revelam enfraquecimento decorrente da dor e as radiografias geralmente apresentam aspecto normal. O tratamento adequado é o conservador.
Estágio II - observado em indivíduos na faixa etária de 24 a 40 anos, consiste em alterações fibróticas do tendão do supra-espinhal e da bursa subacromial, com relatos de dor em queimação, que pode aumentar à noite, causando incapacidade de realizar o movimento que resulta na síndrome de compressão. Ocorre de maneira crônica, gerando restrição na amplitude de movimento passivo por causa da fibrose. As radiografias podem mostrar osteófitos sob o acrômio e alterações degenerativas na articulação acromioclavicular.
Nesses casos o tratamento conservador pode ser o suficiente, porém pode tornar-se necessária uma intervenção cirúrgica considerada "profilática", pois vai aliviar definitivamente o quadro doloroso e prevenir a ruptura do manguito que geralmente ocorre com a evolução da doença.
Estágio III - ocorre com maior freqüência em pacientes com mais de 40 anos de idade, nos exames de imagem observa-se a formação de osteófitos e contato da cabeça do úmero com o acrômio, laceração de espessura parcial ou, eventualmente, de espessura total do manguito rotador, com desgaste evidente dos músculos supra-espinhal e infra-espinhal. Possivelmente pode-se encontrar no exame físico, frouxidão capsular importante, com instabilidade multidirecional. É indicada a intervenção cirúrgica, que tem como objetivo a acromioplastia e a reconstrução do manguito rotador.

TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO
A maioria dos casos da síndrome do impacto podem ser adequadamente tratados com reabilitação funcional. É necessário, para tanto, a realização de uma avaliação criteriosa, onde deve-se investigar as causas da disfunção mecânica. Os objetivos principais do tratamento incluem: a redução da dor e da inflamação, o restabelecimento da função escapulo-estabilizadora, o restabelecimento dos padrões normais do movimento glenoumeral e escapulo-torácico, o restabelecimento da resistência e da força dos músculos rotadores e da porção longa do bíceps, reorganização sensório-motora e o retorno às atividades funcionais e vigorosas do ombro, ocupacionais e atléticas.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

KAPANDJI, A.I. Fisiologia Articular v. 1. 6ª edição, Editora Maloine, 2007.

KISNER, Carolyn & COLBY, Lynn Allen. Exercícios Terapêuticos - fundamentos e técnicas. 4ª edição, Editora Manole Ltda, 2005.

KNUST, V. Apostila da aula de terapia manual nas lesões desportivas. Curso de Pós Graduação em Traumato-Ortopedia com ênfase em terapias manuais integradas - Universidade Católica de Petrópolis, 2010.
Autor: Cesar Valeije


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