GRANDE EXEMPLO DE SÃO FRANCISCO DE CANINDE: OS SENTIDOS DAS PALAVRAS DENTRO DO CONTEXTO E FORA DO CONTEXTO



GRANDE EXEMPLO DE SÃO FRANCISCO DE CANINDE: OS SENTIDOS DAS PALAVRAS DENTRO DO CONTEXTO E FORA DO CONTEXTO*

OLIVEIRA, Irineu Correia de*


Introdução
O trabalho em andamento, tem por finalidade de analisar o sentido das palavras do verso "um grande exemplo de São Francisco de Canindé de Manoel Camilo dos Santos". Adotamos a perspectiva de análise da semântica de Ducrot, Segundo o qual o sentido depende do contexto. Escolhemos esse método por ser um dos mais complexos e sem ambigüidade. Mas utilizaremos outros estudiosos para enriquecer o nosso trabalho.
Segundo os diagramas de Ullmann, um dos princípios que devem ser observados são as relações assimétricas entre nome e sentido, pois na sinonímia, vários nomes referem-se a um mesmo sentido. Porém, na ambigüidade, um só nome se vincula os sentidos diversos. Entretanto, a posição que apresento este texto é mostrar os sentidos das palavras no contexto religioso e em outro contextos. Como a linguagem erótica e suas várias manifestações na gíria.
Os pressupostos teóricos deste estudo servirão para nortear questionamentos, assim as nossas pesquisas ficam mais organizadas. Iniciaremos com alguns fragmentos do cordel de Santos, a fim de questionarmos o sentido do contexto em si e em outras situações.
Em seguida, verificaremos o literal e o implícito, conforme estudados por Ducrot, que explicam a propósito que existe entre as duas significações uma relação que não é absolutamente reversível e que permite definir-lhe, formalmente, a posição. Depois apresentaremos alguns nomes destacados do verso e configuremos relações assimétricas entre nome e sentido, nas suas ambigüidades. Tomaremos por base os estudos de Ullmann.
Por último mostraremos a importância das palavras do verso para finalizar a compreensão do contexto.
Esperamos contribuir para os estudos da semântica, numa perspectiva que sirva para complementos de novas pesquisas.

As palavras e seus sentidos

As palavras adquirem outros significados de acordo com o seu contexto. Assim, nos versos de (Santos, 1955, p. 1):


"de onde escapou fedendo
sentindo os ranços da morte"


Fedendo tem sentido de algo que tem mal cheiro. Já num enunciado do verso, fedendo tem sentido de fedor, mas com sentido que salvou-se de um grande perigo. Mas também se fala "escapou por pouco ou por um trísca". Enquanto, "os ranços" tem sentido que o rapaz sentiu o ar mórbido da morte, em outros contextos, pode significar coisa antiguada, bafio, morfo, gosto estragado e oxigenação de gordura.
Na sentença, "ele daí formou carreira" (Santos, idem, p. 4). Nesse caso, essa sentença, "formou" é no sentido de disparar. Por exemplo: ele aí disparou uma carreira.
Ainda com essas mesmas palavras que adquirem outros sentidos, se encontra em "um Grande Exemplo de São Francisco" a inusitada significação:

"que nem veado o pegava
passando em canto apertado"
(Santos, idem, ibidem).

Na primeira, pegava tem sentido de acompanhar. Na segunda, canto pode ser a primeira pessoa do presente do verbo cantar, pode significar uma das partes principais de um longo poema. Mas no contexto do verso, significa lugar ou local.
Agora, leia esses exemplos:

"sentiu grande enfado em si" (5)
"cabra besta!"( 6)

A palavra enfado significa cansaço, mas também pode significar aborrecido, gastado e desgostoso. Enquanto na outra sentença, ambos significam fêmea de animais machos, mas adquire outros sentidos na sociedade. Como cabra: indivíduo violentão. A usar o vocábulo cabra com besta dar-se o significado de uma pessoa tola ou estúpida.

O literal e o implícito
Lopez (200 p. 286) mostra o esquema de Ducrot, imbricadas em duas hipóteses:


(a)que o Cl (componente lingüístico) atribui uma significação exclusivamente lingüística aos enunciados de uma língua L, previamente a qualquer significação extra que lhe possa ser adicionada pelo o contexto(e pela situação);
(b)que o Cl (componente retórico), ou seja, as circunstâncias envolvidas na elocução, precisam, num segundo momento, o sentido de (a).


Isto é, na frase "João não detesta vinho" o destinário prever que "João gosta muito de vinho". Assim, o componente retórico refere a forma que o destinário pensa que o destinador do enunciado pensa, ao emitir o enunciado. No efeito suspensivo das reticências no discurso da malícia, desviando de um significado para outro.

"e que não come" (6)
"deu vontade de dormir" (8)

No contexto erótico, o verbo "comer" pode significar ter relações sexualmente com uma pessoa, como também ocorre com "dormir". De tal forma, fica resguardada de sua responsabilidade, podendo retroceder e não afirmar que se visa do significado implícito, de tal natureza, fica na responsabilidade do destinário que o descobriu.
Nesse modelo, "um pau e lá de cima" Santos (55 p.14), a palavra pau citado é possível sexualizar, surgindo um discurso implícito que passa a funcionar como uma segunda isotopia, toda ligada ao erotismo e a obscenidade. Na significação implícita não há compreensão, em condição normal, só se a significação literal tenha sido já compreendida. É preciso, que o destinatário conheça as significações literais de pau para selecionar uma delas e chegar á compreensão de que apenas essa é marcada e conduz ao significado.




Ambigüidade

Qualquer traço comum de significado entre sentidos diversos de uma mesma palavra caracteriza uma polissemia.
Segundo Marques (1996, p. 64), no plano lexical, os processos mais pesquisados referem-se aos fenômenos de sinonímia e ambigüidade (homonímia e polissemia). Na sinonímia, rápido, veloz e ligeiro referem ao mesmo sentido, significando "que desloca de lugar para outro com muita pressa" . Enquanto na ambigüidade, vela vincula a sentidos diversos, significando peça de lona ou de linho pra impelir a ação do vento embarcações, dispositivo que produz ignição nos motores de explosão e peça cilíndrica, de substancia gordurosa e combustível, com pavio no centro a todo o comprimento, e que serve para alumiar.

A religiosidade

As poesias de Santos mostram, seja pelo plano de sua estrutura física, seja pelo que tematizam, a contrição em ser divino, de receber "as graças" e percorrer (a pé) vários estados para pagar uma promessa ao santo que valeu. Tal condição de fé e coragem, mostra muitas vezes, como no segundo acontecimento quando o santo continua a exercer seu poder, sob a forma de "instrução", transmitindo o perigo que estava para acontecer.
Quando o leitor, principalmente, e talvez, o não religioso (ateu), abre a poesia de Santos, ele se espanta com o que aí e encontra. As palavras dão sentido de procurar convencer o leitor à matéria divina, mostrando que a não veneração ao santo, terá um fim trágico semelhante aos personagens que sofreram pela suas más fé.
A palavra romeiro é o centro ideológico de toda a narração poética. Essa vem da palavra romaria, sendo um modo de dizer: vou a Juazeiro do padre Cícero para viver a unidade da fé. Esses são chamados de romeiros, pois a palavra romeiro originou do hábito das pessoas irem a Roma, o centro da fé católica.

Conclusão

Tentamos evindenciar, no decorrer deste trabalho, os fenômenos semânticos do modelo adotado, mostrando que o sentido depende de seu contexto. Assim, mostramos que as palavras contidas no cordel analisado têm na religiosidade uma forte assimetria entre nome e sentido. Com isso, percebemos que um mesmo termo pode ter sentidos polissêmicos e homonícos.
A análise realizada possibilitou para conhecemos também o implícito de Ducrot, que este é algo intermediário entre o falar e o não falar, que constitui uma forma de significação contida de modo implícito no enunciado em oposição aquilo que é posto.
Espero que o leitor e a leitora possam ter compreendido um pouco sobre os sentidos das palavras. Ducrot e Ullmann foram valiosos para nossa pesquisa, contribuindo para alargar os nossos conhecimentos sobre os mecanismos semânticos. Cabe, agora, ao leitor fazer novas pesquisas sobre o tema, pois o campo de estudo não se esgota. Muitos ainda são os temas que podem ser abordados num estudo semântico.











Bibliografia
SANTOS, Manoel Camilo. Um grande exemplo de São Francisco de Canindé. Campina Grande, 1955.
LOPEZ, Edward. Fundamentos da lingüística contemporânea. SP: Cultrix, 2000.
MARQUES, Maria Helena Duarte. Iniciação à semântica. Sp: Jorge Zahar, 2996.

Autor: Irineu Correia De Oliveira


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