Constituições E O Direito Da Economia
Tomando a Constituição Federal Brasileira de 1824, passando por todas as demais, até a Constituição de 1967, pretende-se evidenciar determinados aspectos que as marcaram e determinaram o seu cunho fundamental de atuação. O estudo partirá para a identificação, em cada Carta Magna, do contexto histórico de seu nascimento, os movimentos ou doutrinas que fundamentaram a sua formação, bem como a função e atuação do Estado, caso a caso, atendo-nos ao corte proposto pela disciplina que requisitou o presente trabalho, o Direito Econômico.
Por entender mais lógico, adotando a disposição cronológica, tomemos a Constituição de 1824 como primeira análise. A primeira Constituição do Brasil foi marcada por conturbações desde a sua elaboração. Após dissolução da Assembléia Nacional Constituinte, D. Pedro I outorga uma Constituição elaborada por si próprio e mais dez membros do alto escalão governamental, todos de sua inteira confiança.
A despeito de todo o contexto mundial da época, marcado pelo liberalismo, fruto da Revolução Francesa, como era de se esperar, essa Constituição trazia consigo oportunidades para o exercício autoritário do imperador. Além do Legislativo, Judiciário e Executivo, previa o poder Moderador, que permitia ao príncipe vetar todas as decisões tomadas pelo Legislativo e Judiciário. No tocante à economia, o Estado, impregnado por ideais liberais, exprime pelo texto legal que a ele só competiria garantir o funcionamento natural das leis que dirimissem sobre contratos econômicos, além de determinar que sua atuação deveria limitar-se somente a remover os embaraços que, por ventura, pudessem entorpecer a marcha regular dos princípios elementares da riqueza.
Já com a Constituição de 1891 algumas poucas mudanças estruturais ocorreram. Após um ano de negociações com os poderes que realmente comandavam o Brasil, aconteceu em 24 de Fevereiro de 1891 sua promulgação. Redigida à semelhança dos princípios fundamentais republicanos da Carta norte-americana, guardou sérias ressalvas a certos princípios liberais democráticos oriundos daquela.
Pressões das oligarquias e dos latifúndios através de seus comandantes, os conhecidos coronéis, exerceram grande influência no texto final, o que explica a suplantação dos referidos princípios liberais da Carta Magna norte-americana. A centralização do poder era a principal reivindicação do seleto grupo que comandava o país. A partir da centralização tornar-se-ia mais fácil a manipulação dos mais diversos setores sociais, característica essa herdada do passado imperial.
Atendendo aos anseios desse pequeno, porém, forte grupo social, a propriedade mantém-se como um direito fundamental. Justamente em decorrência de tal fato é que se pode dizer que continuam garantidos nessa Constituição a liberdade de indústria e comércio, o direito sobre os inventos industriais e a propriedade das marcas de fábrica. De mesma feita, o contrato, como expressão do direito de transferir livremente a propriedade, permanece plenamente assegurado pelo princípio da liberdade.
Promulgada pela Assembléia Nacional Constituinte, a Constituição Brasileira de 1934, foi redigida, conforme se depreende do seu parágrafo inicial, para organizar um regime democrático que assegure à nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico. Salienta-se que essa Carta foi conseqüência direta da Revolução de 1932, movimento que, de julho a outubro de 1932, visando à derrubada do governo provisório de Getúlio Vargas e a instituição de um regime constitucional após a supressão da Constituição de 1891 pela Revolução de 1930, lançou mão da luta armada.
A Carta de 1934 perpetua a liberdade econômica, mantendo o liberalismo, ainda que com profundas restrições de ordem social. O Estado passa a ter para si a obrigatoriedade de, através de leis, direcionar a economia. A mesma Constituição ainda estabeleceu o voto obrigatório para maiores de 18 anos, propiciou o voto feminino e previu a criação da Justiça do Trabalho e da Justiça Eleitoral.
Em 1937 o país recebe a segunda Constituição outorgada por poderes autoritários. Getúlio Vargas a outorga no mesmo dia em que estabelece o Estado Novo, regime ditatorial sob o seu comando. Dentre várias características destaca-se a enorme concentração de poderes nas mãos do chefe do Executivo. De ideologias diversas, tais como o fascismo, o corporativismo, o nacionalismo e um aparente liberalismo, se formaram os pilares fundamentais do texto constitucional.
Durante o Estado Novo o Executivo exprime princípios já previsíveis na Constituição, tais como a estruturação e profissionalização do Estado. Decorre de tais medidas uma orientação cada vez mais para a intervenção estatal na economia e para o nacionalismo econômico, provocando um forte impulso à industrialização. São criados nesse período o Conselho Nacional do Petróleo (CNP), a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a Companhia Vale do Rio Doce, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Usina de Paulo Afonso) e a Fábrica Nacional de Motores (FNM), dentre outros.
Findo o regime ditatorial fez-se mister a promulgação de uma nova Carta Magna. A Constituição de 1946, promulgada por uma Assembléia Nacional Constituinte, eleita pelo povo paralelamente à eleição presidencial, retoma algumas das liberdades expressas na Constituição de 1934 que haviam sido retiradas em 1937, bem como estabelece princípios básicos de orientação.
A referida Carta dá sobejado valor à igualdade de todos perante a lei; à liberdade de manifestação de pensamento, sem censura, a não ser em espetáculos e diversões públicas; à inviolabilidade do sigilo de correspondência; à liberdade de consciência, de crença e de exercício de cultos religiosos; à liberdade de associação para fins lícitos; à inviolabilidade da casa como asilo do indivíduo; à prisão só em flagrante delito ou por ordem escrita de autoridade competente e à garantia ampla de defesa do acusado. Esses princípios norteadores fizeram da Constituição de 1946 um avançado diploma para a época, especialmente quanto às liberdades individuais do cidadão.
Pautada pelo neoliberalismo a Carta de 1946 adota expressões da legislação norte-americana antitruste. Nesse sentido temos que a lei deveria reprimir toda e qualquer forma de abuso do poder econômico. Tem-se ainda que a intervenção no domínio econômico passa a ser atribuição da União, podendo esta monopolizar determinada indústria ou atividade. Ressalta-se que o constituinte determina, no tocante à intervenção estatal, que ela deverá ater-se a objetivar o interesse público e não poderá atingir objetivos de reorganização econômica de regiões do País.
Já sob a égide do regime militar ditatorial, devido à quantidade de atos institucionais e complementares que haviam desfigurado totalmente a Constituição de 1946, deixando-a obsoleta sob o ponto de vista institucional, fez-se premente a promulgação, em 15 de março de 1967 da Constituição de 1967. Apesar de diversas manifestações da oposição, institucionalmente enfraquecidas, o projeto de Constituição foi promulgado quase sem modificações, incorporando as medidas já estabelecidas pelos Atos Institucionais e Complementares.
Na tentativa de institucionalizar e legalizar o regime ditatorial, essa Carta aumentou a influência do Poder Executivo sobre o Legislativo e Judiciário, criando, desta forma, uma hierarquia constitucional centralizadora. A ordem econômica e social adquire agora um valor teleológico. Ela tem por fim o desenvolvimento nacional e a justiça social. Os princípios fundamentais desta Carta são: a liberdade de iniciativa; a valorização do trabalho como condição da dignidade humana; a função social da propriedade; a harmonia e solidariedade entre as categorias sociais de produção e a repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio de mercados, a eliminação de concorrência e o aumento arbitrário de lucros.
O Estado passa a assumir, constitucionalmente, o encargo de promover o desenvolvimento nacional, quer atuando no domínio econômico, quer intervindo indiretamente. Importante inovação da Constituição de 1967, no aspecto socioeconômico, reside na criação das regiões metropolitanas, com o intuito de promover um desenvolvimento integrado de municípios que façam parte da mesma comunidade socioeconômica.
É necessário, contudo, após a análise comparativa nesse trabalho proposta, verificar que nem sempre é salutar a participação do Estado na economia. Imprescindível levar em consideração o aspecto da conscientização do povo e, em especial, dos mandatários do país. Nesta ótica, o Estado pode tornar a crise bem pior do que estaria em condições normais, sem a intervenção do Estado. Um sistema governado por pessoas corruptas e desonestas, claramente conduzirá o país a uma situação desfavorável aos interesses da sociedade, considerando que sua meta principal é se locupletar dos recursos do Estado, em seu benefício próprio. Portanto, conclui-se que em uma economia livre é necessário, por vezes, o uso dos instrumentos da coação que faculta ao Estado, coibir os abusos praticados quotidianamente pelos grupos oligopolistas que procuram criar uma estrutura política com seus representantes, para continuarem num sistema de desmando, de exploração e de ditadura do poder econômico sobre uma sociedade por vezes desorganizada e hipossuficiente.
Autor: Hélio Castilhos França Neto
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