A Repressão, O Poder E A Escrita
O exacerbado poder valorativo da intelectualização,
empregado na eterna busca de superação dos meandros da obscuridade, remete
acadêmicos e não-acadêmicos à procura de visibilidade social. Tal fato é,
inegavelmente, resquício de um pensamento que permeia sociedades desde o
nascimento da filosofia clássica.
Por vezes de caráter sofismático, são muitos os que se põem a escrever, expondo
o prosador a ridículos que poderiam facilmente ser evitados. Se desconhece o
conteúdo a ser exposto, recomenda-se comumente que não se escreva. Corretíssimo
conselho.
É da história humana atribuir grande valor às ditas 'verdades' que sobrevivem
sob um dado pedaço de papel. E não se trata tão-só de textos exclusivamentes de
teor religioso, ainda que os mesmos sejam destaque e liderança em escritos que
sobrevivem desde as mais remotas construções sociais. Esquecem-se os mesmos
que, mesmos os mais sacros dos artigos, estão fadados a adaptações graduais a
interesses políticos e transformações histórico-sociais, portanto, tal como
afirmara Heráclito, todo cosmos e tudo que lhe é construido é mutável.
Entrementes, também mutável são as escrituras, sejam sacras ou profanas.
Sobre a inconstância do mundo, e das adaptações do que se disserta a uma dada
situação política, escrevera George Orwell a Revolução dos Bichos, obra
que antropomorfiza animais como mecanismo metafórico de crítica às ditaduras e
as intelectualizações. Na obra, a revolução do Estábulo é mercada pela
supermacia dos animais frente à dominação da humanidade sobre o mundo. Perante
a vitória da animalia, estabelecem-se os "7 mandamentos", conduta
ética de todo animal a ser seguida desde então. Ao decorrer da obra, com a
transformação do ideal revolucionário democrático em imposição despótica, os
sete mandamentos são constantemente modificados às vontades e intenções do
porco ditador Napoleão. Carregado de humor e ironia, Orwell quisera dizer, em
verdade, que escrever é também instrumento significativo de dominação. A
palavra nem sempre liberta: A integral e completa dominação não é meramente
física, mas perfeitamente fruto de repressão ideológica e linguística.
Dominar a linguagem, num cenário mundial onde catástrofes e ameaças naturais e políticas
constituem ameaça, é ainda privilégio de poucos. Notório o fato, pois
observemos que, somente no Brasil, dados oficiais afirmam em média 12% o indice
de analfabetismo. Que dirá o analfabetismo funcional, que é má capacidade de
interpretação e elaboração de textos de mediana dificuldade? A complexidade do
código penal e dos instrumentos legais de aplicação da lei, inclusive, são
outros grandes meios excludentes de massas, e portanto, supremacia das classes
intelectuais e intelectualistas do país. Polêmico, ademais voltemos ao assunto.
Embora o docente Sócrates nada escrevesse, seu sucessor Platão foi o derradeiro
pensador grego a contribuir ao intelectualismo exarcerbado, que ignora a
contribuição do trabalho físico ao engrandecimento e construção social.
Espelhara-se nas Faculdades da Alma por ele elaborada, e refletira-a num ideal
de sociedade. Neste ideal, estaria relegado aos pensadores e filósofos o
atributo de augusto, imperador e governante. O ápice da tríade das faculdades
intrinsecas ao indivíduo é o Pensamento. Para o filósofo Platão, atribuido à
base da pirâmide intrinseca é o aspecto Sensual, componente relacionado às
necessidades básicas da existência (força física e atividades puramente
mecânicas). Afinal, para Platão o mundo físico e material consiste em mera e
imperfeita reconstrução de um plano místico de idéias. São, portanto, relegadas
a segundo plano as atividades que em verdade são essenciais na manutenção de
qualquer ordem social.
Atribuir significativo valor ao que é escrito, ao que se sabe, não é de agora.
Porém, é a filosofia que tem como precussora a estimulação deste comportamento
social, que impregna, nem sempre positivamente, academias e universidades mesmo
hoje.
- Silier Borges
Autor: Silier Borges
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